O VÔO DOS PARDAIS E COLIBRIS
"Olhai as aves do céu..." (Jesus)
Quase nunca fico a observar o movimento das coisas, também, porque a correria da vida é, absolutamente, inimiga de qualquer ócio benéfico.
Porém, sábado passado, do terraço gradeado da casa em que resido, fiquei detido no vôo de alguns pardais e colibris que, matutinamente, resolveram dar o ar da graça.
Pude ver que esses pássaros não pedem licença para pousar em qualquer árvore, ainda que se localize nos terrenos murados das propriedades privadas dos humanos.
Aprendi, com isso, que eles ignoram a definição de propriedade.
Também, fiquei atento à maneira como os pardais brincavam entre si, enquanto os colibris sugavam o néctar das flores, formando um cenário lindo de harmonia e paz.
Nenhum deles brigou com o outro. Via-se prazer em tudo o que faziam.
Bem diferente de nós que, muitas vezes, não conseguimos dividir o mesmo espaço. Estamos separados por paredes, muros, portas e grades, com medo de olharmo-nos cara a cara.
E ao ver aquelas criaturinhas, repletas de alegria, fui despertado a querer saber mais sobre elas…
Quis saber o porquê de elas não precisarem de despensas nem de guarda-roupas e, ainda, assim, não sofrerem com preocupações que, freqüentemente, nos tiram o sono.
E para a crise — que acrisola — o observador, divinamente, vi que nada lhes falta.
Elas, sim, sabem a arte do bem viver.
Arte que não foi apreendida em nenhuma escola ou universidade reconhecida, mas, inegavelmente, lhes foi doada pela graça do Criador.
Quis saber, estranhamente:
Em que lugar ficam seus cemitérios?
Sim, pois, nunca vi nenhum de seus corpinhos plumados caídos no chão, atingidos por balas de calibre 38 ou vítimas de acidente de trânsito.
E comecei a perguntar-me:
Será que eles choram suas dores?
Creio que não.
A vida, para eles, me parece que segue o curso natural — é vida plena de valores por nós desconhecidos.
Provavelmente, porque entre nascer e morrer, não há dores causadas por eles próprios em outrem ou em si mesmos.
Daí, quando um de suas espécies lhes é “arrebatado”, ninguém "morre" de prantear pelo que não foi feito de bom, nem, muito menos, se “desespera” de lamentar pelo que foi feito de ruim àquele que partiu.
Assimilei que pardais e colibris não sabem chorar suas indiferenças e maldades.
Isso é coisa de humanos.
Depois daquela manhã, essas criaturinhas tornaram-se eternas para mim.
E talvez seja por serem deste jeito — livres, sem pertences, felizes e eternas — que elas voem.
Não é, terrivelmente, paradoxal ver a humanidade se orgulhar de ter voado até o espaço e não conseguir ultrapassar os cercados de suas residências, estando apegada às suas propriedades e completamente indiferentes aos seus semelhantes?
Se isto é voar, não é o vôo que almejo.
Pardais e colibris, sim, esses sabem voar, pois conhecem o que é felicidade.
Edson Rodrigues,
31/03/08,
Recife/PE