LADRÃO QUE ROUBA LADRÃO
Esse título chama atenção porque esse equilíbrio entre ações criminosas causam perplexidade sob o ponto de vista da pessoa comum, pois o delito em si exige que alguém se locuplete com o pratrimônio alheio; que em tese – estando na posse da vítima – subentende que seja um patrimônio adquirido por meios lícitos. Mas, caso um ladrão roube de outro ladrão haverá sob o ponto de vista ordinário uma ação múltipla de lesão aos patrimônios alheios, pois quem deveria ser vítima não é nenhum dos ladrões, mas sim aquele que sob o ponto de vista legal seria o proprietário do bem subtraído.
Trata-se, evidentemente, de uma tese, posto que no direito penal a lei não especifica que o patrimônio furtado deve estar relacionado à posse legítima do seu possuidor. Isso apenas vem subentendido no subjetivismo da lei, posto que ela é criada para proteger os interesses legítimos e não aqueles interesses que emergem de ações fraudulentas ou clandestinas. Ou melhor, se um ladrão que subtraiu determinada importância em dinheiro num banco por exemplo e acaba sendo furtado por um outro membro da quadrilha, até poderia comparecer numa Delegacia e prestar queixa, no entanto, jamais poderia revelar a origem do dinheiro, pois a lei não protege a anarquia.
No entanto, é evidente também que o ladrão não iria comparecer numa Delegacia para lavrar um Boletim de Ocorrência dessa natureza, pois o conteúdo da investigação poderia lhe desencadear sérios problemos, até porque caso fosse encontrado o segundo larápio, este último imediatamente chamaria a atenção para a origem do dinheiro e redundaria na prisão de ambos – vítima e réu.
Faço essas observações com base num recente caso real, para o qual não posso citar os envolvidos e nem dar a origem da demanda. O fato é exatamente esse, ou seja, entre subtrações efetuadas dentro de uma mesma corporação criminosa. A questão não é discutir o crime de furto ou de roubo em si, mas ver o desdobramento dos fatos que isso pode causar.
Uma agremiação criminosa (seja a máfia, seja o narcotráfico, seja os crimes político-administrativos no âmago dos Estados), quando se vê com problemas internos dessa natureza; quando sua corporação se destrói em face à eventuais traições dos seus membros, ocasionando desfalques etc. o grupo não pode recorrer aos meios legais em razão da clandestinadade na origem do dinheiro ou do bem subtraído. Assim, a recuperação desses bens de valor só podem ocorrer pelos meios ilegais, através de truculência, seqüestros, constrangimentos ilegais e outros tipos de coerção.
Pois bem. Agindo dessa forma clandestina e com truculência, os fatos podem vir parar numa Delegacia, pois aí já não se discute o bem subtraído, mas sim as ações que atingem as pessoas, considerando que um seqüestro, por exemplo, ocasionará ofensa ao direito à liberdade e as agressões podem ocasionar lesões corporais, tortura etc.
Um caso desses ao desaguar numa Corte Justiça ocasionará discussões doutrinárias, como por exemplo, quando um Promotor de Justiça denuncia o autor por extorsão mediante seqüestro, porque,visando recuperar um dinheiro furtado dentro de uma corporação criminosa age com truculência, levando a pessoa suspeita para um cativeiro visando recuperar o dinheiro e para que essa pessoa – pertencente ao quadro da quadrilha – devolva dinheiro que acabou por subtraí-lo da própria corporação delituosa.
O crime em tela está previsto no artigo 159 do Código Penal e possui uma pena de 08 anos a 15 anos de reclusão.
Esse crime está previsto dentro do Capítulo (Dos Crimes Contra o Patrimônio). Logo, subentende um delito que visa atingir o patrimônio alheio. Dentro dessa exegese não seria ilógico sob o ponto de vista jurídico afirmar que os crimes inseridos nesse Capítulo têm por objetividade jurídica a proteção ao patrimônio. Como no presente caso o autor do seqüestro em questão visou recuperar dinheiro que lhe era próprio, a indagação é a seguinte: Pode haver o crime de extorsão mediante seqüestro, levando-se em consideração que o objetivo era a recuperação de dinheiro que não era da vítima? Como a lei fala em “qualquer vantagem” (núcleo do artigo 159 do CP), alguns doutrinadores dizem que o crime resta caracterizado.
Eu, particulamente, não concordo com isso, justamente porque a infração está delimitada dentro do capítulo que oferece proteção ao patrimônio, logo, para que o crime seja composto há necessidade de que haja a exigência de algum bem que pertença à vítima. Como neste caso a exigência é a devolução de dinheiro da própria corporação, para mim o crime de extorsão mediante seqüestro não está caracterizado.
Nesse caso, há um concurso de crimes: exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP) e o seqüestro e cárcere privado (art. 148 do CP), considerando que este último está previsto dentro do Capítulo Dos Crimes Contra a Liberdade Individual e aquele está previsto dentro do Capítulo Dos Crimes Contra a Administração da Justiça.
A meu ver, os fatos se enquadram dentro desses dois núcleos acima citados, pois quando a quadrilha agiu por conta própria para recuperar um dinheiro, extrapolou os limites da lei, pois só à Justiça cabe resolver demandas dessa natureza. Por outro lado, o autor deve responder também pelo cárcere privado, com a agravante das lesões causadas, já que deixando a vítima isolada e cerceando a sua liberdade, feriu o dispositivo que protege a liberade individual das pessoas.