OAB/SP e a CartaCapital
Leio as revistas semanais. Sempre me surpreendo com a abordagem dinâmica, inteligente, corajosa e criativa de CartaCapital. Mesmo não sendo socialista, não compartilhando, portanto, de algumas idéias exaradas pela publicação, não posso deixar de reconhecer os méritos com os quais brinda seus leitores: construções sintáticas e semânticas claras, abordagens diretas e foco em questões que outras revistas, jornais e grupos de comunicação de alcance nacional ignoram ou omitem.
CartaCapital é a vanguarda de uma imprensa brasileira ativa, crítica (a seu modo) e completa.
Em meados do semestre passado, foi a única a abordar o estudo de dois pesquisadores ligados ao Observatório da Imprensa e à Universidade de Brasília que, baseados em metodologias simples e eficazes, demonstraram como as rádios que se dizem “comunitárias” desviam-se de suas finalidades e funções públicas. Por meio destas rádios “comunitárias”, golpistas e oportunistas pertencentes ou representantes de grupos religiosos, políticos ou de pequena força econômica, distribuídos em todo o país, usam um bem público para atingirem objetivos particulares.
Onde estavam as outras grandes revistas que não deram uma linha de informação?
A apropriação da coisa pública por uma pessoa ou por um grupo é um problema estudado pelo menos desde meados do século passado.
Se na Itália Norberto Bobbio analisa a sobreposição do privado sobre o público em “Estado Governo Sociedade”, no Brasil, Raymundo Faoro, depois de conceituar o patrimonialismo (preponderância dos interesses particulares sobre os públicos) em “Os donos do poder”, torna-se um dos intérpretes mais prestigiados da condição brasileira.
O sucesso das ações herméticas das rádios “comunitárias” se explica basicamente por dois motivos compósitos: 1) Limitação do Ministério Público e 2) Morosidade do Judiciário.
Se as rádios “comunitárias” se apresentam como alternativa para enriquecimento, a abertura de igrejas também se mostra opção rentável aos empreendedores sequiosos de dinheiro fácil.
Numa de suas capas recentes, CartaCapital expôs a foto de um jogador de futebol que agradece o sucesso na carreira aos seus guias espirituais. Os dois guias espirituais a quem se refere são os proprietários de uma igreja, cujas ações – principalmente as financeiras – são questionadas judicialmente. Acrescente-se a esse o fato de que o mesmo casal foi preso, processado, julgado e condenado, cumprindo pena nos Estados Unidos, onde tentou entrar sem declarar o dinheiro (proveniente de onde?) que transportava.
O estopim entre imprensa e defensores do casal se deu quando CartaCapital informou que um Promotor de Justiça enviou representação ao jogador, domiciliado em um país europeu, questionando quanto, como e onde aconteciam as colaborações financeiras do atleta à organização.
Depois da publicação da notícia, uma nota inconsistente, distribuída à imprensa, afirmava que CartaCapital publicara um fato mentiroso baseado em um documento falso. O que pretendia a nota? Denegrir a imagem da revista? De seu jornalista? Do Promotor de Justiça que solicitou informações ao jogador?
O que aconteceu de verdade? Evasão de divisas? Má aplicação do dinheiro público ou coletivo teoricamente destinado à construção de projetos sociais? Como o patrimônio do casal e de seus familiares, de acordo com cálculos da revista, ultrapassou os cem milhões de reais?
Essa seria mais uma discussão comum se as funções de advogado e de presidente de uma instituição que se proclama defensora da sociedade não melindrassem o limite entre público e privado.
É o caso de D’Urso, advogado e presidente da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que, numa ocasião, aparece em solenidades discursando em prol da ética, da transparência e da moral públicas e, em outras, discursa como advogado na defesa de seus clientes envolvidos em situações incontroversas. D’Urso equivoca-se diante da opinião pública quando não demonstra claramente onde acabam as funções de advogado e iniciam as de presidente de um órgão que clama por atos de justiça.
Os dois últimos parágrafos da matéria “Deus, a bola e a mentira”, publicada nas páginas 18 e 19, edição de 19 de março da CartaCapital, resumem o que pensam dezenas de milhões de cidadãos, leitores freqüentes de jornais e revistas, destacadamente da dirigida por Mino Carta:
“Quanto ao advogado D’Urso, o que dizer? Presidente da OAB de São Paulo, causídico requisitado, D’Urso é mais um exemplo de indignação seletiva ambulante. Quando se trata de seus amigos, seus negócios e seus clientes, vale tudo. Aos inimigos, a lei. Provavelmente alguém dirá que estratégias desse tipo são comuns entre advogados. Mas, então, pergunta-se: diante de moral tão flexível, como D’Urso se arroga o papel de articulador de um movimento contra a degradação dos valores éticos da sociedade brasileira?
O que faz dele diferente daqueles contra os quais o movimento Cansei diz ter se insurgido?”
CartaCapital não está errada ao questionar o comportamento de D’Urso, que precisa esclarecer à sociedade e aos advogados conscientes:
1 – O cargo público de presidente da OAB paulista beneficia os negócios particulares de advogado?
2 – Qual a coerência entre o discurso do presidente da OAB – na briga por ética, transparência, honestidade – e do advogado – cujo escritório, segundo a CartaCapital, respaldou a propagação da nota que afirmava que a revista inventara uma reportagem baseada na publicação de um documento falso?
Acompanharei – como venho acompanhando – o trabalho de CartaCapital que, em sua função jornalística correta, deve continuar na cobrança de informações sobre o presidente da OAB paulista durante todo o tempo em que seu comportamento suscitar questionamentos.
Se uma revista de circulação nacional obtém evidências para discutir adequadamente a conduta do presidente da OAB do estado mais rico do país, quão assombrosa não será a situação das subseções da OAB em cidades com menos de cinqüenta mil habitantes onde não há imprensa e, geralmente, quando há, não é tão combativa quanto se espera?
*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis – SP) de 28 de março de 2008.