Impressões sobre a modernidade – aqui e aí

Essa coisa de achar deslumbrante viver no primeiro mundo é típico de quem nunca chegou: ou a morar lá, ou a sair de lá!

Não que eu seja contra, afinal o dito primeiro mundo tem lá algumas vantagens práticas: a gente pode beber água da torneira sem se estressar com a dor de barriga subsequente ou olhar para o Brasil com os olhos românticos de quem sonha com o paraíso tropical. O fetiche e o sonho são sempre garantidos! Mas é que a coisa não pode ser vista assim de maneira romântica e distorcida como nos ensinam aqueles a quem esta versão torna-se bastante conveniente. Entre vantagens e desvantagens, de mundos tão distantes quão diferentes, a evolução pautada no quanto só faz contribuir à reafirmação da velha máxima: dinheiro não trás felicidade.

Entào pra que lamentar o modelo que não temos?

Desde que viemos morar na Europa, sinto-me incomodada com os “Ohs!” e “Ahs!” emitidos por alguns amigos desavisados que acham a oitava maravilha do mundo nossa vida de europeu, mal sabem que aqui não nos deliciamos com um filezinho com fritas ao jantar, nem aos domingos com uma picanha na brasa como se isso fosse a coisa natural a fazer, pois afinal é domingo! Tudo artigo privilegiado e pouco acessível à galera classe média primeiromundista: as boas carnes e o domingo de sol!

Tem outra coisa que europeu adora e que não combina com os prazeres mundanos da vida corriqueira à que estava acostumada nos trópicos: regras e agendas para tudo!

A vida “civilizada”, nos moldes do que acreditam meus amigos incautos ser o modelo a seguir em território verde e amarelo, requer do ser humano muito mais resignação ante à mesmice, do que sonha a nossa vã filosofia.

Por exemplo, voltando às boas carnes e ao domingo de sol. Ha! Churrasco de europeu é tão organizado e previsível quanto quase tudo na vida cotidiana por aqui. Aqui não dá simplesmente para acordar meio com preguiça no domingo, ir rapidinho no supermercado e pegar a picanha e a cervejinha pra comer lá pela uma da tarde quando a brasa aquecer. Supermercado aberto aos domingos é pecado mortal aos sindicatos, e os poucos que trabalham aos domingos ficam cansados pelo resto da semana. Bem, então só resta seguir as regras da modernidade desenvolvida.

Primeiro, é preciso acompanhar de perto ao longo da semana a previsão do tempo, churrasco sem sol não acontece. Depois, garantido o sol, vamos ao supermercado com alguns dias de antecedência para comprar as carnes e molhos pois na véspera já estará tudo esgotado (o país inteiro se anima num domingo de sol, eheheheh...), e não há reposição de estoque pois no dia seguinte - vai chover!

Hummmm.... Ok, no início meus churrascos fracassavam por falta de verba, quer dizer, como eu comprava CARNE, ficava tão caro que levava uns meses para fazer outro, e até lá já estava frio pra sentar lá fora.... Como convidada deles, acabei aprendendo a montar o menu: por pessoa come-se uma coxa de frango, um hamburguer, duas salsichas e um espetinho de frango, nos mais sortidos, ganha-se também uma costelinha de porco. Os acompanhamentos ficam por conta de muito pão e batata cozida, com bastante molho de amendoim. Enfim, nada que dê muito trabalho e leve tempo, porque por aqui tempo é dinheiro!

Tempo, dinheiro, agendamento e regras para o dia a dia, tiraram do europeu genérico a capacidade da improvisação e criatividade ante o inesperado, o que acaba homogeneisando os comportamentos e pasteurizando a alegria gratuita e sem medidas formais.

O calor do convívio social sem regras que rege a espontaneidade de um amigo que chega sem avisar num domingo com churrasco e é recebido com um sorriso, uma cervejinha e um lugar extra na mesa, é mercadoria rara por aqui, e por isso mesmo, este "estilo social" acaba por seduzir milhares de europeus a anualmente trocar seu desenvolvimento econômico – símbolo do dito Primeiro, pelo nosso desenvolvimento emocional, símbolo do dito Terceiro.

Classificações à parte – até porque esta divisão econômica já foi há muito superada pela dinâmica global, sugiro a meus amigos deslumbrados que façam por aí o que gostam de ver quando de férias por aqui - da limpeza pública ao patrimônio urbano preservado - todos acabam corroborando com um certo egoísmo social, onde “o meu é meu e o de todos não tô nem aí!”, e acreditam seriamente (ora que pena!), que o Brasil só seria viável por aqui, heresia a que o europeu comum se arrepiaria só de pensar.

anadijk