Em busca de Deus como síntese do Todo
2ª parte: Aspectos cósmicos
Ou
Em busca de Deus como síntese do Todo
"Isto és tu"
Literatura Védica
Aqui será tratado mais um aspecto de Deus, que é justamente a dimensão de Deus como síntese do Todo, imagem do Absoluto, de tudo o que há, houve e haverá. Contudo, para tal texto nos será suficiente apenas as medidas mais humildes do presente, as quais em termos históricos bem que poderiam ser vistas como uma fusão e condensação de um passado que desemboca nos dias atuais, trazendo uma confluência de elementos para um presente que, por sua vez, revela-se como portador das sementes e possibilidades do amanhã. É claro que quanto mais amplitude e profundidade determinada consciência puder alcançar, ou, em outras palavras, quanto mais desenvolvido estiverem os seus olhos espirituais, mais e mais tal pessoa poderá transitar do presente para o “eterno” e do “eterno” para o presente, podendo enxergar que tal divisão possivelmente sequer existe, sendo apenas uma arbitrariedade criada em função de uma necessidade imposta pela vida prática. Pois o presente, quando desvinculado dos demais tempos, nos dá apenas uma visão pobre e parcial do que realmente está ocorrendo, a não ser que o presente aqui seja tomado como ponto de encontro do passado com o futuro. Pois quanto menor forem as lentes utilizadas para enxergar a realidade, quanto menor for o seu poder de alcance e amplitude, maiores serão as chances de que o resultado obtido se mostre mais parcial e mais superficial, distante daquela verdade maior que comporta múltiplas facetas, estratos e dimensões, formando uma colossal estrutura que possui e que faz relações para todos os lados, muitas vezes comportando verdades em múltiplos níveis e que, por incrível que pareça, quando tomadas em separado ainda podem guardar certa eficácia e potencial de explicação e de alcance. Quanto mais complexo for o fenômeno estudado ou visto, mais difícil se torna uma explicação meramente causalista, onde A explica o aparecimento de B, ou onde de B podemos deduzir a existência de um hipotético A; quanto maior for a complexidade existente em algum acontecimento ou fenômeno, maiores serão as confluências constituintes de tal fenômeno, de tal modo que toda tentativa teórica e de conhecimento se configure como uma simplificação, um hipotético arranjo de uma possível verdade maior, no sentido aqui de complexidade e amplitude.
As áreas humanas de conhecimento já haviam se apercebido disso há muito tempo. Nelas, mais do que em qualquer outra área, o conhecimento instituído é sempre um claro recorte, uma apresentação de uma realidade imensamente complexa por meio de alguns dados e elementos que, relacionados entre si, guardam um sentido maior. A compreensão de toda teoria ou visão, sem exceção, se expande para além dos limites das suas páginas e letras para sempre recair no mundo e na pessoa que o criou. É por essa razão que apreendemos melhor aquilo que se afasta no tempo, pois podemos ter uma visão mais abrangente, mais totalizante, como se estivéssemos mais distantes do olho do furacão. Porém, ainda assim será uma opinião, uma verdade relativa, trazendo e pondo à tona algo do fenômeno em questão, algo da pessoa que constrói a opinião ou teoria e algo do mundo em que ela vive. Nesse sentido, qualquer afirmação humana traz algo de político e influi, sim, na vida de outros seres humanos, refletindo como ondas que podem ser transmitidas e/ou amplificadas para múltiplos lados, ganhando novos tons, outras interpretações, correndo pela superfície do mundo inteiro, passados de coração a coração, de consciência a consciência, podendo decidir o destino de muitos, plasmar visões de mundo, construindo e alterando realidades.
Como então buscar uma orientação e um posicionamento nesse imenso e misterioso planeta, sem cair num fatalismo existencial de que a humanidade não passa de um descomunal e trágico jogo de telefone-sem-fio, no qual não se pode crer na veracidade de nada, como se todos falassem o tempo inteiro apenas com o intuito de enganar e de seduzir, sem que daí se possa retirar nada de bom, nenhum trigo desse imenso mar de joio, como se todas as pessoas fossem mal-intencionadas, farsantes, iludidas, ou mesmo simplesmente ignorantes? Essa disposição niilista de mundo, na qual toda fala e opinião se configura como um perverso jogo de poder, só faz levar a pessoa que assim pensa ao mais completo desespero e imobilidade. Pois a vida para tal pessoa deixa de ser séria para tornar-se algo ridículo e casual. Passa a agir mecanicamente – e de uma mecanicidade que sempre a nega e a machuca. Um niilista nunca acredita de todo no que diz, de tal modo que ao fim e ao cabo só lhe resta conviver com um amargo sentimento de desprezo à humanidade, à vida e a si mesmo. (No entanto, há algo de profundamente misterioso na figura do niilista, pois, em essência, só é niilista aquele que se decepcionou com tudo e com todos justamente porque esperou demais de tudo e de todos; talvez, no coração de todo niilista habite o maior dos idealistas – pois no fundo só descrê aquele que um dia precisou muito crer e se frustrou... Talvez isso seja estranho para muitos, mas há algo de extremamente divino no niilismo, mas de um divino, no meu modo de ver, não plenamente desenvolvido, como se esta fosse uma fase necessária para algo maior e mais próprio, e não o fim e desembocadouro do coração humano). Quanto mais tal pessoa vai perdendo a perspectiva, esse pensamento das alturas, das estrelas e dos cumes, mais ela vai estrangulando sua consciência em um cotidiano cada vez mais estreito e asfixiante, pois se uma pessoa já pôde vislumbrar, nem que seja somente por uma única vez, a visão de um todo maior, mais ela terá a necessidade de buscar uma experiência de vida que comporte tal amplitude, seja por uma busca intelectual, seja por uma experiência poética (o céu, o horizonte, o oceano, vastas planícies, ou, por outro lado, o infinito mistério e complexidade de uma flor, de um pássaro, da relação entre eles, a beleza de uma gota d’água atravessada pela luz, etc.), seja ainda pelo contato com o religioso. Eis algo que pode se tornar verdadeiramente trágico na vida de alguém: para quem já experimentou a visão das alturas ou a experiência do profundo, o gosto do raso e do superficial se vê muito mais diminuído. Para aqueles que puderam sair da caverna e vislumbrar o que há para além dela, ser obrigado a voltar para a escuridão é um verdadeiro suplício, de tal modo que algo na pessoa sempre vai pedir esse contato com o maior, com o mais pleno, com Deus... Aquele que teve a oportunidade de ouvir a música dos céus jamais se contentará novamente com o bater de pedras... E de fato há algo de trágico nisso, mas que muitos transformam em uma busca pelo sublime – o que por si só já traz algo de belo e de heróico. Torna-se um trabalho extremamente difícil crer, no que quer que seja, para aquele que teve a ousadia, a coragem ou a ambição de escalar em busca de algo maior, mais belo e mais verdadeiro. É um trabalho que se constrói dia a dia, com minúcia e estudo, com paciência e atenção. Ouvir o que o outro tem para dizer e lhe dar uma chance de que ali pode estar algo de bom e de sincero é mesmo um ato de grande generosidade. Quantas e quantas pessoas ouvem sem ouvir, crêem sem pensar a respeito, concordam apenas para agradar... Ouvir alguma pessoa, um pássaro, uma chuva, se trata de ação tão difícil e profunda que se precisa alcançar um estado de verdadeira prece para entrar em contato com tais experiências. Aliás, seja por qualquer via perceptiva, faz-se necessário buscar esse estado de prece e de meditação, como se buscássemos auscultar aquilo que se quer conhecer por todos os lados, através de todos os modos e atravessando todos os tempos.
É bem possível que a forma de conhecimento que se aproxime mais daquilo que podemos almejar é uma integração mais ou menos harmoniosa entre nossas sensações, intuições, sentimentos e intelecto, onde cada uma dessas modalidades amplia e pede uma complementariedade e uma integração dos demais fatores. Entretanto, pode-se ter uma grande inteligência ou uma grande capacidade intuitiva e, ainda assim, não conseguir formular nada de altamente profundo ou complexo. Pois a compreensão de algo pede esse amor de compreensão, esse estado de prece, onde a pessoa abandona a si mesmo, desapega-se relativamente de algumas de suas crenças anteriores para contemplar da maneira mais totalizante possível aquilo que impressiona o seu ser. Pois a intuição, quando desenvolvida e liberta, atrai o intelecto para cima, como que o instigando a buscar verdades cada vez maiores e mais abrangentes, ao passo que as sensações e os sentimentos, e mesmo o intelecto, quando não bem compreendidos, podem puxar a consciência para baixo, fazendo-a se concentrar no impulso que se sente ou nos elementos que provocam a sensação, ou ainda na minúscula idéia que explica o objeto. As pessoas que buscam compreender o mundo por desejos mesquinhos distorcem sua experiência para que encontrem no mundo a complementariedade daquilo que buscam. Assim sendo, um homem, por exemplo, que é obcecado por sexo, pode restringir sua experiência com as mulheres apenas a esse critério, e tudo que daí advém. Um latifundiário que pretenda escrever a sua versão da história também pode fazê-la a partir do seu desejo de conservação social. Qualquer idéia ou teoria, no fundo, está relacionada com certos desejos, manifestos e latentes, declarados e escondidos, conhecidos e desconhecidos. Porém, quanto mais nos aproximamos desse amor de compreensão, esse amor que muitas vezes nos faz renunciar os nossos desejos menores, em certo sentido, mais próximo podemos estar da eterna busca de uma imagem mais clara e límpida, com a menor quantidade de distorções... Trata-se se um trabalho imensamente difícil e delicado. E que no fundo vai sim tocar o impossível, pois somente a Deus é possível enxergar algo da maneira mais perfeita possível, integrando todos os níveis relativos dentro do absoluto. Às vezes a intenção pessoal pode ser das melhores, mas pode-se facilmente resultar em um resultado completamente diferente do imaginado. É difícil conceber e prever os profundos e múltiplos efeitos de algo no mundo social – e em qualquer outro âmbito também. São tantas e inúmeras as possibilidades que, quando alguém o faz, logo recebe a alcunha de profeta, mesmo que o faça por métodos nem um pouco sobrenaturais. No entanto, infelizmente existem pessoas que vivem uma vida inteira e só vão se tocar de que não entraram em contato com nada no final de suas vidas, momento esse que são obrigados a ver a vida por uma outra perspectiva – a perspectiva da morte. Então caem na mais absurda angústia, tomando consciência de que desperdiçaram uma vida inteira em bater pedras, enquanto julgavam estar criando a 9ª Sinfonia de Beethoven! Isso se chegarem a tomar consciência disso...
A relação entre conhecimento e desejo é de tão vital importância que não é à toa que muitos sistemas espirituais coloquem o conhecimento divino e espiritual em oposição ao mundo dos desejos ditos mundanos. Como se dissessem que para a consciência poder se aproximar da Verdade Absoluta, faz-se necessário que ela não seja influenciada e sempre chamada a agir em função de um ou outro desejo específico. Tal relação talvez nos ensine algo sobre a relação que cada um de nós possui com outras pessoas, seja uma comunidade, seja algo que poderíamos chamar aqui de sociedade, estado, ou mesmo a própria humanidade. Por exemplo, existem certos acontecimentos que são absolutamente absurdos, porém muitos parecem não se dar conta disso, ou, se dão conta, não se importam ao ponto de fazer alguma coisa. Um desses acontecimentos é o trânsito urbano ou mesmo o crescimento populacional. A lógica é bem simples: 1. a cada ano que passa cresce cada vez mais o número de pessoas nos centros urbanos; 2. as cidades, com toda sua infra-estrutura, não acompanha esse ritmo; 3. um grande número de pessoas deseja ter um carro pessoal e compra mais e mais carros; 4. muitos reclamam diariamente do trânsito e do quão insuportável é viver em uma cidade grande; 5. repetição exponencial dos quatro primeiros itens. Bem, agora surge a questão: por que as pessoas preferem continuar a se frustrar e a reclamar ao invés de pensar no problema de uma maneira mais abrangente? Dizer que as pessoas não têm capacidade intelectual para relacionar esses quatro primeiros tópicos é uma imensa simplificação. A grande maioria das pessoas têm capacidade intelectual de sobra para fazer tais relações. O que ocorre aqui é claramente uma questão de apego pessoal. A pessoa pode até saber que o trânsito da cidade está insuportável, que a cidade não comporta um número maior de carros, entretanto quem disse que esse é um problema dela? E aqui surgirão diversas desculpas: ah, a culpa é do estado que deveria fazer a cidade crescer; a culpa é de quem cuida dos outros meios de transporte, porque se estes não fossem tão precários e lotados, ela até que poderia pensar em ir ao trabalho de ônibus, etc. Eis um grande problema da mentalidade atual, dois aliás: entender o estado, o país, ou o que quer que seja, como algo separado e que funciona autonomamente e do qual não somos responsáveis; e manter uma certa cultura da reclamação, onde muitos reclamam de tudo e parecem realmente se satisfazer com isso, para voltar a reclamar no dia seguinte, e assim indefinidamente...
Parece que quanto mais objetivo for um conhecimento ou quanto mais abrangente, amplo e abstrato ele for, mais difícil torna-se à consciência restrita, altamente apegada a seus desejos pessoais e crenças endurecidas, manter, sustentar e buscar agir em função desse conhecimento maior. É quase como se fosse um sistema de forças da física clássica: quanto maior o apego pessoal, ocasionado por algum desejo egoísta, menos a consciência vai poder se afastar do centro de seus interesses, de tal modo que uma pessoa muito aferrada a determinado desejo, digamos, um grande capitalista que adora o dinheiro acima de qualquer coisa, pode, por meio da distorção que esse desejo lhe provoca, deixar de ver a humanidade daqueles que trabalham para ele, como se tal palavra fosse a mais absurda e distante das abstrações, chegando muitas vezes a passar por cima de todo ou qualquer sentimento que os seus trabalhadores possam ter, podendo até chegar a acreditar, de maneira abominável, que ele até faz um bem para eles... É óbvio que na vida real as coisas se revelam muito mais complexas do aqui está descrito. Muitas pessoas possuem uma consciência intelectual que as faz muito conscientes de tudo isso, mas, como o desejo egoísta predomina, organizam em si todo esse conhecimento com a intenção de fazer dele um uso perverso e ideológico. Quantos e quantos empresários e governantes não jogam com os interesses dos grupos sociais apenas para conquistarem os seus interesses? Quanta gente só “vê” que muitos passam fome, que muitos não tem hospitais e escolas só quando isso lhes é conveniente?
É quase como se os vários conhecimentos, as várias e múltiplas idéias, estivessem circulando por aí, algumas aqui, outras ali, mais outras acolá, apenas aguardando um estado de consciência que as possa captar. Quantas pessoas não vêem o valor da vida apenas quando vivem uma experiência de quase-morte? Como se recebessem um chacoalhão que faz a pessoa passar em revista todos os seus velhos valores, analisando e diferenciando aquilo que realmente lhe é importante daquilo que lhe é dispensável. É por essa razão que o simples conhecimento de algo não necessariamente vai tornar as coisas melhores... Nossa humanidade de hoje está repleta de situações absurdas e cretinas como aquela lógica do trânsito urbano. Temos uma produção alimentícia tão grande que ninguém nesse mundo precisaria passar fome, entretanto, devido ao interesse mesquinho de alguns, ao complexo e intricado mercado financeiro, a todo esse jogo de poderes, mais da metade do mundo vive em situações da mais completa miséria! Mais da metade! Só não vou aqui escrever o número para não dizerem que estou sendo sensacionalista... Outro exemplo é a descomunal exploração humana dos recursos naturais. Não precisa ser nenhum gênio para saber que caminhamos para o total colapso das forças naturais. Entretanto, muitos ainda continuam a agir naturalmente, talvez até contentes pelo fato de que alguns concorrentes diretos já começam a demonstrar uma preocupação ambiental, fato esse que irá encher mais o bolso daqueles que nada fazem a não ser agir a seu bel-prazer. Tais pessoas, donas desse egoísmo tão absurdo, só vão promover alguma mudança na configuração do contexto mundial quando tiverem algum outro motivo egoísta para tal, como quando se depararem que elas poderão adquirir um câncer ou que a cidade em que está o seu complexo industrial pode ser completamente inundada daqui dez anos... Os outros, que possuem um desejo pessoal que não é doentio como daqueles, já começam a pensar em medidas para atenuar ou reverter tais processos. Mas outros ainda apenas começarão a fazer algo quando o mal estiver sobre as nossas cabeças...
Mais do que nunca se faz necessário reconhecer esta outra faceta de Deus, aqui tomado como síntese e representação do Todo. Ele seria Aquele para o qual todos os desejos humanos deveriam apontar, parâmetro e estruturador de nossa experiência no mundo enquanto humanidade. Afirmar que o mundo é de Deus é apenas uma maneira, das tantas possíveis, de dizer que o mundo não pertence simplesmente aos homens - quanto mais a um pequeno grupo de homens! -, e que estes não têm o direito de fazer o que bem entendem com tal mundo, usufruindo-o de maneira irresponsável e destrutiva. Afirmar que o mundo é de Deus é o mesmo que dizer que o mundo é igualmente de cada ser humano existente neste planeta, de cada animal, de cada planta – ou seja, o mundo é de todos e de cada um. Deus aqui surgiria como um símbolo que unifica a vida e a humanidade de tudo o que existe neste mundo. E é preciso que cada ser vivo neste planeta valha como uma representação desse todo, como se cada ser vivo fosse uma própria personificação da Vida. Deus, como síntese do absoluto, símbolo da vida na Terra, existe então como abstração e em cada um de nós; porém não se trata de mera abstração teórica: o desrespeito a esse Deus fará com que os seres humanos colham a conseqüência daquilo que estes mesmos plantaram. Deus, portanto, é a síntese de um processo imenso e de difícil apreensão. Mas um processo real e que se desenrola em nosso cotidiano, sejamos conscientes ou não dele – um processo que vêm ocorrendo desde os princípios dos tempos e que ocorrerá até o seu final, estejamos aqui ou não.
Os animais, tanto quanto nós, possuem uma experiência própria de mundo, um saber particular, um estilo de vida, e devem, por isso, ser respeitados em suas idiossincrasias. Eles possuem, tanto quanto nós, uma consciência, e se isso for difícil de provar, possuem certamente sentimentos bastante semelhantes aos nossos, tais como medo, angústia, solidão; eles podem passar fome, frio, podem sentir-se desamparados, desenraizados, etc. Atualmente vêem-se diariamente florestas inteiras serem destruídas, mares inteiros seres intoxicados, tráfico de animais e plantas, espécies inteiras serem fatalmente dizimadas, predatismo cego e voraz sem qualquer preocupação ambiental e com o futuro das espécies, que são todas inter-relacionadas, e toda uma lista de crimes que, por si só, já daria um enorme trabalho!
E se isso vale para os animais, o que se dirá dos seres humanos! De fato, não se pode falar em um mundo civilizado onde seres humanos passam fome, onde seres humanos não possuem as mínimas condições de vida e de desenvolvimento, onde seres humanos não têm escolas, hospitais, locais de recreação, de troca cultural, etc. Não se pode falar em mundo civilizado onde metade das pessoas sobrevivem na miséria como se isso fosse algo simplesmente normal. Não se pode falar em mundo civilizado onde alguns poucos países detém muito, desperdiçam e exploram, e onde outros são abandonados à própria desgraça, o que longe de ser uma fatalidade do destino, é também muito bem explorada por empresas oportunistas, tais como as de armas, as farmacêuticas, etc.
A compreensão de que o Deus que se venera em todas as religiões é o mesmo. A compreensão de que a sociedade que se quer preservar, o meio ambiente que se quer proteger, a humanidade que se quer saciar, não passam de gradações contidas nessa idéia de Deus, síntese do Todo vivo, síntese do planeta inteiro, poderia - por que não? - gerar uma revolução na humanidade e na relação deste com o restante do planeta. É claro que não espero aqui criar uma utopia global, como se de um dia para outro, isso pudesse se tornar realidade; no fundo, tal texto é muito mais um esforço para a integração de uma realidade cada vez maior de um todo que nos atravessa e nos ultrapassa, porém sem nos negar. Isso é importante, pois não estou aqui fazendo apologia de entidades monstruosas que poderiam ocupar o lugar de Deus, lançando ordens e arbitrariedades para todos os que estão submetidos a “Ele”. Faço aqui um esforço de sacralização da Vida e de tudo o que há sobre este planeta e, quem sabe, de tudo o que há também para além dele. Faço aqui um esforço para revitalizar a idéia de Deus, para que Este não acabe como um conceito vazio ou como um velho que nos ama e que fica apenas sentado sobre uma nuvem por toda a eternidade... Faço aqui, enfim, um esforço na contra-mão do individualismo mesquinho, que não consegue enxergar relações em mais de duas sentenças, por medo de desfazer-se ou questionar os seus “sagrados” interesses e direitos pessoais... E faço aqui também um esforço na contra-mão do totalitarismo que reina sob este planeta, onde grandes multinacionais e poderosos estados se julgam acima da Vida, acima da lei, acima de tudo o que há, passando por cima de tudo e de todos como um trator que submete e subjuga com uma voracidade e uma monstruosidade talvez mais perversa da que se via nos tais tempos não-civilizados, nos tais tempos bárbaros... Ao menos, em tais tempos não se escondia a violência! Hoje sequer tal “dignidade” podemos reivindicar. Atualmente, atrás de todo assassino há sempre uma equipe de limpeza e assepsia e uma outra para criar uma versão oficial... Tristes tempos os nossos!
Sim, vivemos sob nacionalismos esdrúxulos, e sob uma idéia de competitividade que é verdadeiramente selvagem. Neste mundo em que impera soberanas as formas mais baixas de poder e as mais deslavadas hipocrisias, é aberto por um lado fendas terríveis sobre a superfície da Terra, separando e apartando os homens uns dos outros, e por outro cria-se cisões e feridas profundas no coração humano. O mundo torna-se, então, falso e dissociado. O trabalho torna-se alienado e degradante. O pensamento e a palavra, desvitalizados e vazios, perdem o seu caráter transcendente, tornando-se concretos, pesados, atrasados, fragmentados. Vivemos em um mundo em que qualquer idéia bela provoca-nos um misto de tristeza, ironia e amargura, como se tudo cheirasse a ideologias toscas e ingênuas.
Um mundo que tem o belo como falso, a verdade como mito, o real oculto por trás de relações sociais dirigidas por valores tais como o amor ao lucro, a primazia da fama, da aparência e da imagem, a busca por um sucesso fácil e a qualquer custo, mesmo que às custas de outras vidas e de muitas lágrimas – tudo isso dirigido e manipulado por uma entidade monstruosa e demoníaca denominada ora de Capital, ora de Mercado Financeiro... Enquanto os homens padecem de solidão e desesperança, aprisionados por um contexto que os esmaga e os tornam cada vez mais perdidos, a humanidade reza amedrontada e assiste atônita a variação dos “humores” dessa terrível divindade que, caso desperte um dia de mau-humor, pode fazer um país inteiro quebrar e naufragar como se fosse um barquinho de papel – barquinho esse que guarda em seu bojo alguma cifra monetária e alguma estatística populacional! Convenhamos, que mundo ridículo o nosso!
Em função de tudo isso – corrupção, miséria, crise econômica e ambiental, ameaças atômicas e nucleares, conflitos civis e políticos, etc. – faz-se necessário uma nova concepção de mundo, um novo conceito de civilização, de humanidade, de natureza e de Deus. É preciso criar idéias cada vez mais totalizantes e integradoras, idéias que não segreguem os seres humanos, lançando-os uns contra os outros, de maneira cega, perversa ou irracional; é preciso que as grandes e mais poderosas civilizações não explorem e pisoteiem as menores, aproveitando-se oportunamente das mais diversas situações, independentemente do que poderá ocorrer na cultura, nos seres humanos e no contexto ambiental existente em tais lugares; é preciso, enfim, que a humanidade não se veja como senhora absoluta da natureza terrestre, prostituindo-a e abandonando-a a sua própria sorte. A idéia de Deus como síntese do Todo, longe de ser fruto de uma mente fanática, é apenas uma forma de dizer que fazemos parte, sim, tanto física como espiritualmente, de um contexto de infinitas relações, materiais e simbólicas, que nos atravessam, nos determinam, nos influenciam e nos oferecem os subsídios necessários a fim de que tenhamos uma vida plena e digna ou destituída de qualquer sentido e valor – aqui entendidos em um sentido mais amplo e profundo, já que, por pior que esteja a situação, não se pode falar em ausência absoluta de sentido e valor, pois isso é próprio e intrínseco do ser humano e de seu existir no mundo: mesmo um escravo possui socialmente um sentido negativo contra o qual ele pode se rebelar, ou ainda uma cultura própria que, por mais machucada que esteja, ainda assim pode oferecer-lhe uma dignidade espiritual frente às adversidades de seu dia-a-dia.
No fundo, não importa se chamaremos tal idéia de Deus, Gaia, humanidade, planeta Terra, etc. Os nomes aqui podem ser os mais variados, e as gradações, múltiplas e versáteis. O importante é que eles não se anulem uns aos outros, que eles não destituam outros nomes que são praticamente equivalentes e promotores de um efeito semelhante. Como seria belo um mundo em que cada um dos seres vivos existentes pudesse ser tomado como uma representação total, um símbolo vivo do infinito mistério do Todo! A natureza é tão complexa que não se pode sequer conceber os efeitos ambientais de um único beija-flor que é retirado de seu contexto ambiental. Não se pode conceber quase nada – eis a verdade! A totalidade da vida e do mundo, a totalidade do universo é algo tão imenso, tão colossal, de proporções tão fora de qualquer medida, que, como bem disse Simone Weil, uma pessoa que se ajoelha diante de Deus, diante de tudo isso, está muito mais próximo da verdade e da sabedoria do que alguém que deseja pôr o mundo inteiro em sua cabeça – e o pior, que acredita piamente que tem o mundo inteiro dentro de sua cabeça! A Vida é inesgotável e infinita! O Todo não tem limites e não nos dá alternativa para representá-lo de modo fidedigno que não seja considerando-o como algo muito maior do que nós, cuja presença nos deveria suscitar respeito e humildade, amor e veneração. Qualquer esforço em busca de uma verdade que nos oriente deve ser feita com todo o cuidado, ou, ao menos, com toda humildade e consideração. Mas o que se vê são homens e mulheres donos dos comportamentos os mais torpes e primitivos: acumula-se dinheiro e agarra-se a teorias científicas como uma criança egoísta e mimada que não quer largar a chupeta ou abandonar o brinquedo. Bem, em uma criança isso ainda é desculpável, mas em um adulto... Há algo de terrivelmente infantil, no sentido mais negativo da palavra, em muitos seres humanos. Deseja-se dominar o mundo inteiro e conquistar uma pretensa verdade universal, mas não se tem paz suficiente, maturidade e generosidade para saber que tudo o que se faz em vida é apenas um passo ou um degrau para algo que está muito além de nossa imaginação. Em vida, desceremos apenas um trecho do rio da Vida. Quem quiser agarrar e tomar toda a água para si, guardando-a nos bolsos ou dentro de sua barriga, apenas estará construindo sua própria tragédia; e aquele que quiser derrubar todos os demais do barco, fazer uma barragem, desviar o curso do rio, cobrar pedágio, torná-lo depósito de excrementos e lixo industrial... esse, meu Deus, não passa de um facínora criminoso – o mais baixo dos seres! Aquele que perdeu de vista tudo aquilo que há de mais valioso neste mundo. Aquele que, além de não reconhecer sua profunda humanidade, destitui os demais de seus valores, tornando-os simples objetos para o seu usufruto e interesse. Este homem, que existe tanto fora como dentro de nossos corações, é a própria personificação de tudo o que de pior e mais detestável há no ser humano, fazendo oposição direta com a própria idéia, mais generalista e universal, de Deus. Aquele que quiser buscar Deus em seu coração, identificando sua vida com Ele, terá que aprender a abandonar ou a trazer sob um domínio espiritual maior tudo aquilo que há de mais demoníaco e destrutivo em si.
É com dificuldade e sacrifícios pessoais que se ganha pouco a pouco amor à idéia de Deus. Bem sei que o que escrevo aqui é um pólo extremamente idealizado que faz oposição a certos estilos de vida e modos de governo e de economia, cujas presenças hoje estão bastante cristalizadas. Porém, afirmo que são os pequenos, mas não insignificantes efeitos na consciência daquele que vive tais conceitos que se constituem como o objetivo de tal texto. Vejo a idéia de Deus como síntese do Todo como uma maneira de se estar buscando com a consciência, sempre e em todo momento, uma compreensão e uma vivência mais amplas e profundas. Nesse sentido, Deus como síntese do Todo não existe apenas no alto do planeta Terra, envolvendo hiper-estruturas econômicas, complexos contextos políticos, imensas e profundas configurações culturais e religiosas, etc., mas existe também em qualquer coisa ou idéia que almeje sair do indivíduo e do estabelecido, fazendo-o buscar algo que está sempre para além dele ou para além de sua compreensão imediata. Deus como síntese do Todo, portanto, existe em cada ser vivo, em cada relação, em cada família, em cada comunidade, em cada país, em cada continente, etc. Se o que aqui está escrito ajudar as pessoas a lidar melhor seja consigo, seja com sua família, seja em seu ambiente de trabalho; se algo nessa pessoa se abrir no que diz respeito às condições de vida de outros seres vivos, de sua comunidade, de sua cidade ou país, entendendo aqui como algo que esteja orientado sempre para mais além, e não no sentido de exclusão e competição entre grupos – tal texto terá cumprido a sua função.
Pois se é verdade que há em nós desejos que nos fazem almejar a posse de pequenas “verdades”, como se fossem verdades absolutas, e de alguns “objetos”, como se eles existissem justamente para estar sob nosso domínio, também há no fundo de nossas almas o desejo pelo Absoluto e pelo Todo. E o preço dessa infinita busca por algo que está sempre para além de nossa capacidade exige de nós esse desapego, essa calma em saber que a água estará sempre correndo e, por mais que desejemos, sempre escorrerá por nossos dedos, voltando ao seu eterno fluxo. Eis aqui a diferença básica e essencial entre alguém que age em função do poder pessoal e outro alguém que age por amor a algo que é maior do que ele próprio. A sensação de poder gera esse profundo apego às coisas do mundo, seja uma idéia, uma teoria, uma grande empresa, etc. O amor, por outro lado, já nos atrai para o contato cada vez mais próximo com aquilo que amamos. A pessoa que ama sempre quer se aproximar mais e mais do seu ideal, nunca julgando o degrau em que está situado como o destino último da humanidade. Sempre haverá mais degraus. E quanto mais próximo se está do objeto amado, quanto mais próximo do cume, mais alegria e entusiasmo tal pessoa sente, e mais ela busca.
Esse pouco de tempo que nos é concedido viver já é o suficiente para nos preencher de muita vida e experiência. Todo aquele que tiver a coragem de desapegar-se, portanto, de suas posses no mundo poderá tornar-se um sábio e alcançar uma certa paz e quietude, apesar de ainda possuir plena capacidade de indignar-se e de revoltar-se quando necessário. Por outro lado, aquele que quiser dominar o mundo e ter para si todo o conhecimento e toda a verdade, terá uma grande possibilidade de levar uma vida de total frustração diante de suas expectativas, seja no campo material, seja no campo espiritual. A vida não foi feita para corações duros, mentes inflexíveis e mãos fechadas... Tais características apenas acentuam os conflitos, a desordem e o ódio. E cria situações que, se formos analisar em sua faceta ideal, são bastante estranhas. Por exemplo: como pode protestantes e católicos na Irlanda brigarem nas ruas com paus e pedras, se ambos os grupos ajoelham-se toda semana e rezam para um homem que pregou que o outro é nosso irmão e que deveríamos amar o próximo como a si mesmo e a Deus acima de todas as coisas? Porque, por diversos fatores históricos e espirituais, o próximo para muitos deles vai até os limites de seu grupo religioso, e a graça de Deus apenas paira sobre a cabeça dos integrantes de seus pares. Antes do próximo ser um irmão, filho do mesmo Pai, e portanto digno de amor, o que é uma concepção extremamente universalizante e integradora; o próximo é um católico ou um protestante, portanto, um inimigo mortal. Se a condição original era ser filho de Deus, passou a ser vista pela ótica mais estrita dos valores e concepções frutos do contexto social. O outro, ao invés de ser valorizado por uma “ética divina” e que tende ao eterno e universal, é (des)valorizado por preconceitos locais e efêmeros – tomando aqui uma ética mais integradora como a base moral original ou final que caberia ao ser humano resgatar ou alcançar em sua vida. É claro que sobre tal exemplo poderíamos levantar várias outras questões, porém, é fato que muitos se apegam mais aos grupos, excluindo os demais, do que às palavras e ideais exaltados. Se Jesus se encontrasse com Buda, alguém acharia que eles sairiam brigando? Não importa que as palavras sejam diversas; o que importa é que a idéia e o coração que comporta tal idéia seja semelhante, senão até idêntico. Se Buda se encontrasse com Jesus, eles conversariam por horas e horas. Eles adorariam se encontrar! Assim como qualquer um que ame mais profundamente o seu espírito divino do que algumas denominações sociais ou interesses políticos.
Conclui-se então que o mais importante e relevante é o cultivo de uma nova consciência que realmente busque amar e preservar a vida, o mundo, e todos aqueles que nele vivem. Que busque integrar tudo sob uma ética que valorize a opinião e o ser total do outro. Que promova estilos de vida cada vez mais conscientes do ambiente que nos entorna, devolvendo ao público a sua condição própria de algo que é para todos e não de algo que é de ninguém. Pois o público atualmente anda tão abandonado e tão desprezado, que se vê literalmente pessoas saindo à porta de suas casas para jogar papel na rua, ou jogando embalagens inteiras pela janela dos ônibus, ou a injustiça mais evidente que cada um finge não ser com ele. Talvez nunca o homem foi tão sozinho no meio de uma multidão como o é hoje. Tudo é banalizado e naturalizado, como se todos que chegassem em suas casas, após o expediente de trabalho, já esperassem a sua cota diária de favelas pegando fogo, soterramento de crianças, mendigos nas calçadas, rios poluídos transbordando, engarrafamentos quilométricos, violência e agressão urbana, escolas sem aula, hospitais lotados, corrupção generalizada, burocracia estúpida e enlouquecedora, etc., etc., etc. Sem saber o que fazer, vítima desse mundo que parece que é de ninguém, a pessoa desiste de viver, desiste de pensar. Fecha-se toda dentro de si, satisfazendo suas frustrações espirituais com um consumismo cada vez mais exacerbado e inconseqüente. Deixa de encontrar relações entre as coisas mais óbvias. Perde as causas entre os múltiplos efeitos do dia-a-dia. Reclama da enchente, mas não consegue perceber que o papel que jogou no bueiro pode ter relação com isso. Reclama dos “assassinatos gratuitos”, mas não consegue perceber que a venda de armas nas lojas pode ter influência nisso, como se vê em alguns lugares nos Estados Unidos, mas não só. A pessoa fica sozinha, consumindo um noticiário repetitivo e que só faz mostrar como estamos de “mãos atadas” diante de tal realidade – isso se tal noticiário não mascarar completa e intencionalmente o mais essencial. Depois, tal pessoa não conseguirá enxergar que a raiva que ela sente de vez em quando, ou sempre, a vontade de destruir tudo, pode ter sido causada por esse mundo absurdo em que ela vive, que nós construímos para nós mesmos. Tudo se torna dissociado e desintegrado. Cada ação parece não ter nada a ver com as demais. A pessoa vive com medo de sofrer um assalto, enfrenta um trânsito interminável, viaja duas horas nos ônibus e metrôs lotados ao lado de pessoas que parecem mais estranhos do que outros cidadãos, convive em uma cidade que tem em muitos pontos uma aparência lastimável, carrega sempre consigo a sombra do desemprego, e quando surge um surto de raiva, simplesmente não entende por que assim está se sentindo. Vai e toma um remédio como se fosse um doente dos nervos ou um estressado devido ao trabalho, se não arranjar uma outra situação específica para responsabilizar como promotora de sua raiva: - “Eu já disse para minha esposa que odeio quando ela tira os meus chinelos do lado de minha cama!”. E, enquanto isso, a maquinaria social continua a girar, continua a abrir fendas cada vez mais profundas entre as pessoas, distanciando-as umas das outras, dissociando o seu agir do seu sentido e das suas conseqüências de longo prazo e mesmo, em alguns casos, das suas conseqüências imediatas. Todos sabem que deixar a janela aberta numa noite de frio e caminhar descalço no piso gelado da cozinha pode nos trazer um resfriado; mas, infelizmente, muitos não conseguem fazer tais relações quando o organismo é algo maior, como a sociedade ou o planeta em que vivemos.
Entretanto, ponderando, faz-se necessário aqui dizer que muitos sabem sim, que muitos agem cotidianamente para a promoção de um mundo mais consciente e mais saudável, um mundo mais belo e mais humano. Tais pessoas são verdadeiros heróis! E merecem todo o aplauso. É importante não perder isso de vista a fim de que não sejamos levados pela correnteza da desesperança e do “não tenho nada a ver com isso...” Cada qual tem um gosto específico, uma característica própria, algum talento especial, algo que possa oferecer para os demais, ao mesmo tempo em que satisfaz o seu coração, algo que alargue as fronteiras, que aproxime os homens, que revele outras alternativas, outros modos de viver, uma nova concepção de arte, uma inovadora filosofia na maneira de governar, de gerenciar uma empresa ou uma escola, etc. Mesmo que seja dedicando-se dia-a-dia a mostrar o absurdo aos nossos olhos, se este absurdo for trabalhado a fim de criar algo positivo, de chamar a atenção seja dos responsáveis, seja da população, pode configurar-se como uma atitude responsável e digna, que busca tirar as pessoas da letargia e da indiferença em que todos podemos cair vítimas – e talvez não haja nada mais triste do que isso. Quanto mais distante a pessoa estiver do sentido de seus atos, mais distante ela estará de si mesma e dos demais. E maiores serão as chances de que ela possa cair vítima dos seus “obscuros” sentimentos e emoções.
Se o ser humano não acolher uma concepção mais ampla de humanidade, algo que envolva o máximo de relações, o máximo de seres e condições de vida; se o ser humano não fizer isso por bem, chegará o dia em que certamente terá que o fazer por mal – e não é necessário ser nenhum profeta para afirmar isso. O efeito estufa, as crises ambientais, as acentuadas alterações climáticas, as catástrofes naturais, as espécies em extinção, a violência generalizada, as calamidades públicas... Tais fenômenos aparecem diariamente em nossos jornais e revistas como que nos alertando sobre o nosso agir sobre o mundo. Trata-se aqui de uma “nova cultura” para essa nossa tão cega civilização, que, coincidentemente ou não, já vinha sendo profetizada desde os tempos mais remotos, por povos que sequer poderiam conceber, por vias normais pelo menos, a tal ponto de complexidade cultural e tecnológica chegaríamos na virada para o terceiro milênio; mas que, no entanto, tinham pleno conhecimento das perigosas relações que o ser humano pode gerar no ambiente em que vive. Tais povos até podiam ter os seus defeitos, como é bem possível que os tinham (não cabe aqui idealizá-los completamente), contudo sabiam que tudo o que existe é divino e não se encontra separado do existir espiritual humano. Em níveis profundos de nossa alma, tocamos e vivemos nesse âmbito do Todo, quer tenhamos consciência disso ou não. E quando o homem souber que tudo é sagrado e está em relação consigo próprio, então ele talvez comece a tratar tais coisas com o amor e o cuidado que elas merecem, seja um grão de areia, uma planta, uma flor, um animal, uma pessoa, uma casa, uma cidade, um país, o universo. Em verdade, Humanidade, Natureza e Vida são diferentes nomes de Deus no reflexo do mundo material e fenomênico. Por que então não os amar como de fato devem ser amados?
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