UMA FRASE IDIOTA

"O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer." Albert Einstein

01. INTRODUÇÃO CRÍTICA.

Tornou-se costumeira a prática de colocar-se nos vidros traseiros dos carros e nos pára-choques de caminhões a frase: “DEUS nos deu a vida para cada um cuidar da sua”; inobstante o fato desta frase conter uma ignomia sem qualquer sentido, o seu uso de forma indiscriminada nos induz à evidência de que as pessoas que a adotam crêem que esta seja a melhor forma de convivência ao longo de suas existências em relação aos demais seres humanos, delineando uma prática abusiva do egocentrismo fundado em um egoísmo inócuo. Parece-nos que esta prática tenha se tornado mais comum partir do momento em que, nas grandes cidades, os indivíduos tenham se afastado uns dos outros, procurando por oportunidades para si próprias, sem se importar com aqueles que o cercam, exceto, é claro, aqueles a quem preza ou com quem possui quaisquer tipos de laços fraternais ou afetivos, embora, isto também possa se perder ao longo do tempo.

Senão vejamos. A frase em questão tem por escopo uma tentativa pouco eficiente de determinar que cada um deva cuidar de sua vida sem interferir na dos outros. Acredita-se que esta falácia pode ser admitida como uma forma de comportamento adequado ao atual estágio social da humanidade, ou seja, cuidar de si mesmo sem preocupar-se em cuidar dos problemas dos outros, ou ainda neles interferir. Todavia, se adotado como um comportamento de certa forma padronizado, este nos induziria não apenas ao individualismo que beira as raias do egoísmo, como também apresenta-nos uma situação em que qualquer vantagem a ser auferida para si deva, apenas e tão somente apenas, ser oportunizada por um único indivíduo que, inobstante o fato de viver em sociedade obedeceria, via de regra, a malfada regra de Gérson (aquela de levar vantagem em tudo, certo!).

Nesta mesma vertente, um evento oportunizado desta forma, conduz, por certo, a um outro tipo de comportamento vil e desprezível: o da indiferença, posto que ao cuidarmos única e exclusivamente de nossas vidas, tornaríamos indiferentes – e até mesmo insensíveis – aos dramas, problemas e eventos daqueles que nos cercam.

Isso ocorreria em estágios, iniciando-se pela indiferença em face de terceiros desconhecidos e pouco próximos, chegando, em uma etapa mais avançada, àqueles que considerávamos, até então, como entes queridos e muito próximos. Isso significaria a destruição de quaisquer laços de afetividade, fraternidade e, finalmente, humanidade, que nos torna especiais sobre os demais seres vivos existentes no globo terrestre. Outros sentimentos que usualmente orbitam em torno de nós também seriam facilmente postos ao largo em detrimento de nossas próprias sensações e intimizações mais relevantes sob o aspecto da frase aqui considerada.

E quais os perigos e armadilhas ocultados sobre uma frase aparentemente inocente? Não sejamos trôpegos em buscar respostas imediatas e imaturas. Vamos, inicialmente, apenas considerar seus efeitos a curto e médio prazo, pois é cristalino que uma análise sob este procedimento nos demonstraria de modo mais coerente as conseqüências funestas da adoção de um comportamento fundado nesta frase tola e sem sentido prático.

Um dos primeiros efeitos seria aquele que já descrevemos acima: o distanciamento, lento e gradual, de laços de ordem afetiva, fraterna e humanitária, conjeturando uma existência sem sentido, baseada apenas na satisfação de meros instintos atávicos, desde os mais primitivos até os mais sofisticados, inclusive no que se refere à crença religiosa.

Ora, parece evidente que, ao nos desligarmos dos semelhantes que nos cerca, o primeiro efeito funesto seria também o distanciamento da fé, aqui considerada em si mesmo como o sentimento mais especial e mais profundo que é capaz de ligar o homem com o imenso universo que o envolve desde os primórdios.

Este desligamento desaguaria em uma nova ordem social, econômica e política, que eliminaria, pouco a pouco, qualquer barreira distintiva entre homens de diferentes nações, etnias e raças, ocasionando a formação de grupos cuja distinção dar-se-ia apenas e tão somente por meros laços de sobrevivência, distinção social ou qualquer outro tipo de gradação mais próxima de uma casta do que de um grupo social.

Qualquer problema seria resolvido apenas para um individuo assim considerado, sem qualquer preocupação com as conseqüências que o seu ato de auto-proteção poderia repercutir junto aos demais membros, ou ainda, em face da própria humanidade. Seria como perseguir satisfação de seus desejos e resolução de seus problemas sem qualquer outra preocupação dele decorrente.

Do mesmo modo, preocupações relativas à prole, à perpetuação da espécie, e da enlevação da alma desapareceriam quase que instantaneamente, fazendo com que homens, mulheres e crianças fossem em si consideradas, transformando a própria existência humana em uma atividade arriscada, até mesmo porque a coexistência humana estaria em perigo real e imediato de se tornar apenas uma existência sem qualquer sentido final.

Inadmissível esta hipótese até mesmo sob o ponto de vista meramente biológico, pressupondo-se que a perpetuação da espécie passaria a estar relegada a um segundo plano, cuja significância seria reduzida ao escopo de uma utopia histórica do próprio homem.

Muito bem. Isto posto, temos agora que verificar apenas alguns perigos decorrentes de uma abordagem sob este aspecto. A consideração desta frase infeliz poderia ser deduzida em efeitos e perigos que, mesmo sem qualquer ferramental prático que nos possibilite conclusões comprováveis, nos permite constatar que suas reverberações seriam passíveis de verificação na esfera coletiva, sem qualquer temor de que elas poderiam estar incorretas ou mesmo incertas.

02. O PONTO DE VISTA AMBIENTAL.

Pode parecer uma ironia total, porém a questão ambiental, considerada sob o ponto de vista de nossa análise pode demonstrar as escâncaras como o egoísmo e a indiferença podem ocasionar o desaparecimento da humanidade da face da terra, principalmente porque a sobrevivência, neste caso, é uma resultante simbiótica positiva.

James Lovelock, autor da teoria MÃE GAIA, antes por todos refutado, hoje é aclamado pela efetiva comprovação de que o nosso planeta é um sistema vivo que sobrevive às nossas investidas predatórias, ao mesmo tempo em que pode morrer em conseqüência delas. Ou seja, à medida que praticamos atividade meramente extrativistas em face ao meio ambiente, a resposta que recebemos é a mesma que aconteceria caso provocássemos um ataque a um organismo vivo: como ele não é capaz de reagir, ou o faz de modo incipiente, a tendência é que morra lentamente.

Sob este ponto de vista a conclusão para mais que evidente: se não houver uma efetiva aplicação das leis de proteção ambiental, nosso planeta morrerá e com ele nossa própria existência. De qualquer modo a proteção ao meio ambiente não é apenas uma questão recém saída dos meios acadêmicos para colorir textos de legislação ou ainda criar mais jurisprudência a ser pesquisada. Seu objetivo fundamental é a efetividade, ou melhor, o resultado com vistas a propiciar que nossos descendentes tenham a certeza de que deixamos para eles um bom lugar para se viver.

Todavia, uma legislação por si só é incapaz de gerar os efeitos desejados, posto que seja fundamental e necessário que as pessoas se conscientizem da imperatividade de sua implementação. Isso deve ser aliado à atitudes e comportamentos que conduzam os indivíduos a agir neste sentido: preservar, cuidar, conservar e reciclar.

Assim, posturas individualmente consideradas pode ser a maior fonte de risco para qualquer legislação, já que uma multa ou uma condenação em pouco ajudará a provocar um retrocesso capaz de reverter o aquecimento global, o desmatamento descontrolado ou o crescimento de doenças tropicais até então restritas às grandes florestas e matas.

Ademais, percebe-se também uma estreita relação entre a preservação do meio ambiente e os princípios norteadores da ordem econômica. Como nos diz SANSOM (1):

A ordem econômica, de acordo com Eros Roberto Grau, está repleta de cláusulas transformadoras, sendo que sua interpretação dinâmica se impõe a todos quantos não estejam possuídos por uma visão estática de realidade (GRAU, 2004, p. 313), tendo como objetivo assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. É justamente a busca pela qualidade de vida o elemento que une os Direitos Econômico e Ambiental, uma vez que deve haver um equilíbrio entre o bem-estar econômico (aspecto quantitativo – ex: acumulação de bens materiais) e o bem-estar ambiental (aspecto qualitativo – ex: saúde física e psíquica). Neste sentido são as lições de André Ramos Tavares:

A busca por uma boa qualidade de vida é objetivo último tanto do Direito econômico quanto do direito ambiental. Ocorre que, além da finalidade comum, também os meios de alcançá-la devem guardar correspondência entre si. É que, dada a escassez dos recursos naturais, ou, mais propriamente, sua quantidade finita, e tendo em vista as infinitas necessidades humanas, é preciso uma abordagem desenvolvimentista consciente com relação ao meio ambiente, sob pena de, invocando-se a busca de uma suposta melhoria da qualidade de vida, gerar efeitos exatamente opostos. (TAVARES, 2003, p. 199)

A resultante mais recente deste tema (Conferência RIO-ECO/1992) foi a busca de um desenvolvimento sustentável, uma série de ações mundiais coordenadas de forma mais ou menos simultânea para que a resultante possa se aproximar do conceito descrito pela ONG WWF e abaixo transcrito:

A definição mais aceita para desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações. É o desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro.

Essa definição surgiu na Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pelas Nações Unidas para discutir e propor meios de harmonizar dois objetivos: o desenvolvimento econômico e a conservação ambiental.

Permeia-se que a conclusão mais imediata seja a de que o desenvolvimento sustentável possui uma relação direta com o comportamento não apenas de governos e organizações não governamentais, mas também e principalmente de todos os indivíduos pelo motivo óbvio de ser a humanidade a causa e a conseqüência de tal postura. Não basta apenas expelir-se um discurso profícuo sobre a questão ambiental, se não se tomar atitudes diárias e cotidianas orientadas na direção mais apropriada: a de preservação e conservação do meio ambiente não apenas para nós mesmos como também para nossos descendentes. Trata-se de uma questão crucial que deve ser interiorizada por todos os seres humanos.

Desta forma, a frase objeto desta pequena análise, além de perder qualquer sentido de efetividade, perde também qualquer resolutividade imprimindo ao seu sentido e fundamento uma absoluta ausência de lógica e praticidade. Acreditar que cuidar apenas de si próprio sem se preocupar com o que está à sua volta, além de uma profunda demonstração de imbecilidade, comprova que o egoísmo somente nos pode conduzir em direção à fatalidade e à desgraça.

03. O PONTO DE VISTA PENAL

No âmbito do Direito penal, ou ainda da Segurança Pública constatamos que a única e melhor forma de reduzirmos a criminalidade e o acréscimo assustador de condenados reveste-se da necessidade de uma atitude cooperativa entre indivíduos, autoridades policiais e penais, governo e demais organizações independentes com o objetivo de denunciar, exigir comportamentos e imprimirem-se ações efetivas na direção mais adequada à boa convivência entre indivíduos de mesmo grupo social, evitando-se os excessos e condenando os abusos.

Ora, é mais que cristalino que a frase em apreço não se reveste de qualquer legitimidade frente à necessidade acima descrita. Observe-se que um indivíduo que apenas se preocupasse com a sua própria sobrevivência no meio estaria de uma forma não apenas ilustrativa, retornando aos primórdios onde a sobrevivência do mais forte se faria pelo uso de ações destrutivas e invasivas.

O mesmo se dá com o direito à liberdade, consagrado pelas modernas constituições. Com obtemos no texto abaixo (2):

A liberdade de expressão é um direito fundamental, mas não é absoluto, e não pode ser usado para justificar a violência, a difamação, a calúnia, a subversão ou a obscenidade. As democracias consolidadas geralmente requerem um alto grau de ameaça para justificar a proibição da liberdade de expressão que possa incitar à violência, a caluniar a reputação de outros, a derrubar um governo constitucional ou a promover um comportamento licencioso. A maioria das democracias também proíbe a expressão que incita ao ódio racial ou étnico.

O desafio para uma democracia é o equilíbrio: defender a liberdade de expressão e de reunião e ao mesmo tempo impedir o discurso que incita à violência, à intimidação ou à subversão.

Desta forma, trata-se de uma ação negativa, ou seja, o Estado deve tomar atitudes no sentido de não vedar a liberdade, mas permitir que aqueles que se sintam lesados por este ato de liberdade possa se valer dos meios jurídicos disponíveis para obter uma prestação jurisdicional favorável para o restabelecimento de sua dignidade e honra, se estas forem eventualmente ameaçadas.

Novamente nos deparamos com a insensatez da frase analisada. Qualquer indivíduo poderia apenas olvidar-se de qualquer preocupação com tais ameaças, posto que o direito de revide lhe fosse permitido a qualquer momento sem qualquer restrição de ordem geral.

04. DO ASPECTO DE DIREITO INTERNACIONAL.

Recentemente, acompanhamos por todos os meios de comunicação a suposta possibilidade de um conflito armado envolvendo Colômbia, Equador e Venezuela, originário de uma ação engendrada pelas Forças Armadas do primeiro país em comento com a finalidade precípua de eliminar líderes das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que estariam alojados no interior da selva amazônica em território equatoriano. E, apenas de forma aparente, o Governo Colombiano afirmou que tal operação fora comunicada ao Governo equatoriano, o que, depois de algum tempo, revelou-se como sendo uma ação sem precedentes, resultando na invasão territorial equatoriano por soldados do exército colombiano.

Veja-se que aquilo que parecia ser apenas um evento isolado, destinado às páginas internas de qualquer noticioso, acabou por desaguar em uma crise internacional sem precedentes, posto que o Presidente da Colômbia tomara a atitude que considerara como a mais acertada sem qualquer comunicação prévia ao governo equatoriano. E, a bem da verdade, de fato o governo equatoriano havia sido comunicado de forma errônea, incidindo em ataques na região com a falsa finalidade de fornecer apoio tático à um grupo de militares colombianos que haviam sofrido uma emboscada.

Inevitavelmente, tais acontecimentos não podem ser considerados apenas à luz da informação prestada pelos agentes noticiosos, inclusive porque o evento central desta ação desastrosa encontra-se inserto dentro da esfera de atribuições do Direito Internacional, pois não existe qualquer sombra de dúvidas de que a ação traçada pelo exército colombiano incorreu na invasão das fronteiras terrestres do Equador e, por via de conseqüência direta, afetou a soberania daquele país, já que soberania possui uma íntima ligação com a República. República é a manifestação de poder que exige uma capacidade que lhe é superior: a soberania daquele Estado em face dos demais, ou o pleno reconhecimento de que o Estado encontra-se composto por povo, território, governo e independência de decidir seus rumos.

Assim sendo, ao violar as fronteiras do Equador, o governo colombiano infligiu uma das normas básicas do Direito Internacional, deixando evidente a “fraqueza” do país invadido em face de seus comuns (ou os demais países), inexistindo quaisquer justificativas para o acontecido; ou seja, qualquer que fosse a justificativa adotada como correta pelo governo colombiano – seja para erradicar ou enfraquecer o comando das FARC, seja para proceder a uma ofensiva relâmpago com o intuito de diminuir a capacidade ostensiva desta organização paramilitar – sua adoção não encontraria qualquer guarida à luz do Direito Internacional que fosse capaz de justificar o ato cometido como sendo positivo e válido.

A eficácia da ação tomada pelo governo colombiano não cabe ser aqui discutida, bem como não almeja-se qualquer celeuma em torno do envolvimento (ou não) dos governos aqui citados com o comando geral das Forças Revolucionárias que, muito bem se sabe, possui conexões duvidosas e incertas com o narcotráfico e com a rede de terrorismo internacional. São assuntos por demais delicados para serem abordados neste pequeno opúsculo, e cujo conteúdo transborda em excelência e sutilezas o que pode-se imaginar como sendo uma mera superfície do problema.

O que se objetiva aqui é, sim, uma discussão objetiva sobre quais os objetivos inseridos nesta operação militar infeliz acionada pelo único governo da América Latina que possui fortes sinais de independência política, econômica e social em face aos demais, posto que seus indicadores de desenvolvimento demonstram que o país goza de relativa estabilidade em face às incertezas que cintilam no horizonte de seus parceiros territoriais, além de usufruir de apoio financeiro e logístico internacional para o combate ao narcotráfico (leia-se Estados Unidos da América), razão pela qual possui duplo interesse na erradicação das organizações criminosas ligadas ao narcotráfico.

De qualquer maneira, o ocorrido naquela semana envolvendo Equador, Venezuela e Colômbia deixou evidente que interesses múltiplos estavam conectados, constituindo uma verdadeira rede de interesses (mais individuais que coletivos); ou seja, novamente cada um estava preocupado em cuidar do que é seu e não daquilo que pertence à todos. Isto é, orientavam-se pela maldita frase-chave deste artigo, esquecendo-se de que os interesses nacionais são de caráter coletivo, pertencendo à todos os seus membros e não podendo ser utilizado de modo inconseqüente e até mesmo insano da forma como foi apropriado pelos seus representantes maiores.

É comezinho em ciência política que nem sempre os meios justificam os fins, porém, como temos visto ultimamente, líderes de diversos dos paises assim denominados “desenvolvidos”, tem se valido de sua condição de Chefe de Estado e de Governo para a tomada de decisões, na maior parte das vezes, desastrosas e inconseqüentes. Veja-se, por exemplo, os casos recentes ocorridos no Afeganistão, Iraque e, principalmente, no conflito Judaico-Palestino. Os interesses dispostos nestas delicadas situações, muito embora, transcendam à questão local, tomando proporções de iminente conflito internacional, tem recebido pouca ou quase nenhuma preocupação dos membros da Organização das Nações Unidas (ONU), ativando-se apenas e tão somente mecanismos de proteção aos refugiados de guerra, ações localmente tomadas aos invés de uma decisão de ordem global que traga para si as responsabilidades pela resolução do conflito, ou pelo menos, para uma tentativa coordenadas de obtenção de consenso.

Ou seja, são pessoas com poderes concedidos pelo povo de forma absolutamente democrática que, simplesmente, deixam de se preocupar com o geral passando a olhar para seus próprios umbigos, demonstrando uma clara atitude individualista, egoísta na verdade, usurpando do poder que lhe foi concedido e menosprezando os anseios e ideais para os quais foram eleitos e ignorando de modo mais desprezível possível as suas próprias convicções em face de uma sede incontrolável de poder.

Não são líderes, não são governantes, não são pessoas comprometidas com qualquer espécie de projeto global, inexistindo qualquer conscientização de seu papel não apenas em face do povo que representa, mas também, e principalmente, em face de toda a humanidade. Foi o que aconteceu com Excelentíssimo Senhor Presidente da Bolívia Evo Morales, que os ascender ao poder em seu país passou a preocupar-se com a estatização das atividades produtivas, alegando em justificativa que tal medida seria o melhor caminho para o povo.

Ora, em um momento em que a maioria dos países modernos compreendeu a necessidade de um “Estado Mínimo”, cuja participação e mesmo intervenção na atividade econômica deve possuir um perfil muito mais regulador do que controlador, no mesmo cenário em que empresas e conglomerados industriais preocupam-se em enxugar suas estruturas para tornarem-se cada vez mais eficientes e capacitadas para o futuro, neste exato momento, o Senhor Presidente da República da Bolívia toma o caminho inverso, utilizando-se de um recurso estratégico vital nos dias atuais para barganhar influência. Sua influência no bloco comercial da América Latina, denominado “MERCOSUL”, a influência que nasce a partir de uma premissa pobre e antiquada de que o rato que ruge pode encontrar seu lugar entre os poderosos.

Da mesma forma age Excelentíssimo Senhor Presidente da Venezuela, Hugo Chávez, valendo-se dos milhares de dólares oriundos da extração de petróleo nacional para financiar suas aspirações de também tornar-se líder na América Latina para satisfação pessoal e não para realização de um projeto para seu país, pois, se assim o fosse deveria ele, primeiramente, constatar a verdadeira situação econômica e social de seus nacionais, como estão seu sistema público de saúde, de segurança pública (e não me refiro ao patrulhamento ideológico), enfim, às condições gerais de bem-estar. Aliás, bem-estar social é uma das premissas do Estado moderno, e, ao que parece, não faz parte de qualquer cartilha de líderes, inclusive, essa é de pasmar, do próprio presidente norte americano que, prometeu ajuda financeira aos estados atingidos pelo furacão “KATRINA”, e que simplesmente não foram destinadas (ou melhor, devidamente destinadas).

05. DO ASPECTO DA ECONOMIA POLÍTICA.

Trata-se, portanto, de uma frase idiota aquela tema de nosso presente texto, posto que cuidar cada um do que é seu nada mais é que uma atitude plenamente egoísta, destituída da necessária reflexão sobre fatos e evidências. Uma pobre forma de justificar ações a comportamentos vis em sua essência. E não apenas isso se pode verificar sem uma apreciação mais apurada de fatos e evidências modernas, já que o neoliberalismo, fruto do chamado “Consenso de Washington”, trouxe à tona o desiderato mais alucinante do Estado chamado de moderno.

À guisa de ilustração de ordem acadêmica, tomo a liberdade de transcrever abaixo texto do ilustre Professor João José Negrão inserto em sua obra “Para conhecer o Neoliberalismo” (pág. 41-43, Publisher Brasil, 1998):

"Em 1989, no bojo do reaganismo e do tatcherismo máximas expressões do neoliberalismo em ação, reuniram-se em Washington, convocados pelo Institute for International Economics, entidade de caráter privado, diversos economistas latino-americanos de perfil liberal, funcionários do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do governo norte-americano. O tema do encontro Latin Americ Adjustment: Howe Much has Happened?, visava a avaliar as reformas econômicas em curso no âmbito da América Latina.

John Willianson, economista inglês e diretor do instituto promotor do encontro, foi quem alinhavou os dez pontos tidos como consensuais entre os participantes. E quem cunhou a expressão "Consenso de Washington", através da qual ficaram conhecidas as conclusões daquele encontro, ao final resumidas nas seguintes regras universais:

1. Disciplina fiscal, através da qual o Estado deve limitar seus gastos à arrecadação, eliminando o déficit público;

2. Focalização dos gastos públicos em educação, saúde e infra-estrutura;

3. Reforma tributária que amplie a base sobre a qual incide a carga tributário, com maior peso nos impostos indiretos e menor progressividade nos impostos diretos;

4. Liberalização financeira, com o fim de restrições que impeçam instituições financeiras internacionais de atuar em igualdade com as nacionais e o afastamento do Estado do setor;

5. Taxa de câmbio competitiva;

6. Liberalização do comércio exterior, com redução de alíquotas de importação e estímulos á exportação, visando a impulsionar a globalização da economia;

7. Eliminação de restrições ao capital externo, permitindo investimento direto estrangeiro;

8. Privatização, com a venda de empresas estatais;

9. Desregulação, com redução da legislação de controle do processo econômico e das relações trabalhistas;

10. Propriedade intelectual.

Embora tivessem, em princípio, caráter acadêmico, as conclusões do Consenso acabaram tornando-se o receituário imposto por agências internacionais para a concessão de créditos: os países que quisessem empréstimos do FMI, por exemplo, deveriam adequar suas economias às novas regras. Para garantir e "auxiliar" no processo das chamadas reformas estruturais..., o FMI e as demais agências do governo norte-americano ou multilaterais incrementaram a monitoração – novo nome da velha ingerência nos assuntos internos – das alterações "modernizadoras".

E, não apenas isto é o suficiente, já que o próprio Willianson, alinhavou em comentários de sua lavra seu profundo arrependimento sobre esta expressão cunhada naquela época:

Desde então a expressão "Consenso de Washington" fugiu ao controle de seu criador e vem sendo usada para abrigar todo um elenco de medidas e para justificar políticas neoliberais, com as quais nem mesmo Williamson concorda:

"Claro que eu nunca tive a intenção que meu termo fosse usado para justificar liberalizações de contas de capital externo...monetarismo, supply side economics, ou minarquia (que tira do Estado a função de prover bem-estar social e distribuição de renda), que entendo serem a quintessência do pensamento neoliberal".(3)

Veja-se que sem almejar parecer pedante o mesmo exagerar na dose de comentários de ordem puramente política, observemos que os questionamentos acerca do chamado “consenso”, referem-se à economia política e política econômica a ser adotada como modelo de ampla aplicação imediata nas economias dos países desenvolvidos e – sumariamente – nos países em desenvolvimento.

Seria irônico, se não fosse trágico o fato evidenciado pela crise dos mercados asiáticos ocorrida em 1997 ter sido causada pelo fluxo incontido de capital flutuante (também chamado de capital volátil, ou mercenário) que, indo e vindo em todas as direções ao sabor, muitas vezes, de um pobre “espírito de manada”, ou ainda de um individualismo bem comparado ao “cuidar do que é seu”, foi capaz de, sozinho e sem qualquer outra razão que não a obtenção de lucro, deixar países inteiros, populações inteiras e líderes não tão inteiros, ceder em seus próprios joelhos, dando uma clara demonstração que as atitudes tomadas desta forma isolada servem apenas para confirmar sua desnecessidade em face das prioridades do bem-estar do cidadão moderno.

Sobre outro enfoque sobre o mesmo problema temos como uma das conseqüências do chamado “Consenso de Washington”, a chamada flexibilização dos mercados financeiro e de trabalho, que nada mais são do que efeitos irradiados da globalização que segundo alguns especialistas significa o mesmo que “comer em Hong Kong um Big Mac com idênticas textura, sabor e aroma daquele produzido em uma franquia no interior dos Estados Unidos da América”; mais que um efeito, poder-se-ia afirmar que flexibilização destes mercados seria um efeito colateral indesejado, porém necessário. Importante destacar a visão do professor BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS (4), ao constatar que aquilo que normalmente costuma-se designar por globalização constitui de fato, conjuntos diferenciados de relações sociais, em sendo assim diferentes conjuntos de relações sociais dão origem a diferentes fenômenos de globalização. Nestes termos, não existe estritamente uma entidade única chamada globalização, em vez disso, tem-se globalizações, a rigor este termo só deveria ser usado no plural.

Na exata medida em que os processos e meios de produção vão se aperfeiçoando e tornando-se cada vez mais automatizados e buscando sempre resultados otimizados em escala, para serem capazes de acompanhar uma também crescente onda consumista, o trabalho deixa de existir da mesma forma em que existia anteriormente; ou seja, novos métodos tendem a diminuir a intervenção humana no processo, aumentando a eficiência e diminuindo o coeficiente de emprego embutido em sua ordem de grandeza.

Inevitavelmente, esta onda de evolução humana, como todas as outras anteriores, trouxe em seu bojo a necessidade de revisão, ou melhor, de revista dos sistemas jurídicos incidentes, premindo que a norma tenha que ser ajustada à nova realidade, aliás, um fenômeno natural que ocorre em todos os sentidos dentro do conjunto de normas vigentes, posto que a lei e o legislador precisam como condição sine qua non para sua própria sobrevivência, adequar-se às novas realidades sociais, razão pela qual legislador, jurista e jurisconsultos vêem-se às voltas com costumeiras discussões nascentes nos meios científicos e sociais, quando, a cada momento, apresentam inovações que mesmo não sendo imediatamente necessárias e fundamentais para a existência do indivíduo, atendem aos interesses daqueles responsáveis pela criação de novas necessidades a serem satisfeitas pelos milhares de consumidores que surge a cada novo dia que nasce.

Já a flexibilização dos mercados, também como decorrência da globalização e do neoliberalismo, impende a pensar-se globalmente no que se refere à migração constante e perene de capitais que fluindo ao longo do planeta permitindo que oportunidades de investimento sejam prontamente aproveitadas em benefício mútuo – para o investidor como também para o núcleo que recebe os investimentos – gerando renda e riqueza para todos, o que pode parecer sob análise imediatista um excelente cenário, porém encerrando em seu interior as diversas máculas sócio-econômicas oriundas do aproveitamento oportunista destes investidores que, ao menor sinal de incerteza que desponte no horizonte faz com que este imenso cabedal financeiro migre imediatamente de país deixando à míngua aquele que inicialmente provera planos de investimento em infra-estrutura e de melhorias necessária fundados apenas na possibilidade (apenas possibilidade, ressalte-se) de que tais capitais vieram para estabelecer-se de forma definitiva.

E se isto não demonstrar de forma inequívoca uma atitude egoísta, nada mais seria capaz de fazê-lo com a plena convicção de que a frase título deste texto possui mais que plena credibilidade no mundo moderno, estabelecendo formas distintas e coesas de admitir-se que uma postura egoísta, tomada seja por um governante, um capitalista, um soldado ou um oportunista qualquer redunda sempre no mesmo sentido: favorecer a si próprio e aos seus interesses, ignorando os demais que o cercam.

É fato que o aproveitamento dos escassos recursos disponíveis em um planeta que prima pela atividade puramente extrativista e transformadora dos meios disponíveis sem qualquer preocupação na reposição ou na sustentabilidade destes recursos, preocupando-se com o futuro que sempre será incerto demonstra uma atitude de quem está preocupado apenas com suas próprias dimensões, limitando-se à uma visão de curto alcance, esquecendo-se de que, neste mundo somos apenas inquilinos e que conservar nosso “imóvel”, é crucial para a permanência do vida humana nos próximos anos.

Não há que se conjeturar na distante possibilidade de um evento salvador a surgir no horizonte sem a intervenção humana para que ele ocorra; ou seja, não basta fazermos apenas aquilo que nos cabe, temos que fazer sempre algo a mais, um incremento de melhoria que resulte em benefício futuro, nada de imediatismos superficiais cuja redundância demonstre apenas uma postura meramente pragmática e insossa. Coincidir atitude com consciência talvez seja a frase-chave dos próximos anos, vivenciando experiências superiores à ECO-RIO/92, não bastando discursos vazios proferidos por bocas que primam pela mera oportunidade da palavra que mobiliza seus iguais, mas que não traz para si e para todos a necessária profundidade que o momento exige.

Se trata propriamente de tomar-se uma atitude estadista, com visão de preocupação com o futuro, trazendo para si as preocupações e as responsabilidades decorrentes de suas ações e não demonstrando algo incipiente que possui sentido apenas para os crentes inocentes que vêem naquele indivíduo o homem que salvará seu futuro e assegurará aos seus filhos e netos um mundo melhor e mais confiável que aquele que ele recebeu nos dias atuais.

De qualquer forma e sob qualquer aspecto que se procure explanar e compreender os fenômenos que assustam diuturnamente o ser humano em sua necessidade de sobrevivência neste planeta em conjunto com seus iguais, restam indecifráveis as verdades referentes ao mal proferido pela boca do homem a todo o momento em que ele primeiramente engana a si mesmo e, a seguir, o faz em relação aos seus iguais, o que deixa claro que tal comportamento não condiz com o sistema democrático adotado pela maioria dos países modernos, a escolha de todos por todos e para todos. Bem-estar social não é apenas uma expressão vazia utilizada sempre que se quer algo em seu próprio favor e não quando a necessidade demonstra de forma mais que clara que a necessidade central deve ser a de todos.

06. DO ASPECTO DA CIDADANIA.

Por fim, temos que a única forma de evitar-se que excessos como o objeto do presente texto torne-se mais que comuns num futuro não muito distante, mas bastante incerto, é o aspecto da cidadania e do seu exercício, creditando a ela uma relevância única, indisponível, irretorquível, irrenunciável e irretratável que é a participação de todos nos processos decisórios de caráter coletivo.

Ser cidadão não é apenas participar das decisões que afetem direta ou indiretamente a sua vida e a de seus iguais, mas é também respeitá-las sob todos os aspectos, mesmo que a decisão resultante não tenha sido aquela por ele escolhida. Ou seja, é uma postura participativa, de modo efetivo e constante. Segundo o iminente professor e jurista DALMO DE ABREU DALARI (5): “A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social”.

Cidadania é um direito inato ao indivíduo, o direito de acesso aos meios sócio-econômicos a ele disponíveis, possibilitando-lhe efetivo acesso à Justiça, a viver com dignidade, ao estabelecimento dele e de sua família com crescimento e desenvolvimento assegurados não apenas pelo Estado e por um conjunto de políticas e legislações próprias, mas firmemente assegurado pelos seus iguais, aqueles com os quais ele desfruta, usufrui e contribui para o desenvolvimento com igualdade e dignidade, um desenvolvimento sustentável, que seja capaz de deixar, pelo menos, um mundo igual àquele que foi por ele recebido, demonstrando sua firme decisão e vontade de garantir aos seus descendentes diretos (familiares) e indiretos (seus semelhantes) a mesma qualidade de vida que ele consumiu enquanto participante daquele grupo social.

Aliás, ressalte-se que a melhor expressão acerca da cidadania encontra-se inserta no texto da Constituição Federal vigente, em seu preâmbulo, que tomamos a liberdade de transcrever abaixo:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Os representantes ali reunidos no ano de 1988 visando instituir um Estado Democrático de Direito, consideraram como premissa fundamental, verdadeira pedra de toque deste país, o exercício cidadão de direitos, deveres e obrigações, demonstrando de forma clara e precisa que o Estado Brasileiro, além de democrático era uma Estado-Cidadão, composto por uma gama enorme de diferenças e características próprias de indivíduos que em suas diferenças demonstram que nela reside a maravilhosa experiência humana: de compreender e aceitar os diferentes como integrantes de um mesmo destino, de uma mesa missão, de uma mesma vontade.

07. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

De tudo que foi aqui exposto nada restou que seja digno de um verdadeiro apanágio por mínimo de eloqüência capaz de justificar uma mudança significativa no comportamento das pessoas, algo com que atormentar o pensamento e estimular a curiosidade de todos no sentido de uma incessante busca de melhoria contínua, tal e qual um processo de qualidade voltado para uma melhor situação geral de bem-estar de todos. Um pensamento apenas, por menor e mais insignificante que possa parecer, já é suficiente para germinar uma vontade de mudança. E o que falta para começar é exatamente isto: vontade e determinação firme e constante na direção de um ideal.

Desta forma, temos que a frase “DEUS nos deu a vida para cada um cuidar da sua”, além de totalmente infeliz e inadequada, demonstra que seu cerne não possui qualquer razão de ser. Não estamos aqui única e exclusivamente para cuidarmos de nossas pequenas vidas, de nossos pequenos problemas diários, de nosso cotidiano frívolo se confrontado com os curtos horizontes dos refugiados de guerras civis, dos desesperançados, dos amargurados que tudo perderam depois de um holocausto causado pela natureza que vez por outra demonstra a sua irritação com o homem que além de não cuidar dela, ignora a sua capacidade e a sua fúria; não estamos aqui apenas e tão somente para preocuparmos-nos com insignificâncias feitas de pequenos sonhos não concretizados quando há milhares de sonhos destruídos à nossa volta e que nunca mais poderão ser reconstruídos porque mágoas, desavenças pessoais e interesses escusos.

Que me perdoem os adeptos deste dito popular, mas bom-senso é fundamental, em especial quando se trata do comportamento de pessoas em face de outras. O Criador não nos deu uma vida apenas para que dela usufruamos o que há de melhor, sem sofrimento, sem dor, sem perda, sem a sensação de ter realizado algo maior do que nós mesmos; a vida é uma dádiva que devemos, necessariamente, dividir com nossos semelhantes, reciprocamente, harmonicamente, buscando o respeito mútuo, a consideração com carinho e o amor fraternal que deve ser o laço que torna a humanidade um todo universal e reflexivo do Ser que os criou. Perdoem-me, mas esta é, sem sombra de dúvidas, uma frase idiota, infeliz e desarrazoada, na exata medida em que não estabelece a real dimensão do que faz o homem diferente em sua razão existencial: nós viemos para construir, para edificar algo maior que apenas um sonho e umas poucas realizações pessoais que, com o passar do tempo nada mais serão que não símbolos de um passado distante.

Não. Definitivamente, não há qualquer razão de ser nesta frase desafortunada que ofende a integridade de qualquer pessoa consciente do mundo que o cerca, ofende e magoa as intenções emanadas de indivíduos que ciosos de seu comprometimento com o mundo no qual vive e junto às pessoas com as quais dele usufrui, posto que estas intenções não sejam quimeras, ilusões e sonhos que vão e vem sempre que ansiados fortuitamente. Não, estas pessoas não podem aquietar-se ante uma expressão sem qualquer motivação, destituídas de sensibilidade e até mesmo de racionalidade. Viver desta forma é viver sem tomar partido. É passar pela vida com indiferença perante tudo que ela representa.

Vale aqui a transcrição de um texto de ANTONIO GRAMSCI (6) acerca dos indiferentes, o qual ouso mais uma vez transcrever porque além de memorável e inesquecível demonstra que muitas vezes a ousadia de proferir pensamentos para a posteridade é a forma mais crível e corajosa de deixar claro que a vida não existe sem participação ativa.

Odeio os indiferentes.Acredito que viver, tal qual Friederich Hebbe, quer dizer ser partigiani. [N.doT.: militante, companheiro e/ou "partidário"] Não podem existir os apenas homens, os estranhos à cidade. Quem vive verdadeiramente não pode não-ser concidadão, e não parteggiare. [N.doT.: militar, compartilhar e/ou "tomar partido"] Indiferença é abulia, parasitismo, velhacaria; não é vida. Por isso odeio os indiferentes.

A indiferença é o peso morto da história. É a cadeia de chumbo ("palla di piombo") para o inovador, é a matéria inerte em que se afogam amiúde os mais esplendorosos entusiasmos, é o fosso que circunda a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor que o peito dos seus guerreiros; porque engole em seus pântanos lamacentos os seus assaltantes, os dizima e desencoraja e, às vezes, faz com que desistam da ação heróica.

A indiferença opera poderosamente na história. Opera passivamente, mas opera. É a fatalidade; é aquilo com o que não se pode contar; é aquilo que confunde os programas, que derruba os planos mais bem construídos; é a matéria bruta que se rebela contra a inteligência, e a destroça. Aquilo que acontece – o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um ato heróico (de valor universal) pode gerar – não se deve tanto à iniciativa dos poucos que operam quanto à indiferença, ao absenteísmo de muitos. O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça quanto, sobretudo, porque a massa dos homens abdica de sua vontade, deixa fazer, deixa enlaçar os nós que, depois, só a espada pode cortar, deixa promulgar as leis que depois só a revolta faz revogar, deixa subir ao poder homens que, depois, só uma insurreição pode derrubar. A fatalidade que parece dominar a história não é outra coisa que a aparência ilusória desta indiferença, deste absenteísmo; fatos amadurecidos à sombra – a poucas mãos – não-submetidos a qualquer controle, que tecem a tela da vida coletiva, e a massa dos homens ignora, porque isso não a preocupa. Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões estreitas, de alcance imediato, de ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos; e a massa dos homens ignora, porque isso não a preocupa. Mas os fatos que amadurecem vêm à superfície; a tela tecida à sombra vem à tona, e então parece ser a fatalidade a arrastar a tudo e a todos, parece que a história não é mais do que um enorme fenômeno natural, uma erupção, um terremoto, do qual todos são vítimas – o que quis e o que não quis, quem sabia e quem não sabia, quem esteve ativo e o indiferente. Este último se irrita, desejaria livrar-se às conseqüências, desejaria deixar claro que não assentiu, que não é responsável. Alguns choramingam piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum – ou poucos – se pergunta: se tivesse eu também cumprido o meu dever, se tivesse buscado fazer valer a minha vontade, meu juízo, teria acontecido o que aconteceu? Mas nenhum – ou poucos – o atribui à sua indiferença, ao seu ceticismo; a não ter dado seus braços e atividade àqueles grupos de concidadãos que, para evitar esse mesmo mal, combatiam; que a procurar tal bem se propunham.

A maioria deles, ao contrário, diante de acontecimentos consumados, prefere falar de falhas ideais, de programas definitivamente esmagados e de outras fanfarronices semelhantes. Recomeçam assim o seu absenteísmo de qualquer compromisso. E já não por não verem claramente as coisas e, por vezes, não serem capazes de divisar belíssimas soluções para os problemas mais urgentes, ou para aqueles que – embora requerendo uma ampla preparação e tempo – são todavia tão urgentes quanto. Mas essas soluções são belissimamente inférteis; mas essa contribuição à vida coletiva não é animada por qualquer luz moral: é produto de curiosidade intelectual, e não do senso pungente de um compromisso histórico que quer a todos ativos na vida, que não admite desconhecimentos e indiferenças de nenhuma espécie.

Odeio os indiferentes também porque me dá nojo o seu choramingo de eternos inocentes. Peço contas a cada um deles pelo balanço do que a vida lhes pôs e põe, cotidianamente, do que fizeram e, especialmente, do que não fizeram. E sinto poder ser inexorável, não dever desperdiçar a minha compaixão, não repartir com eles as minhas lágrimas. Sou partigiano, vivo, sinto nas viris consciências de meus companheiros já pulsar a atividade da cidade futura que estamos construindo. E, nesta, a cadeia social não pesa sobre poucos; qualquer coisa que acontece não se deve ao acaso, à fatalidade, mas é obra inteligente dos concidadãos. Não há nesta ninguém à janela observando enquanto os poucos se sacrificam, abnegados no sacrifício; e tampouco há quem esteja entocaiado à janela e que pretenda usufruir o pouco bem que a atividade de poucos busca, e afogue a sua desilusão injuriando o sacrificado, o abnegado, porque não teve êxito na sua tentativa.

Vivo, sou partigiano. Por isso odeio quem não parteggia, odeio os indiferentes

08. BIBLIOGRAFIA

(1) Alexandre Sanson Mestre em Direito Político e Econômico pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie e Especialista em Direito Constitucional pelo Centro de Extensão Universitária, in http://www.direitonet.com.br/artigos/x/28/38/2839.

(2) USINFO – United States Information Sistem – in http://www.embaixada-americana.org.br/democracia/speech.htm.

(3) http://www.cid.harvard.edu/cidtrade/issues/washington.html

(4) PASTORE, José. Flexibilização dos Mercados de Trabalho e Contratação Coletiva. 2ª ed. São Paulo: Editora LTr. 1994.

(5) (DALLARI, Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. p.14).

(6) GRAMSCI, Antonio (1917). Indifferenti, In: Cittá Futura, 11/feb./1917 (In: Scritti Giovanili 1914-1918. Torino: Einaudi, 1972). Tradução livre de Roberto Della Santa Barros. Cotejada com a versão de P. C. U. Cavalcanti (Convite à Leitura de Gramsci. Rio de Janeiro: Achiamé, 1985) e conferida junto à tradução de C. N. Coutinho (Escritos Políticos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004).