O problema da atual violência no Brasil analisado a partir da estrutura lógica do pensamento de causalidade.

Você já parou para pensar como há uma concepção de lógica por trás de tudo que existe? Por exemplo, se um edifício desaba busca-se logo saber a causa, uma vez identificando a causa busca-se o responsável e assim por diante; e, por sua vez, identificados todos os fatores sabe-se como evitar que isso volte a acontecer. Chamamos a essa estrutura de pensamento lógico de relação de causa e efeito, ou em outras palavras: relação de causalidade. Isso parte da idéia de que tudo que acontece - bom ou ruim - é o efeito de alguma outra coisa causadora de tal acontecimento; a isso que chamamos de causa por sua vez também é o efeito de uma causa anterior; e assim sucessivamente. Se isso for verdade, significa que identificando as causas podemos controlar seus possíveis efeitos. Será mesmo? Vamos aplicar essa estrutura lógica de pensamento ao problema da atual violência no Brasil. Para isso vamos primeiro em busca de suas causas; a seguir podemos pensar alternativas que mudem a realidade e tirem a violência do nosso cotidiano.

Qual seria a causa principal da violência atual? Seria a pobreza e o desemprego crescente que levam muitos brasileiros à criminalidade como única alternativa de ganhar a vida? Ou na base da violência estaria o mau caráter de pessoas que pensam somente em si próprias e pouco lhes importa o mal que praticam aos demais? Quem sabe a educação familiar e escolar esteja muito fraca, permitindo aos jovens acostumarem-se à prática da violência desde cedo na sua vida? Podemos atribuir o problema da violência ao tráfico e consumo de drogas que acabam por levar as pessoas à criminalidade? Vejam bem, essas perguntas partem do pressuposto de que há uma ou mais causas que esteja na base da violência; portanto, não admite a idéia de uma violência por si mesma, mas parte da idéia de que ela é uma conseqüência - efeito - de outros fatores.

Podemos ser levados, devido ao conjunto de fatos sociais que acontecem no cotidiano, a crer que a violência é um efeito do modelo de sociedade em que vivemos. Podemos até mesmo apontar a crescente miséria que se agrava pelo desemprego, a baixa escolaridade e a concentração de riquezas nas mãos de poucos, como o principal fator que leva as pessoas a uma vida de crime. Afinal, neste argumento repousa uma verdade. Mas como explicar, então, a violência doméstica dos pais que espancam seus filhos ou do marido que agride a esposa? Afinal de contas, essa forma de violência não responde às necessidades vitais. Aliás, a forma de violência referida não é problema localizado nesta ou naquela classe social, é um problema presente em vários segmentos da sociedade. Ou ainda, não será também uma violência a atitude de governantes e legisladores que impõe leis injustas, como as diferenças salariais, sobre a população? Também esses políticos, ao fazerem uso da violência da caneta, não estão em busca da satisfação de necessidades básicas. Será o caso de dizer que a violência é o efeito de famílias e escolas que não oferecem boa qualidade de educação a crianças e jovens? Mas, o que dizer de pessoas que passaram pelas mesmas instituições de ensino e tiveram condições familiares semelhantes, em alguns casos isso ocorre com irmãos, e, enquanto uns optam por uma vida de respeito aos demais, outros fazem da prática da violência uma constante no seu viver? Fica evidente que as condições de vida não podem determinar o comportamento de uma pessoa na sua idade adulta. Não podemos negar, contudo, que isso exerça fortes influências; mas, entre influência e determinação há de se reconhecer que há um enorme abismo a ser superado.

Depois de tudo isso fica a pergunta: qual é a causa da violência? Talvez seja necessário recolocar o problema: o que é a violência? Para isso abandona-se o pré-conceito lógico de que tudo o que existe é efeito gerado por alguma causa. É preciso tratar o problema da violência pela sua existência e manifestação em si, não como algo gerado por. Em primeiro lugar constata-se que a violência manifesta-se como um fenômeno, ou seja, como acontecimento na ordem humana - observe-se que somente entre humanos há violência, pois a agressão entre animais estará sempre limitada a um ato instintivo de preservação da espécie, nunca será uma ação deliberada de aniquilamento daquele que é atacado. Como fenômeno a violência tem sua primeira manifestação enquanto palavra: sempre que alguém se coloca como dono de uma VERDADE e não aceita a opinião de outra pessoa, estará exercendo um ato de violência. Isso não precisa de causa para acontecer, é atitude própria de quem a pratica. Também pela palavra, isto é, pela linguagem, é possível tentar dominar outra pessoa, basta explorar o poder de convencimento, principalmente quando a outra pessoa tem menos instrução escolar. Veja que aí reside também uma forma de violência. Possuir uma grande fortuna e, conseqüentemente, ter condições de melhorar a vida de outras pessoas e preferir, ainda assim, cuidar apenas dos próprios interesses é outra forma de exercer a violência. Até chegarmos à expressão comumente mais utilizada para designar a violência - que é a agressão física, geralmente uma atitude criminosa - passamos por várias modalidades de atos violentos. Sobretudo, a violência é uma atitude que se toma diante da humanidade: é a atitude de se fechar em si mesmo num egoísmo totalmente indiferente aos apelos e necessidades, físicas, financeiras e afetivas, manifestos pelos outros que vivem próximos a esse que assim se define.

O que pretendo trazer presente no discorrer deste texto é a concepção de que a violência não pode ser tratada a partir da lógica da causalidade, mas precisa ser compreendida como atitude e postura de vida em si mesma dessa pessoa que faz de seu egoísmo, e conseqüente desconsideração com os demais, sua bandeira de vida. Portanto, a violência está aqui tratada como dimensão possível em todo ser humano. O que nos resta diante disso? Cabe à sociedade construir e solidificar um modelo ético em que a solidariedade e a justiça sejam a base das relações entre os seres humanos, pois somente dessa forma a violência deixará de ser prática constante entre as pessoas.

José Delfino Neto
Enviado por José Delfino Neto em 21/03/2008
Código do texto: T910909