Um cão perdido

Naquela hora matutina, eu vi um cão passeando pela beira da praia, como a procurar alguém. Nas férias a gente tem ares mais salutares, tais como acordar cedo e caminhar. Desci e fui à beira da praia, ver de perto aquele cachorrinho.

No cedo da manhã poucas pessoas caminhavam pela orla; aqui ou acolá uns poucos banhistas desfrutavam do banho matinal, em geral senhoras de idade, que não querem exibir rugas e celulites. Alguns atletas faziam cooper enquanto o sol nascia no horizonte, tornando rubras as dobras do céu, junto aos montes, e colorindo harmoniosamente as areias, prenunciando um belo dia de verão.

Passaram umas crianças e brincaram com o cãozinho; ele abanou o rabo mas não se deixou seduzir pelo chamado. Era um desses cachorros de raça indefinida, que a rudeza da terminologia pampeana classifica como “pêlo-duro”. Apesar da notória ausência de nobreza ou pedigree, tratava-se, sem dúvidas, de um cãozinho simpático, receptivo e bem humorado e, creiam-me: cheguei a vê-lo sorrir. Seu pêlo era de um preto que ficou ruço, talvez por causa do sol ou de excesso da areia nele depositada. As extremidades das patinhas eram brancas, assim como a parte correspondente ao queixo e, curiosamente, a ponta do rabo.

Quando passei por ele, assobiei e estalei os dedos, a fim de atraí-lo. Seu pescoço era fino, delicado até, e não tinha coleira. Olhou-me, abanou o rabo e voltou a procurar, sei lá o quê.

Pensei: puxa, como existe gente assim na vida, sozinhos, sem destino, sem coleiras... O latido do cachorrinho interrompeu meus devaneios filosóficos, que só um tempo de praia pode permitir. Agitadamente, ele sacudia o rabo, bamboleando o pequeno corpo. Instintivamente olhei para a direção onde ele olhava. Da água saía um garoto, trazendo debaixo do braço uma prancha de surf. O cão não se sofreu e entrou na água, na direção daquele que, agora estava mais que provado, era seu dono e motivo de toda a sua preocupação.

Faceiro, ao passar por mim, deu uma leve rosnada, à guisa de despedida, e aproximando-se de uma lixeira de concreto, levantou a patinha e fez aquilo que os cães sabem tão bem fazer.

E eu fiquei na praia, caminhando e pensando naquele final feliz. Caminhava assim, quando surpreendi-me pensando em Paris, assobiando uma velha valsa francesa das musettes da “Rive Gauche” e que casava tão bem com o fato incomum que eu havia presenciado: “Le chien perdue sans colliére...”.

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 27/12/2005
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