Tormentos do desejo

O nome é sugestivo. Lembra o talvez mais antigo filme francês em que aparecia um nu feminino. O famoso

“Desfolhando a Margarida” é bem posterior. Pois no "tormentos", lá pelas tantas o vilão dava uma bofetada na mocinha (Françoise Arnoul) e por uns escassos dez segundos, sua blusa se abria, deixando a mostra seus diminutos seios.

Isso, na década de 50, para quem tinha doze, treze anos, era o máximo. No fim do filme, a moça se suicida, e o namorado desce uma escada com ela nua no colo, mas tudo velado por comportadas sombras.

A gênese da palavra "desejo" é muito curiosa. Desejo quer dizer "estar longe das estrelas e aspirá-las", como faz o poeta ao contemplar a noite e o céu estrelado (de sideribus).

Na verdade, em todos os tempos, o desejo, seja ele reprimido ou às escâncaras, sempre foi um tormento. Quem de nós não recorda um desejo, uma coxa desejada no viés da fenda da saia, por exemplo? Tenha a pessoa sucumbido ou não ao apelo do desejo, a verdade é que, por ter existido, ele sempre será lembrado. Recordar, pelo menos no que se refere às coisa boas, é viver...

E desejo não é só sexual, como muitos maliciosos pensam. Há o desejo de ser feliz, de aparecer, de comer essa ou aquela iguaria, de ir lá ou acolá, desejo de dominar, etc. Quantas vezes a irrealização de um desejo, seja ele profissional ou pessoal, não nos frustrou? Quanta fossa se passou, por não termos realizado um desejo, de passar em um concurso ou vestibular, por exemplo?

Nós todos temos nossos desejos. Uns são mais abertos e revelados; outros, mais reservados, curtem a expectativa no silêncio e no mistério.

Recentemente, agora no veraneio, eu sofri na carne os tormentos do desejo. A coisa já tinha começado no ano passado. Acabadas férias, julguei que a coisa tinha ficado por aí. Mas não! Mal cheguei à praia, em fevereiro, e o processo se desencadeou mais violentamente.

Foi tão forte o caso, que minha mulher chegou a notar. No princípio ela advertiu-me, depois largou de mão. A pessoa, agente desse tormento, chamava-se Márcia. Não pensem que se trata de uma criancinha. Não! É uma mulher, de seus trinta anos, cabelos flavos, bonita por dentro e por fora.

A expectativa era diária. Assim que eu armava o guarda-sol e colocava as cadeirinhas na praia, torcia o pescoço a procura de Márcia, e só descansava quando a via. É curioso que num caso assim, de exacerbação do desejo, a gente esquece tudo. Não há o que substitua, e a coisa passa a tornar-se idéia fixa, mais ainda quando é coisa que a gente aprecia desde adolescente.

Nesse aspecto eu sempre fui comportado, seguindo as normas da razão, ouvindo os conselhos equilibrados de outras pessoas, mas desta vez não deu para segurar. Na verdade, não dava para controlar o desejo.

Márcia, a dona de um “fast-food”, vendia, na praia e em sua loja, fritos na hora os melhores risoles de camarão da praia. Quatro por um Real. Um desbunde! O desejo não era pela vendedora, mas por seu produto.

(Crônica publicada em março de 1997, no Diário Popular, de Pelotas/RS)

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 27/12/2005
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