Na rua, na chuva, na fazenda...

Sempre que se questiona quem é a pessoa ideal, para marido, mulher, companheira ou assemelhado, surge a definição, tirada de uma musiquinha antiga: “Alguém com quem você gostaria de ficar, na rua, na chuva, na fazenda, ou numa casinha de sapé”.

Minha geração cunhou essa expressão para caracterizar o par ideal, pois retrata situações extremas, no molhado da chuva, no rebuliço da rua, na solidão da fazenda ou, ainda, no despojamento de uma casinha coberta de palhas.Outro poeta falou que “felicidade é uma casinha simplezinha, com gerânios em flor na janela, e uma rede malha, branquinha, e nós dois a sonhar dentro dela...”

Embora a criação do folhetim que emula “um amor e uma cabana” seja uma falácia, a verdade é que é fácil idealizar uma companhia para os bons momentos, jantar em restaurantes sofisticados, andar de carro climatizado, morar em uma boa residência, beber drinques e comer canapés à beira da piscina, com dinheiro no bolso e na conta bancária. Essa é a idealização. Viver assim é aparentemente fácil. A questão é saber viver na dificuldade.

Tem um autor, acho que é George Bernard Shaw, que diz que o tormento entre os que se amam é mais fácil de ser vivido na miséria do que a abundância onde falta o afeto. Toda essa reflexão veio-me à mente com a dinâmica dos “cursos de noivos”, onde os jovens casais, com média de idade em 22-25 anos jogam-se na romântica e emocionadamente aventura do casamento.

A grande verdade é que a maioria da gurizada de hoje não quer mais saber de casar. Parecem vacinados. De certo para não repetir alguns fracassos que ele vêem dentro do próprio lar deles. Os poucos que se aventuram a sacramentar, em todos os sentidos, sua união, o fazem de uma forma reticente, provisória e idealista.

A idéia geral não é de um sentimento que dure sempre, mas de algo “bom enquanto dure”. Trata-se de um pragmatismo egoísta. Os depoimentos, as expectativas e os anelos infletem no sentido de uma boa vida material, diversão, um apartamento bem decorado, um carro novo e sexo, muito sexo. Não é possível negar o valor de suas fantasias. No entanto, é bom esclarecer que a vida, para ter um sentido autêntico, não se resume só nessas coisas.

Há os momentos de aflição, de penúria, de desencontro, quanto falta convívio, diálogo, dinheiro. E aí? Assim como o caminho se faz caminhando, igualmente o relacionamento a dois se faz a dois, aos poucos, perdendo aqui e ganhando ali.

Curiosamente os começos (ou recomeços) entre gente de mais idade (casais em segundas uniões) às vezes dá mais certo, talvez por uma questão de experiência, que os enlaces de primeira viagem.

Mas quem tiver atingido um bom nível de encontro, “...erga suas mãos para o céu, e agradeça se acaso tiver, alguém que você gostaria que estivesse sempre com você, na rua, na chuva, na fazenda, ou numa casinha de sapé...”.

A vida imita a poesia. Ou será o contrário?

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 27/12/2005
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