O jejum que eu aprecio

A cada ano a “Semana Santa” nos desperta para essa ou aquela reflexão. Isto é muito bom e revela a diversidade de carismas que o Espírito de Deus suscita em nós, a partir de múltiplas interpretações que podemos dar aos mesmos fatos.

Em geral vem à nossa mente a saga libertadora de Deus, que arrancou com mão forte os hebreus que estavam no Egito, escravizados sob o imperialismo do faraó, que representa, em última análise, a opressão do poder e da força, presente em todos os tempos, nas relações entre os homens. Sempre houve – e a história é pródiga em no-lo revelar – faraós que sobre os mais diversos motivos oprimiram o povo.

Pois nesta “semana santa” de 2008, a mim, mais uma vez, se me suscita a questão do jejum. Aos católicos é pedida a prática do jejum, apenas dois dias por anos: na quarta-feira-de-cinzas, como um primeiro gesto de penitência quaresmal, e na sexta-feira-santa, como memorial de respeito ao generoso sangue de Cristo por nós derramado no Calvário. Muitos não fazem jejum. Ao contrário, deixam de comer carne, cujo quilo custa R$ 8 e comem bacalhau, cobrado a R$ 45 o quilo. Ao invés do jejum, muitos de nós transformam o dia de reflexão em oportunidade para comer melhor, um prato mais sofisticado (e mais caro até).

No nordeste, onde morei por cinco anos, as famílias fazem a comida e não comem. Ficam a espera dos pobres (que fazem um jejum compulsório o ano todo), que vêm buscar o “nosso jejum” e, pelo menos um dia no ano, comer como gente. Se for analisado com olhos pragmáticos, o jejum é coisa medieval, ultrapassada, uma legítima tortura, sem o mínimo fundamento. No entanto, ele traz consigo uma forte carga socio-teológica, representando, primeiro a sensação do homem sem Deus, e depois, pelo que é capaz de nos levar a sentir, um dia que seja, a fome crônica de tantos irmãos nossos.

Jejum é uma atitude de respeito, interiorização e, sobretudo, de fé. Os santos e os míticos tinham no jejum o ponto alto de sua espiritualidade, à medida em que a privação do alimento lhes revelava, a tragédia de uma vida sem a medida do transcendente e da solidariedade. Fazer jejum é buscar inspiração para uma aproximação com Deus através de atos concretos com o outro.

Jejuar é deixar de comer, mas também é pensar nos projetos de Deus. Ele mesmo é que nos diz: “O jejum que eu aprecio é acabar com a injustiça, libertar os oprimidos, repartir a comida com quem tem fome e mostrar-se solidário com quem sofre” (cf. Is 58, 1-12). Quando agimos com esse desprendimento e com essa visão de infinito, nossa luz brilha como a aurora. As feridas cicatrizam. Oramos e Deus responde: “Estou aqui!”.

Teólogo e biblista. Doutor em Teologia Moral.

070498

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 20/03/2008
Código do texto: T908959