Não precisamos de jornalistas
Jornalismo não-opinativo
É uma utopia se falar em jornalismo sem opinião. O que se sabe é que a grande mídia, aquela que atinge um estado inteiro, uma região, um país ou o mundo, tem opinião formada sobre o que divulga. E esta opinião influencia, muito, a opinião-pública, que, em última instância, influencia a vida.
A realidade é um mero recorte de um acontecimento que, por obra de engenhosa arte, se torna “a realidade”, a verdade, o único ponto de vista incontestável. O perigo mora aí, porque, quando se diz que o texto jornalístico é neutro, imparcial e objetivo, esquecemos que estas qualidades do jornalismo não existem senão na teoria. Na prática o olhar de quem escreve, sua história de vida, suas experiências estão impregnados em cada letra, em cada frase. O olhar do veículo fala mais alto até que o olhar do jornalista.
Leitura do mundo, sob o olhar de terceiro, sempre é perigoso, pois se corre o risco de ver o que não existe, de ver pela metade. A saída é fazer leitura crítica, ter acesso a veículos de opiniões diferentes, de interesses diversos. Não se conseguirá chegar à verdade absoluta, pois esta não existe, mas as chances de tornar-se bitolado por um ponto de vista exclusivo diminuem.
Já dizia Charlie Chaplin “não sois máquinas, homens é que sois”. Nós, homens e mulheres temos consciência, razão e emoção. Ao invés da preguiça de pensar, devemos exercer o nosso dever de ler bastante, nos informarmos o suficiente antes de emitirmos uma opinião e antes de admitirmos opiniões alheias. Reproduzir pensamentos sem refletir é agir como uma máquina copiadora.
A opinião de cada cidadão, especialmente a de quem “faz a história todos os dias”, o jornalista, deveria ser obrigatória, sempre! Afinal, de que valem as notícias com aparência de relatórios? Informar deveria ir além de relatar. Deveria, sempre, contextualizar, discutir os “por quês” e propor novas atitudes diante da vida.
O modelo de jornalismo brasileiro é copiado dos Estados Unidos e Grã-Bretanha (Inglaterra). Ali o jornalismo opinativo e o jornalismo que discute política quase não existe. Naqueles países se pratica o jornalismo “imparcial”, como aqui; se pratica o jornalismo “formatado” (lead, pirâmide invertida etc), que mais parece um modelo de fabricação de textos. Alega-se a urgência na construção de matérias, padronização para facilitar o trabalho do jornalista etc. Mas o que se nota com este tipo de prática é a transformação do profissional num mero “técnico”. Qualquer pessoa consegue “fazer” uma notícia. Para exercer a profissão de jornalista, no entanto, é necessário graduação em nível superior.
Faculdades e universidades de todo o país “formam” jornalistas todos os anos, e muitos dos formandos jamais encontrarão uma vaga para exercer a profissão. E com a grande oferta de profissionais ao mercado, o salário oferecido não é dos melhores. No exercício da profissão, obrigado pela urgência e pelas circunstâncias a produzir textos como se fosse uma máquina, o jornalista não tem tempo de se reciclar nem de se aprofundar nas matérias que realiza.
Num mundo globalizado, massificado, controlado pelo capitalismo, o jornalista também é influenciado a se tornar um indivíduo sem opinião, sem ponto de vista. Quando algum profissional da comunicação mais lúcido ou mais corajoso emite uma opinião, esta opinião quase nunca aparece nos jornais, na mídia como um todo. Afinal, não interessa ao sistema conscientizar cidadãos, fazer o povo pensar.
Silêncio! A indústria da notícia está trabalhando. Daqui a pouco temos notícias “novas”, desconectadas umas das outras. Não há contexto, não há começo, nem fim. O que há, sempre, é o “agora”. A eternidade está em suas mãos. Esqueça a matéria de ontem. Hoje tudo é novo. Amanhã não existe.