MULHERES MINEIRAS

O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar.

Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos

colaterais,

como é que o falar, sensual e lindo ficou de fora?

Porque, Deus, que sotaque!

Mineira devia nascer com tarja preta avisando: ouvi-la faz mal à

saúde.

Se uma mineira, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: só isso?

Assino achando que ela me faz um favor.

Eu sou suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma.

Certa vez quase propus casamento a uma menina que me ligou

por engano, só pelo sotaque.

Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas.

Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho

(não dizem: pode parar, dizem: "pó parar").

Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem,

precipitada e levianamente, que os mineiros vivem - lingüisticamente falando apenas de uais, trens e sôs.

Digo-lhes que não.

Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual

atividade.

Fala que ele é bom de serviço. Pouco importa que seja um juiz de

direito, um jogador de futebol ou um ator de filme pornô.

Se der no couro - metaforicamente falando, é claro - ele é bom de

serviço.

Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem.

Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar

pra outra: "cê tá boa?"

Para mim, isso é pleonasmo.

Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário.

Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada.

Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: Mexe com isso

não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc.).

O verbo "mexer", para os mineiros, tem os mais amplos significados.

Quer dizer, por exemplo, trabalhar.

Se lhe perguntarem com que você mexe, não fique ofendido.

Querem saber o seu ofício.

Os mineiros também não gostam do verbo conseguir.

Aqui ninguém consegue nada. Você não dá conta.

Sô cê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz:

Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô.

Esse "aqui" é outro que só tem aqui.

É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase.

É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe

dando muita atenção: é uma forma de dizer, "olá, me escutem, por favor,".

É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do

interlocutor.

Mineiras não dizem "apaixonado por".

Dizem, sabe-se lá por que, "pêxonado com".

Soa engraçado aos ouvidos forasteiros.

Ouve-se a toda hora: "Ah, eu pêxonei com ele...".

Ou: "sou doida com ele" (ele, no caso, pode ser você, um carro, um

cachorro).

Elas vivem apaixonadas "com" alguma coisa.

Que os mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe.

É um tal de "bonitim", "fechadim", e por aí vai.

Já me acostumei a ouvir: "E aí, vão?". Traduzo: "E aí, vamos?".

Não caia na besteira de esperar um "vamos" completo de uma mineira.

Não ouvirá nunca.

Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas

prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal.

Aqui certas regras não entram. São barradas pelas montanhas..

No supermercado, não faz muitas compras, ele compra "um tanto de côsa".

O supermercado não estará lotado, ele terá "um tanto de gente".

Se a fila do caixa não anda, é porque está "agarrando" [aliás,

"garrando"] lá na frente. Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!

Se, saindo do supermercado, a mineirinha ver um mendigo e ficar com pena, suspirará: Ai, gente, que dó.

É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas

mineiras.

Não vem caçar confusão pro meu lado.

Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro "caça

confusão" .

Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar,

para se fazer entendido, que ele "vive caçando confusão".

Para uma mineira falar do meu desempenho sexual, ou dizer que algo é muitíssimo bom vai dizer: "Ô, é sem noção".

Entendeu, leitora? É sem noção! Você não tem, leitora, idéia do

"tanto de bom" que é. Só não esqueça, por favor, o "Ô" no começo, porque sem ele não dá para dar noção do tanto que algo é sem noção, entendeu?

Capaz... Se você propõe algo e ela diz: capaz!!!

Vocês já ouviram esse "capaz"? É lindo.. Quer dizer o quê?

Sei lá, quer dizer "ce acha que eu faço isso"? Com algumas

toneladas de ironia...

Se você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá:

"Ô dó dôcê".

Entendeu? Não? Deixa para lá.

É parecido com o "nem...". Já ouviu o "nem..."?

Completo ele fica:- Ah, nem...

O que significa? Significa amigo leitor, que a mineira que o

pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum.

Mas de jeito nenhum.

Você diz: "Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no Mineirão?".

Resposta: "Nem..." Ainda não entendeu? Uai, nem é nem.

Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?

A propósito, um mineiro não pergunta: "você não vai?".

A pergunta, mineiramente falando, seria: "cê não anima de ir"?

Tão simples. O resto do Brasil complica tudo.

É, ué, cês dão umas volta pra falar os trem... Falando em "ei...".

As mineiras falam assim, usando, curiosamente, o "ei" no lugar do

"oi".

Você liga, e elas atendem lindamente: "eiiii!!!", com muitos pontos

de exclamação, a depender da saudade... Têm tantos outros...

O plural, então, é um problema. Um lindo problema, mas um problema.

Sou, não nego, suspeito.

Minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes

vocabulares das mineiras.

Aliás, deslizes nada.

Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial

esteja com a razão.

Se você, em conversa, falar:- Ah, fui lá comprar umas coisas...

Que' s côsa? - ela retrucará.

O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o que.

Ouvi de uma menina culta um "pelas metade" , no lugar de "pela

metade".

E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa,

confidenciará :

Ele pôs a culpa "ni mim".

A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios em Minas....

Ontem, uma senhora docemente me consolou: "prôcupa não, bobo!" .

E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras, nem se espantam. Talvez se espantassem se ouvissem um: "não se preocupe", ou algo assim.

A fórmula mineira é sintética. E diz tudo.

Até o "tchau" em Minas é personalizado.

Ninguém diz tchau pura e simplesmente.

Aqui se diz: "tchau procê", "tchau procês".

É útil deixar claro o destinatário do tchau.

Então...

CARLOS DRUMOND DE ANDRADE.

RECEBI E REPASSO A VOCES