No Dia Nacional da Poesia, deixe os versos te envolverem...
 
E tudo começou com o padre José de Anchieta escrevendo "Poema à Virgem" nas areias de uma praia e memorizando os versos para passar mais tarde para o papel. Muitos dizem que ali nasceu a poesia brasileira. Hoje, cinco séculos depois, em 14 de março, é comemorado o Dia Nacional da Poesia. A data foi escolhida em homenagem ao poeta baiano Castro Alves (1847-1871), que um dia escreveu "Eu sinto em mim o borbulhar de um gênio". Anos depois, Castro Alves virou nome da praça em Salvador e foi homenageado por Caetano Veloso na música "Um frevo novo", que dizia que "a Praça Castro Alves é do povo, como o céu é do avião".

A poesia no Brasil teve diversos estilos: de uma índole renascentista até a grande diversidade de individualidades de hoje, passou pelo "Barroco", de Gregório de Matos, pelos árcades do século XVIII mineiro, pelo "Romantismo" de Gonçalves Dias e Castro Alves, chegando ao virtuosismo formal dos "parnasianos", à alta reação espiritualista do "Simbolismo", ao "Sincretismo" que precedeu o "Modernismo" de Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Jorge de Lima, Cecília Meireles, Drummond e por aí vai.

No seio da mulher há tanto aroma... nos seus beijos de fogo há tanta vida...
Dizem que é difícil definir o que é poesia. As definições que se fazem são, inclusive, verdadeiras poesias. O escritor Alexei Bueno, especialista no assunto, autor do recém-lançado livro "Uma história da poesia brasileira", prefere duas definições, que, segundo ele, são as melhores: "Diz a primeira: a poesia é uma indecisão entre um som e um sentido. Afirma a segunda: a poesia é a arte de dizer apenas com palavras o que apenas palavras podem dizer". Em seu livro, ele traça uma linha histórica dos versos brasileiros e critica os que fazem comparações entre os vários estilos da poesia ao longo de 500 anos. Segundo Alexei Bueno, "há simplificações nefastas na percepção vulgar da literatura e das outras artes no Brasil. Pior, sem dúvida, é fruto da ideologia do progresso". O autor combate quem cria "a ilusão de que o mais recente é sempre superior ao anterior". E garante: "Só mesmo um parvo julgaria que o Modernismo é intrinsecamente superior ao Romantismo, do mesmo modo que esse é superior ao Barroco, e assim por diante". 

Em uma terra ainda hoje repleta de poetas, em que existe a máxima de que "de médico, poeta e louco todos nós temos um pouco", fica difícil afirmar quem foi o primeiro poeta brasileiro. Há até quem garanta que Pero Vaz de Caminha fez poesia ao escrever a famosa carta narrando o descobrimento. Ou alguém nega que "Em se plantando tudo dá" é poesia pura? Alexei Bueno, no entanto, conta que o baiano Gregório de Matos Guerra (1633-1695) é, sem qualquer dúvida, "o primeiro grande poeta do Brasil". Ele nada publicou em vida, como era comum para autores da Colônia no período, mas sua obra chegou até nós em numerosos códices (espécie de pergaminhos) manuscritos. 

Muitos versos foram criados e cerca de 300 anos se passaram até que Gonçalves Dias (1823-1864) escrevesse na célebre "Canção do Exílio" uma das peças mais famosas de toda a poesia brasileira: "Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá; as aves, que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá". Ainda no Romantismo, o mulherengo Castro Alves, que aos 18 anos já vivia uma vida de marido e mulher com uma moça em Pernambuco e aos 19 era amante de uma mulher dez anos mais velha que ele, declamava: "No seio da mulher há tanto aroma... nos seus beijos de fogo há tanta vida...".
E já que falamos em mulheres, razão maior da existência do site "Bolsa de Mulher", vale destacar que Narcisa Amália foi uma das primeiras poetisas brasileiras.

Do período do Parnasianismo vale destacar Olavo Bilac (1865-1918), o médico que virou jornalista e teve "a carreira poética mais triunfal da literatura brasileira", segundo Alexei Bueno. Bilac, autor dos famosos versos "Ora (direis) ouvir estrelas! Certo, Perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto, Que, para ouví-las, muita vez desperto E abro a janela, pálido de espanto ...", tinha fama de "grande erótico", emboranunca tenha sido visto com uma mulher. O tempo continuou passando, surgiram novos poetas e veio a fase do Modernismo. Uma de suas maiores estrelas foi, sem dúvida, Manuel Bandeira, que escreveu: "Eu faço versos como quem chora, de desencanto/ Meu verso é sangue. Volúpia ardente/ Tristeza esparsa... remorso vão...". Depois foi embora pra Pasárgada, pois lá era amigo do Rei e tinha a mulher que queria na cama que queria.
Eu canto porque o instante existe e a minha vida esta completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta
Menotti del Picchia também colocou as mulheres nas estrelas ao dizer que "Toda história de amor só presta se tiver, como ponto final, um beijo de mulher!". E Cecília Meireles foi definitiva ao escrever: "Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta". E ainda faltou falar de Carlos Drummond, que criou polêmica ao dizer que "no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho" e fez lirismo ao lembrar do futuro de sua terra natal: "(...) Itabira é apenas um retrato na parede. Mas como dói!".

E como esquecer de Mário Quintana e de Vinicius de Moraes? Ninguém mais cantou e encantou as mulheres que o doce poetinha que disse certa vez: "De tudo, ao meu amor serei atento antes..." e "que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure". E ainda teve o Concretismo, Haroldo e Augusto de Campos, Ferreira Gullar e seu poema sujo, Cora Coralina, João Cabral de Melo Neto, a Poesia Militante, Thiago de Mello, Hilda Hilst, a Poesia Popular, uma tal de Poesia Práxis e a Poesia Marginal, vendida em cópias mimeografadas ou "xerocadas" nas portas de bares, teatros e restaurantes. 

Faltou falar de muita gente, mas vale lembrar que hoje a poesia também está na Internet. É só clicar a palavra "poesia" em sites de buscas ou sites de relacionamentos no Orkut que milhares e milhares de páginas aparecerão. O publicitário e professor universitário Sebastião Martins, criador do blog "Poesia e Companhia", lembra o José de Anchieta do início deste texto para afirmar que a poesia não mudou e continua viva no dia em que comemora o seu dia: "Escrever na Internet não é muito diferente de escrever na areia. Eu às vezes faço versos direto no computador e até esqueço de salvar. Sei que posso perder tudo".

p.s.: já que estamos em época de declaração de Imposto de Renda, vale contar que antigamente na Irlanda os poetas eram livres do "leão", pois eram isentos desse encargo.


Por Paulo Cezar Guimarães • 14/03/2008

** Texto transcrito do site MSN, coluna "Bolsa de Mulher"
http://msn.bolsademulher.com/estilo/materia/magia_das_palavras/15426/1