A esfera das “coincidências”

“Uma vida não questionada não merece ser vivida”, era o que afirmava o filósofo grego Platão (427/428 - 347 a.C.), e é, a partir dessa máxima que irá se mover no presente texto. Em termos, tal afirmação faz com que se pense no que realmente acreditar e naquilo que devemos (ou podemos) dar crédito. Como se vive em um contexto totalmente, ou quase, voltado à comunicação em massa e a dita globalização, com a presença da Internet e do meio televisivo, buscar-se-á, através de algumas análises comparativas, apresentar e comprovar a questão da falta de originalidade e, o pior, o plágio desmedido de muitas obras que são consagradas pelo público e pela crítica nacional.

Atualmente, e por tempos idos, novelas e minisséries povoam uma considerável porcentagem do tempo de programação de alguns canais de televisão, entretendo e impregnando lares sem ao menos pedir licença, pois, basta sentar-se quinze minutos (creio que não necessite disso) em frente ao aparelho de TV para se deparar com um disparate seguido de outro.

Primeiramente, vale abrir um parêntese sobre um ponto relevante. Se se analisar a questão da linguagem, acredita-se ser bem provável que os professores de Língua Portuguesa estejam mergulhados num pântano de vícios de linguagem, termos chulos e gírias que beiram a repugnância; e desse lamaçal não sairão facilmente, ou melhor, não conseguirão fazer com que os educandos se desvencilhem desses grilhões; mas não é, ao menos hoje, a direção que se tomará.

Acredito que muitos lembrarão de uma novela que foi exibida nos anos de 2004/2005, intitulada “Senhora do destino” que, basicamente, tem em seu capítulo introdutório as mesmas feições do conceituado romance, “Vidas secas” de Graciliano Ramos. Bem, sabe-se que não são puramente idênticos, e o resultado final é muito distinto. Enquanto a obra de Ramos é carregada de crítica social palpável, forte tom emotivo e uma quase pintura da alma nordestina verdadeira; a novela de Aguinaldo Silva trabalha com o quase utópico, distante da realidade (real) do público, alicerçado por personagens vazios e comuns. Mas o problema está neste público e na crítica que elevam às alturas a trama que tem um plágio como ponto de partida, afinal é de relevância primordial a qualquer obra uma introdução que norteie aquele que dela irá usufruir.

As “coincidências” não param por aí.

Se lhe fosse perguntado se tem lembrança de uma história com o seguinte enredo: Um homem de meia idade, atraente, que se apaixona por uma adolescente provocante e irresponsável, uma verdadeira ninfeta. Tal garota faz com que o quarentão faça loucuras por esse amor e... Bem, quem assistiu “Presença de Anita” certamente está apostando suas fichas que a história citada é a trama de Manoel Carlos. Não está, pois, de todo errado, porém, uma história muito semelhante foi publicada no ano de 1955, de autoria do escritor russo Vladimir Nabokov, em que a linha mestra emocional reaparece na minissérie brasileira. Vale lembrar que na cena da série em que Anita está deitada lendo, na obra de Nabokov isso também se dá, mas, como já foi dito, o romance “Lolita” foi publicado em 1955. Quanta “coincidência” não?

Uma outra “coincidência” entre obras televisivas e literárias encontra-se atualmente no que diz respeito à novela “Duas caras” de Aguinaldo Silva e o romance “O cortiço”, marco inicial do Naturalismo no Brasil de autoria de Aluísio Azevedo, publicado em 1890, onde os personagens principais são moradores de um cortiço no Rio de Janeiro, precursor das favelas, onde moram os excluídos, os humildes, todos aqueles que não se misturavam com a burguesia, e todos eles possuindo os seus problemas e vícios, decorrentes do meio em que vivem.

“Sempre em mangas de camisa, sem domingo nem dia santo, não perdendo nunca a ocasião de assenhorear-se do alheio...”

A passagem acima expõe algumas características do personagem João Romão, um homem bruto que “aos trancos e barrancos” iniciou a construção do cortiço, sendo deste senhor e “voz única”. É possível, e bem possível, que a “parecença” de Romão com o herói Juvenal Antena seja pura “coincidência”, mas para quem leu o livro e teve a oportunidade de tomar conhecimento dos capítulos iniciais da produção global, a infelicidade do autor de “Duas caras” ao tornar público tal obra, é algo que, no mínimo, aborrece quem tem ciência do romance de Azevedo.

Talvez um questionamento apareça. E o que é que tem essas “coincidências”? O problema não é totalmente as “coincidências”, ou os plágios descarados, mas sim, e tão somente o prestigiar determinados “escrevinhadores” (termo usado por Machado de Assis) que usurpam temas, bases ou idéias principais de obras já publicadas a muito tempo ou em outros países, subestimando a inteligência do espectador, fazendo, como dizem, “pouco caso” do conhecimento de uns e permanecendo totalmente indiferente à ausência de instrução de outros tantos.

Gimi Ramos
Enviado por Gimi Ramos em 14/03/2008
Código do texto: T900290
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