Análise comparativa de dois filmes sobre Canudos
Análise comparativa
O filme documentário sobre a região de Canudos, é baseado especificamente sobre a figura de Antonio Conselheiro, através de depoimentos pessoais de indivíduos de diferentes regiões da Bahia e do nordeste brasileiro, a exemplo do Ceará e Quixeramobim seu torrão natal.
A narrativa bastante simples segue o estilo coloquial. No entanto, o entendimento ficou um pouco prejudicado devido naturalmente à fala baixa dos personagens, sendo em sua maioria pessoas de idade avançada. O filme retrata os fatos da vida peregrina do homem que percorreu a pé o sertão nordestino e que costumava dar conselhos às pessoas que viviam à sua volta. Daí, a origem do pseudônimo Conselhei incorporado ao prenome de Antonio.
Segundo os depoimentos, o seu nome verdadeiro era Antonio Vicente Mendes Maciel. Ficou muito cedo órfão de mãe, passando então a viver com o pai. Após o falecimento deste, os negócios da família passaram para a sua inteira responsabilidade. Antonio após um determinado tempo passou a ser professor em uma fazenda, depois de ter se casado com sua prima Laudelina com quem teve dois filhos; foi também escrivão de cartório e posteriormente passou a defender os mais pobres, uma espécie de rábula, ou seja, advogado sem diploma.
Porém um importante fato conseguiu transformar a vida de Antonio Maciel, a traição de sua mulher. Traído saiu a peregrinar pelo nordeste brasileiro, inicialmente pelo Ceará. Foi vendedor de quinquilharia e beato lá pelos sertões do Crato. Enamorou-se novamente de uma escultora de imagens, com ela teve mais um filho. Ainda segundo os depoimentos, ao retornar à sua terra natal e se hospedar em casa de sua irmã, acaba se desentendendo com o seu cunhado, durante uma crise emocional ferindo-o à faca. Esse incidente foi sepultado entre os familiares. A gota d água que o conduziu à peregrinação de forma definitiva foi uma derradeira dívida, a qual não conseguiu pagar. Saiu então a pregar o evangelho e a dar conselhos, assim como a restaurar igrejas e cemitérios. Com a grande seca de 1887, a sua fama acabou crescendo entre o povo simples e pobre do sertão baiano que passou a considerá-lo um santo.
É justamente nesse ponto, digamos assim, que o outro filme sobre a Guerra de Canudos tem início, quando Conselheiro ao passar por um determinado lugar, se depara com o drama de uma família extremamente pobre, sem horizontes, perdida no meio de um sertão poeirento e seco. Diante da falta de expectativa de vida e acreditando na santidade daquele beato, que prometia barrancas de cuscuz e rios de leite, mediante muitas penitências e ladainhas, resolveu seguir em busca de dias melhores. Mas Luzia, a filha mais velha do casal sertanejo, não se deixou encantar pela presença e fala do santo nordestino rebelou-se e partiu sozinha. Acabou a priori, virando prostituta. No decorrer do filme ela acaba casada com um soldado e juntos seguem com os militares que vão atacar Canudos e matar o Conselheiro, aliás, esse era o seu grande desejo, já que o culpava por ter perdido a sua família.
Ao contrário do filme documentário que centra a atenção na figura do beato rebelde, esse filme sobre a guerra de Canudos, é centralizado especialmente na figura de Luiza e sua família, deixando nas entrelinhas por assim dizer, que a filha mais velha sempre estivera certa, quanto ao destino daquela gente que sem medo ou qualquer tipo de restrição ajudou a formar o Belo Monte, (Conselheiro mudou o nome de Canudos para Belo Monte) lugar de orgulho para os que acreditavam nas promessas de paraíso terrestre naquela região árida, do sertão baiano. Mostra a resistência da comunidade de Canudos, a lealdade e a fé, até o último momento de suas vidas, lutando bravamente pelo pedaço de chão onde conseguiram colocar suas esperanças. Apenas um pequeno grupo acabou se rendendo aos militares.O restante morreu, durante o massacre. Fica muito evidente no decorrer do filme o qual permite a inferência do assistente que após a proclamação da República, em 1889, Conselheiro passou a manifestar-se de fato, contra os impostos municipais e o casamento civil, medidas essas impostas pelo novo regime. É importante ressaltar uma parte importante, quando o beato mandou arrancar e queimar os papéis com orientações sobre o pagamento de impostos que estavam afixados em locais públicos de uma cidade. Após esse fato, começou a perseguição policial, e foi assim que ele e seus seguidores se refugiaram em uma fazenda abandonada chamada canudos.
O filme tem sequencia de fatos, enredo, ação, efeitos especiais; consegue envolver emocionalmente quem o assiste. No entanto, percebe-se claramente a intenção do diretor, Sérgio Resende em demonstrar através das atitudes da família de Luiza, a personificação e/ou a representação dos sentimentos existentes entre a submissão cega e a rebeldia persistente; de um lado Conselheiro, do outro Luiza, seres antagônicos: um morreu por acreditar que podia viver em desobediência civil; a outra conseguiu sobreviver por acreditar na vida como ela é, na dor e no prazer de cada dia.
O documentário revela certa nostalgia nas pessoas que falam, certo saudosismo; naturalmente por falarem de uma pessoa que tem certa ligação com seus estilos de vida, suas histórias pessoais, seus lugares e discursos. O lugar de onde falam é o sertão nordestino, lugar onde essas pessoas vivem e conhecem com riqueza de detalhes as lutas, os embates, os enredos... E, nesse caso especificamente, a história de vida, a biografia de Antonio Vicente Mendes Maciel, o Antonio Conselheiro, o beato do nordeste.
É um estilo diferente, meio solto sem uma sequencia lógica. Mas, nem por isso menos importante, haja vista que depoimentos fazem parte da história oral, da tradição oral, da experiência empírica, fatores de extrema importância para a pesquisa histórica. Enquanto que num filme comum, mesmo feito sobre uma história real, a interferência dos pesquisadores, produtores, diretores, os seus olhares sobre os fatos, o que é mais significante enfocar, etc é notório. Isso porque certos ajustes se tornam necessários, para dar maior credibilidade e garantir o sucesso de público e bilheteria.
Canudos é uma história fascinante, leva-nos a refletir sobre a sociedade naquele exato momento, na vida e na morte por um ideal, na loucura, no que é certo ou errado, quando na verdade, qual o ser humano que pode conceber a verdade absoluta? O que podemos tirar dessa lição de outrora para a sociedade vigente? Essa ponte que precisamos estabelecer entre o passado e o presente, de certa forma poderá nos dar um vislumbre do que a mente humana poderá ser capaz se utilizá-la para a construção de novos paradigmas, que poderão mudar o curso da história.