Sobre Fábio Júnior

Da série “Grandes cantores incompreendidos pela crítica”.

Fábio Júnior namorava a coroa?

Então eu me perguntava naquele momento da minha vida quando eu não passava de um adolescente imberbe e confuso – e apesar da barba as coisas hoje não mudaram tanto: se Fábio Júnior canta melhor que Roberto Carlos; toca melhor; é mais bonito; porque motivo então não é ele o “rei”? E não parava por aí. Fábio Jr. demonstrou ainda ser um ótimo ator – seu desempenho dramático no filme “Bye, bye, Brasil” de Cacá Diegues e, posteriormente, nas novelas, onde trabalhou muito bem – sobretudo naquelas em que fez papéis cômicos – tiram a possibilidade de considerarmos Roberto um ator, como pode este ter pretendido ser durante a Jovem Guarda com os 3 filminhos que protagonizou. Eu até que gosto bastante daqueles filmes; muito mais por nostalgia que por alguma qualidade artística. Para a época, foram bem produzidos: e só.

Daí eu questionava a posse da coroa. E olha que eu ouvira Roberto Carlos durante toda a minha infância. E amava Roberto. E cantava várias músicas suas. Só que a chegada de Fábio Jr. no grande mercado foi, pra mim, e pra muitos brasileiros, um estrondo. Duas canções foram de profundo impacto nacional naquele fim dos anos de 1970: “Vinte e poucos anos” e “Pai”. “Vinte e poucos anos” fazia refletir, com a sinceridade e coerência de um jovem compositor que cantava “...quero saber bem mais que os meus vinte e poucos anos”. “Pai” – tema da novela Pai Herói – fazia chorar. Quem tinha pai chorava. Quem tinha pai morto chorava. Quem era filho de pais separados – algo já em voga na transição dos 70 para os 80 – chorava. E até filhos de mãe solteira, como no meu caso, choravam. Ali estava uma das mais tocantes músicas da história do cancioneiro popular brasileiro: “...pai/ você foi meu herói, meu bandido/ hoje é mais, muito mais que um amigo/ nem você nem ninguém tá sozinho/ você faz parte desse caminho/ que hoje eu sigo em paz”. Emoção à flor da pele dos mortais. E também os recursos vocais usados por Fábio na canção “Vinte e poucos anos” fariam – e devem ter feito – Roberto tremer na base. Aquele falsete no final das frases Roberto não sabia fazer. E aquilo era lindo.

Os anos passavam com calma e Fábio expunha obras-primas em série. Seu repertório trouxe a sensualidade “rasgada” de uma canção como “Enrosca”. Melodias rebuscadas e romantismo não óbvio em canções como “Senta aqui” e “O que é que há”. “Seu melhor amigo”, anterior a essas, já anunciava o que ele faria com o modelo “canção romântica”.

Olha. Se eu não conhecesse um pouco o editor desta revista, talvez eu não tivesse coragem de enviar-lhe um texto sobre Fábio Júnior, com a proposta de uma foto sua estampando a matéria. E pior: falando bem do cantor. Este é um caso clássico de sacrilégio, de “heresia estético-jornalistica”. Quase que um pecado capital. Não é comum na imprensa dominante falar-se bem de Fábio Júnior. E “ai” de quem fizer isso. Mas a crítica musical burguesa fez muitas outras vítimas: de Benito di Paula a Kid Abelha. Nem Lulu Santos costuma sair incólume. E sabemos que há artistas por aí gozando de pleno prestígio no meio jornalístico musical, mas que não são capazes de encher um Cd com uma coletânea de 14 sucessos. Eu não gostaria de citar nomes. Mas, quantas músicas se conhece de Ed Motta, por exemplo? Sou um fã de Ed Motta, preciso que saibam. E ainda mais sou fã de Roberto, que é o oposto extremo deste exemplo, por favor. E ele pode ficar, por mim, à vontade com a sua coroa, pois isso não vai prejudicar em nada a música popular brasileira. Embora saibamos da bobagem que é esse papo de “rei”. Quem ainda não se tocou, pelo menos desconfia que isso é uma bobagem. Antigamente o “reinado”, ocupado hoje por Roberto, chegou a ser disputado com Ronnie Von, que foi logo rebaixado a príncipe. Ronnie Von tem gravações de grande qualidade, saibam.

Monarquia à parte, é bem verdade que a carreira de Fabio Jr. tenha descambado para algo, digamos, um tanto informe e, até mesmo um tanto vazia nos últimos 15 anos. Ma sua voz continua excelente e eu espero por sua redenção e dou toda a força. Muito embora ele tenha um público que nunca o abandonou. E peço a vocês, ouvintes mais refinados: ouçam o Fábio Júnior, quando puderem, com mais atenção, e com o coração aberto, e... respeito às suas grandes canções – e não são poucas as que se enquadram na categoria de grandes canções. E considerem que o próprio Robertão já deixou de fazer coisa boa há uns bons vinte e poucos anos.

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Texto publicado originalmente em março na revista eletrônica Crônicas Cariocas: www.cronicascariocas.com

Luciano Fortunato
Enviado por Luciano Fortunato em 11/03/2008
Reeditado em 11/03/2008
Código do texto: T896236