A interação dialógica no contexto educativo
A interação dialógica no contexto educativo (1)
Oséias Santos de Oliveira (2)
Resumo
O presente artigo faz uma breve análise sobre a dialética e hermenêutica, buscando compreender seus conceitos a luz da tradição filosófica. Posteriormente, procede-se a investigação dos modos de pensar e agir do homem em cada paradigma do conhecimento apresentados por Jürgen Habermas, salientando o paradigma da linguagem como fundamento para expressão da razão e de toda ação humana. E finalmente, examinando o campo educacional, é possível perceber o uso da palavra como meio para estabelecer o diálogo. A linguagem é condição fundamental para que o sentimento e o que perpassa pela consciência possa ser compartilhado. Na escola, para que interação dialógica de fato se constitua como uma prática que conduz à emancipação dos sujeitos envolvidos é necessário buscar estratégias coerentes com os novos paradigmas da atualidade.
Palavras-chave: dialética, hermenêutica, diálogo, paradigma, ação comunicativa, emancipação.
1. Dialética e hermenêutica: dialogando com a tradição filosófica
O termo dialética, do grego dialektike, e do latim dialectica possui uma relação muito estreita com a arte do diálogo. É possível destacar alguns significados oriundos da tradição filosófica, que tem, ao longo do tempo se apropriado destes conceitos para chegar à essência da verdade.
Na concepção clássica do mundo antigo, Platão utiliza o vocábulo dialética na perspectiva do diálogo, ou troca entre pessoas que se esforçam para, através do discurso, chegar à compreensão total da verdade e de toda a forma de conhecimento. Já em Aristóteles, o termo dialética é compreendido tendo como base as premissas passíveis de serem comprovadas. Em ambos, a conversação e o diálogo são essenciais para se avançar na elaboração de uma idéia mais formal e consistente, que ultrapasse as simples aparências sensíveis.
O filósofo Hegel, numa concepção moderna, percebe a dialética como um movimento capaz de direcionar para a superação de uma contradição. Por sua vez, Marx faz da dialética um método, levando em consideração um determinado tempo histórico, as realidades culturais e sociais em que o homem está inserido. A dialética para Marx se configura no método do materialismo histórico, em cuja concepção é possível a compreensão do mundo e das diferenças entre os homens, divididos em classes sociais e com funções específicas na sociedade.
O vocábulo hermenêutica, originário do grego hermeneutikós significa interpretação. Inicialmente, este termo era adotado especificamente nos meios teológicos, quando então era propiciada a interpretação de textos bíblicos. Posteriormente, a hermenêutica ganha um novo sentido de compreensão/interpretação científica de uma produção teórica mais elaborada. Mühl (2004, p.39), considera que a hermenêutica “busca compreender as leis gerais pelas quais a compreensão humana opera. Trata-se de uma ciência ou uma arte que procura entender e interpretar os textos, com base nos contextos e nas circunstâncias de sua produção e recepção”.
O filósofo Hans-Georg Gadamer busca traçar um caminho para a consciência histórica, e explora a crítica da falsa auto-reflexão metodológica das ciências que têm sua base na ontologia. Em sua filosofia hermenêutica, denominada hermenêutica das tradições, Gadamer se propõe a explicitar que a razão precisa ser encontrada na historicidade do próprio ser humano que, através da auto-reflexão torna-se sujeito participante e intérprete da tradição histórica.
É necessário, para compreender a dialética e hermenêutica, assumir uma nova postura frente às concepções atuais de mundo. A filosofia hoje, tem a necessidade de dar conta dos problemas da atualidade, permitindo a tradução de informações científicas relevantes para a linguagem do mundo e da vida social. Enquanto teoria do ser, embasada no sentido metafísico clássico, a filosofia não consegue mais dar respostas aos problemas e preocupações oriundas da modernidade e suas profundas transformações no modo de pensar e ver o mundo. Tanto a dialética quanto a hermenêutica permitem um voltar-se para si mesmo, pois, através da reflexão o homem poderá tomar consciência de sua realidade, podendo assim agir sobre ela, transformando-a.
A dialética então, passa a ser concebida como uma teoria política que torna possível a compreensão do método dialético que retrata a história como mediação na busca da unidade de sentido através da interpretação. Para que estas novas concepções possam ser assimiladas é necessário um diálogo com a história, perpassando pela reflexão contextualizada, tendo sempre presente que o ser humano se constitui no mundo, não como um ser ontológico, mas que se faz na sua práxis histórica.
2. Habermas e os paradigmas do conhecimento: novas perspectivas de diálogo na contemporaneidade
Jürgen Habermas define três paradigmas inspiradores do conhecimento e das ações humanas. O paradigma ontológico, o paradigma da consciência e o paradigma da linguagem. Estes paradigmas revelam a própria história do homem, sua natureza, seu modo de pensar e agir.
O paradigma ontológico, presente no pensamento grego, lança as bases e diretrizes do pensar até a crise da modernidade. Para os gregos, especialmente socráticos, o conhecimento está dentro do homem, portanto está pronto, é dado. O sentido metafísico domina o conhecimento e atribui o real (físico) ao mundo das idéias. Pelo conhecimento do ser pode-se chegar ao entendimento das essências do ser, de suas características e identidades próprias. Neste paradigma é possível perceber que o conhecimento só possui validade quando é universal.
No paradigma da consciência, surgido com a modernidade, é atribuído um valor ao saber imediato. O homem, não se sente parte da natureza e passa a exercer seu domínio sobre ela, explorando-a e retirando dela o que há de melhor. Neste paradigma, tudo precisa ser construído e esta construção ocorre através da razão, de acordo com os interesses individuais.
As relações sociais, no paradigma da consciência, são permeadas pelo poder e pela exploração. Aqueles indivíduos que detém o conhecimento são também detentores do poder. Em decorrência da significativa explosão científica, ocorre a fragmentação do conhecimento que leva ao individualismo acentuado, ocasionando uma ruptura entre o todo e as partes. Desta forma o homem tende a se tornar mais solitário e individual.
No processo ensino-aprendizagem o professor é o sujeito que sabe e o aluno é aquele que não sabe. Não se valoriza as experiências e sentimentos que o aluno acumula durante sua vida, não há uma consideração da historicidade do ser humano e da própria humanidade.
Ao mesmo tempo em que a razão criadora possibilitou muitas tecnologias, massacrou trabalhadores, sendo estes dominados ao extremo, e possibilitou também os inúmeros conflitos econômicos e até mesmo guerras entre os povos. O paradigma da consciência, não possibilitando o diálogo e a interpretação da realidade em que o homem está inserido gera a irracionalidade, levando a ação instintiva que não concebe a essência das coisas, mas apenas os fenômenos que podem ser quantificados e aferidos.
Habermas apresenta ainda o paradigma da linguagem, considerando ser a linguagem a forma pela qual a razão se manifesta. É através do diálogo que o homem poderá argumentar e posicionar-se criticamente frente às situações que vivencia no seu cotidiano.
Para Habermas, a argumentação pode gerar conhecimento através de interesses técnicos, práticos ou emancipatórios. Os interesses técnicos do diálogo dizem respeito a resolução de questões funcionais, a solução de problemas de natureza científica e que de certa forma comprometem os interesses práticos e emancipatórios. Os interesses práticos revelam a interação humana social ou ação comunicativa e dão conta do entendimento dos fenômenos e relações pessoais, apresentando resultados exeqüíveis. Já os interesses emancipatórios referem-se aos procedimentos da racionalidade, que necessitam ser construídos para legitimar o pensamento humano, constituem-se basicamente na auto-reflexão que proporciona o desenvolvimento da uma consciência crítica numa perspectiva de transformação. É o interesse emancipatório que possibilita a revalidar os argumentos, e isto se dá exclusivamente através da linguagem.
A linguagem torna-se um instrumento de socialização do pensamento e da construção social produzida pela humanidade através dos tempos. A construção da consciência é, pois um produto desta interação, desta troca de informações, de impressões, de leituras e de interpretações sobre o mundo e suas transformações. O diálogo neste contexto desempenha papel essencial uma vez que oportuniza o amplo desenvolvimento do homem em todos os seus aspectos, quer seja cognitivos, intelectuais, morais, políticos ou éticos.
3. Relações dialógicas entre os sujeitos aprendentes: breves reflexões a título de conclusão
O conhecimento se constitui na interação entre os sujeitos. A partir dos pressupostos de intersubjetividade, delineados na teoria de Habermas é possível que os sujeitos estabeleçam compreensões que aproximem suas razões comunicativas, possibilitando a troca de experiências simbólica da vida e de suas ações.
Rockenbach (2003, p. 170) afirma que “para discorrer sobre intersubjetividade convém primeiro refletir sobre o sujeito e subjetividade para então lançar o olhar sobre a interação entre os sujeitos.” É a partir da reflexão e da autoconsciência que o sujeito, enquanto agente, se descobre como membro participante da práxis comunicativa. Compreender o meio, reconhecer o outro na sua alteridade, respeitando-o como diferente, torna mais dinâmica a prática do diálogo e com isto, os sujeitos de fato se relacionam e desenvolvem suas individualidades e subjetividades.
Segundo Habermas,
"A guinada em direção a um modo de ver intersubjetivista nos leva ao seguinte resultado, surpreendente no que respeita à ‘subjetividade’: a consciência que parece estar centrada no Eu não é imediata ou simplesmente interior. Ao contrário, a autoconsciência forma-se através da relação simbolicamente mediada que se tem com um parceiro de interação, num caminho que vai de fora para dentro. Nesta medida, a autoconsciência possui um núcleo intersubjetivo; sua posição excêntrica testemunha a dependência contínua da subjetividade face à linguagem, que é o meio através do qual alguém se reconhece no outro de modo não-objetivador" ( 1990, p. 212).
No espaço educativo, a prática do diálogo favorece o desenvolvimento cognitivo e a ampliação do conhecimento. Tanto professores quanto alunos encontram nas trocas simbólicas que o diálogo propicia, mecanismos para organização das representações e compreensões hermenêuticas acerca da vida e suas manifestações. Através da interpretação da realidade, o educando e o educador poderão encontrar subsídios para experienciarem uma construção social do conhecimento mais humanizadora.
REFERÊNCIAS
HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 1990.
MÜHL, Eldon Henrique. Hermenêutica e educação: desafios da hermenêutica na formação dialógica do docente. In: MÜHL, Eldon Henrique e ESQUINSANI, Valdocir (orgs.) O diálogo ressignificando o cotidiano escolar. Passo Fundo: UPF, 2004.
ROCKEMBACH, Arnildo Laurêncio. Relacionamento alunos-professores na construção do conhecimento. Ijuí: Ed. da UNIJUÍ, 2003.
BIBLIOGRAFIA AUXILIAR
BOUFLEUER, José Pedro. Pedagogia da ação comunicativa: uma leitura de Habermas. 3ª ed. Ijuí: Editora da UNIJUÍ, 2001.
DUTRA, Delmar Volpato. Razão e consenso: uma introdução ao pensamento de Habermas. Pelotas: Editora Universitária UFPEL, 1993.
JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 3ª ed. rev. e ampliada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996.
SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Jürgen Habermas: Razão Comunicativa e emancipação. 4a. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro 2003.
NOTAS
(1) Artigo apresentado em 20/07/2006, no Seminário Avançado: Dialética, Hermenêutica e Educação e na Disciplina Eletiva: Filosofia e Educação: Teoria da Ação e Educação, ministrada pelos professores Dr. Cláudio Almir Dalbosco e Dr.Eldon Henrique Mühl. A temática abordada neste trabalho constitui-se em avaliação, no Programa de Mestrado em Educação da Universidade de Passo Fundo – UPF.
(2) Mestrando em Educação – Universidade de Passo Fundo – UPF – Bolsista CAPES – Passo Fundo – RS