À procura da justiça
A cultura popular é feita de historietas, chistes e piadas. Sobretudo piadas. E são as piadas que ajudam a escrever a história.
Há uma velha piada, do tempo da ditadura, que conta que, durante a ditadura brasileira, houve um grande encontro internacional, no Paraguai. Lá pelas tantas, começaram as apresentações, quando o Presidente paraguaio apresentou o comodoro Alvarez como Ministro da Marinha. Houve uma risada geral. O ditador brasileiro, quis fazer uma gracinha: “Como? Ministro da Marinha? Mas vocês não têm mar...”. O paraguaio não se abateu, respirou fundo e devolveu a pergunta ao brasileiro: “E vocês, não têm Ministério da Justiça?”.
O caso todo é que o povo brasileiro perdeu a confiança nos poderes da República, sejam governantes, legisladores e julgadores. A cada dia pipoca uma questão aqui, outra ali e tudo vai indo para uma perda de credibilidade sem precedentes.
Há dias, em São Paulo, um magistrado libertou da carceragem de uma delegacia (diz ele que “por engano”) um grupos de perigosos bandidos que aguardavam julgamento. A questão do nepotismo, embora seja lei, ainda entrava nos “usos e costumes”, onde cada um quer empregar o maior número de parentes. Agora que parece que vai ser moralizada a questão. Será que vai?
No ano que passou, ou fins de 2004 não lembro bem, houve uma reunião de desembargadores brasileiros, em Belém do Pará. O conclave sintomaticamente coincidia com o “feriadão” do Círio de Nazaré. Do encontro saiu um documento, com quatro itens, assinado por 32 desembargadores. Neles, não há nenhuma vírgula sobre a necessidade de romper com a lentidão da Justiça. Não havia nenhuma menção à importância de democratizar o acesso à Justiça. Não se leu uma palavra sobre a reforma do Judiciário e da urgência de um controle externo. Mas, entre os quatro itens havia um pedido escancarado: quando eles próprios, julgadores de qualquer instância, estiverem sendo investigados, sob suspeita de uma irregularidade qualquer, seus nomes devem ser mantidos em sigilo.
Trocando em miúdos: o nome de um magistrado sob investigação deve ficar em segredo, mas o cidadão comum, comum mas cidadão, que é quem paga a conta, não tem esse privilégio.
Imaginem se os médicos, reunidos em um encontro nacional, decidissem que aquele remédio menos amargo devia ser de seu uso exclusivo quando eles próprios adoecerem. Os demais pacientes, ao contrário, deveriam seguir usando outros medicamentos, menos eficazes e mais amargos. Isto não seria um absurdo?
Pois foi isto que pediu um grupo de magistrados brasileiros. E eles é que são bem pagos para fazer a justiça no Brasil. Este tema está baseado num artigo de André Petry, Revista Veja, edição de 20 de outubro de 2004, página 54.
Justiça social
Outro tipo de injustiça continua sendo praticado, pelo SUS, por exemplo, contra os mais pobres, os que têm a infelicidade de não poder pagar um plano de saúde. Uma mulher, pobre, negra e de baixo padrão cultural marcou uma radiografia, pelo SUS, em Canoas. Mandaram que ela fosse, três meses depois, ao hospital, para “bater a chapa”. No dia marcado, ela levantou às cinco da manhã e foi para a fila. Quando foi atendida, pelas sete e meia, recebeu como resposta do frio burocrata: “Este serviço não é feito mais aqui...”. Lá se foi ela para outro lugar, marcar novo procedimento, para dali há três meses.
Nas bem-aventuranças
No evangelho, Jesus promete que os bem-aventurados que têm fome e se de justiça serão saciados...(cf. Mt 5, 6). Vendo a justiça distanciar-se, cada vez mais da população, vendo o agigantar-se a injustiça em todos os segmentos da sociedade, a gente fica se perguntando: será que a justiça só vai acontecer “na outra vida”?
o autor é escritor, filósofo e
Doutor em Teologia Moral