A QUESTÃO DO PREÇO JUSTO
Uma digressão acerca da interação entre direito e economia.
01. ESTÍMULO INTRODUTÓRIO
Os efeitos mais imediatos da globalização frente às relações econômicas e jurídicas que dela decorrem começam a ser sentidos, tanto interna como externamente. O fato de maior relevância, talvez seja, a nosso ver, a evidente necessidade de ter-se regras claras e bem determinadas nas relações entre consumidores e fornecedores, bem como entre os próprios fornecedores naquele específico ramo recente do direito que se denominou de Direito da Concorrência. É nesse campo novo, vasto e ainda inexplorado que as relações entre empresas se darão de forma mais transparente que for possível, bem como margeadas e limitadas pelo direito, não enquanto apenas ciência mas como princípio basilar de “dar a cada um o que lhe é de direito, segundo uma medida”.
Vamos, apenas por um instante, reservarmo-nos à análise da dita medida contida na expressão acima, valendo-nos para tal intento, deste novo segmento do direito que surgiu como decorrência não apenas da globalização, mas também como desdobramento normal das relações jurídico-econômicas neste novo milênio.
É pura pretensão de nossa parte tentar desvencilhar a assertiva acima a partir de uma ciência que ainda se encontra embrionária e cujos princípios ainda se encontram em fase de absorção pelo mundo externo, também considerado como direito em concreto. Necessário será, sem sombra de dúvida, lançarmos mão das ciências econômicas e de suas diversas interpenetrações no ambiente das relações humanas e empresariais.
O que se almeja, neste pequeno opúsculo, compõe-se de uma tarefa, aparentemente simples, mas ao mesmo tempo revestida de tal complexidade que seu resultado, senão satisfatório, pelo menos trará um pouco mais de luz sobre tema tão recente, tão atual e tão necessário para a compreensão de como se darão as relações econômicas entre os agentes econômicos e seus eventuais desdobramentos frente à economia e, principalmente, frente ao direito que, deverá – precipuamente – realizar-se de “dentro para fora”, lançando seu olhar de forma modificada sobre o universo concreto que se descortinará à sua frente.
Nossa pretensão restringe-se ao estabelecimento de uma diretriz entre o antigo princípio insculpido nos códigos e regente dos contratos – o pacta sunt servanda – frente ao instituto da concorrência, sob o aspecto específico de estabelecimento do preço justo, evitando que ambos se tornem uma antinomia e possam conviver tal qual um binômio, suficiente e necessário para o curso de qualquer relação econômica à luz do direito.
02. APARATO HISTÓRICO.
Partindo-se do conceito elaborado por Washington de Barros Monteiro, segundo o qual: “Contrato é o acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir direitos”, externaliza-se, de imediato, dois princípios basilares que regem qualquer contrato, quais sejam: o da autonomia da vontade e o da finalidade do social dos contratos. Em consonância com o princípio que acima enunciamos (pacta sunt servanda), os dois princípios compõe a estrutura necessária para que a relação entre dois indivíduos ocorra dentro dos ditames estabelecidos pelo direito, ou seja, dar a cada um o que lhe é de direito.
Trata-se a autonomia da vontade de direito subjetivo que pondera a faculdade de agir do indivíduo, ou seja, o poder que tem ele de decidir os limites e contexto em que se operará as condições constantes do contrato celebrado como outrem, limitado que é, apenas pelo princípio da legalidade. Ou seja, o indivíduo possui liberdade para contratar, guardadas as devidas proporções, com quem quiser, desde que pactue com outro em condições de igualdade e de lealdade (princípio da boa-fé objetiva). Esta liberdade não vem de per si apenas e tão somente para satisfazer interesses de ordem pessoal, pois ao lado deste princípio, encontra-se também o princípio da finalidade social dos contratos que estabelece que todos e qualquer ajuste formal entre interessados deve produzir efeitos benéficos na sociedade com a circulação de riquezas que contribuem para a harmonia social.
Estes princípios trazem em seu bojo um preceito de ordem natural, pelo qual, dar a cada um o que é seu, por direito e segundo uma medida, compõe a infra-estrutura das relações humanas à luz do direito, não apenas enquanto ciência, mas também como pressuposto filosófico que ilumina a existência humana em um ambiente socialmente desenvolvido – ressaltando-se que esse desenvolvimento não precisa encontrar-se revestido de sofisticação – bastando apenas compor-se de ambiente social, de convívio entre indivíduos com os mesmos anseios e com as mesmas oportunidades.
Não nos esqueçamos que dentro deste contexto, imperioso observar-se que a igualdade de oportunidades e de possibilidades deva ser a base sobre a qual esta infra-estrutura assentar-se-á de modo a produzir efeitos e gerar resultados para todos os indivíduos à sua volta e, portanto, vincular os bens gerados pelas relações econômicas à distribuição igualitária e eqüidistante para todos.
Desta forma, temos que os contratos são instrumentos válidos e eficazes para a produção e circulação de riquezas dentro do meio social e que da sua regulação jurídica decorre a efetiva possibilidade de auferir bem-estar à todos os seus integrantes, razão pela qual os princípios que foram acima discutidos são curiais para que tais contratos bem como as relações deles decorrentes venham, de fato, a produzir resultados fáticos e jurídicos no mundo real (concretitude efetiva do direito). Cria-se, a partir de então, uma verdadeira comunidade econômica, visto que os contratos, ao aperfeiçoarem-se ao longo da estrutura social, produzem e fazem circular riquezas, constituindo a par da sociedade uma outra (ou melhor, a mesma) de conformação econômica, pela qual os indivíduos relacionar-se-ão através de resultados positivos ou negativos financeiramente apreciáveis sob a forma de bens, produtos e serviços que se encontrarão, perenemente, a disposição de todos em plena equivalência de oportunidades, valendo tanto para quem consome como também para aqueles que alocam-se na posição de fornecedores (capitalistas, investidores, fomentadores e alocadores de recursos).
03. DA NATUREZA JURÍDICA DA LIVRE INICIATIVA.
Do que expusemos até aqui, denota-se que a livre iniciativa, enquanto princípio de ordem econômica, constitucionalmente previsto em nosso texto magno (vide artigo 170 da Constituição Federal), visa assegurar a oportunidade a todos aqueles que se disponham a produzir e fazer circular riquezas, extraindo dessa condição um retorno aumentado de seus investimentos, enquanto agente econômico responsável por tal procedimento e regulado por certas condições mercadológicas, sociais, econômicas, políticas e jurídicas, de modo a evitar-se quaisquer abusos ou excessos que venham a ferir o preceito da igualdade de direitos.
Assim temos que é a partir da livre iniciativa que se constrói o edifício de uma comunidade econômica, proporcionando condições mínimas, porém plenamente válidas para que a conjuntura social possua instrumentais que lhe possibilitem a manutenção e pleno desenvolvimento. Constitui-se de arcabouço mínimo necessário para que os agentes econômicos possam interar-se de forma harmônica e contínua, sempre na direção do bem-estar geral e da satisfação plena de necessidades ilimitadas que, juntamente com recursos escassos vão compor o a equação que a economia, eternamente, tentará solucionar.
Assim sendo, temos que a natureza jurídica da livre iniciativa reveste-se de principiologia necessária ao desenvolvimento de uma ordem econômica que devidamente regulada e juridicamente estruturada propiciará aquela almejada existência digna que se torna preclara no texto magno. E é dentro deste contexto que faz-se necessária a constituição de premissas que proporcionem o livre, porém ordenado desenvolvimento econômico.
Dentre essas premissas, encontramos o princípio da livre concorrência que se torna também curial para que o desenvolvimento econômico com ordem prospere, vindo a gerar os frutos necessários para que todos possam beneficiar-se em pé de igualdade de oportunidade e acesso. Aliás, acerca do direito de acesso ainda falaremos a seguir.
04. A LIVRE CONCORRÊNCIA E A TUTELA JURISDICIONAL.
Inicialmente, temos que o princípio da livre concorrência parte de pressuposto que as ações econômicas, ao mesmo tempo em que produzem efeitos benéficos podem, muitas vezes serem sobrepostas pelos eventuais – porém possíveis – efeitos maléficos, fazendo, então, surgir o interesse do Estado em tutelar tais ações bem ainda seus efeitos junto à terceiros e também junto à comunidade. Cabe ainda impender que tais ações exigem necessário grau de licitude a fim de reverter-se em efetivo benefício para a comunidade, e, desta forma,, quando de uma análise jurídica ver-se-á que tal princípio encontra-se regido por outros, os quais necessitaremos estudar mais ou menos detidamente, com o intuito de atingir o conceito de foi expendido no início deste trabalho.
Desta forma temos que a livre concorrência compõe-se de uma rede de princípios jurídicos dos quais lhe emanam validade e eficácia e que podem ser descritos da seguinte forma:
4.1 – PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE COMÉRCIO.
Pelo qual têm-se garantida a propriedade individual consoante a sagração do princípio da livre iniciativa, assegurando o pleno funcionamento de uma economia de mercado.
4.2 – PRINCÍPIO DA LIBERDADE CONTRATUAL.
Trata-se do conhecido princípio do “pacta sunt servanda”, agora, restrito pelo conceito de direitos difusos e coletivos que não podem ser fragilizados pela irrestrita liberdade contratual, justificando, então, a intervenção estatal no âmbito das relações privadas a fim de evitar-se ou mesmo coibir-se abusos.
4.3 PRINCÍPIO DA IGUALDADE.
Guardadas as devidas proporções o princípio aqui enunciado restringe-se a um objetivo mais específico, qual seja: resguardar entre os agentes econômicos a igualdade de acesso ao mercado, limitando a prática de atos que visem restringir a ação de outros integrantes.
4.4 PRINCÍPIO DA REGRA RAZÃO.
Trata-se de princípio cuja efetividade está em diferenciar o bom truste do mau truste, ou seja, o bom agrupamento econômico (vertical ou horizontal), daquele cuja intenção reveste-se de preceitos anti-concorrenciais, sob uma ótica mais social do que econômica, mas ainda preservando a competitividade do mercado.
05. DIREITO CONCORRENCIAL EM SUA ESSÊNCIA E O RESPEITO AOS PACTOS.
O conjunto de principiologia acima enunciados não são exaustivos, até porque sabe-se muito bem que direito e em especial direito concorrencial são ciências em construção e, deste modo, não se permite uma abordagem absoluta, mas apenas relativa, fato este que nos interessa apenas e tão somente em termos acadêmicos no tocante à abordagem deste trabalho. Temos, então, que este novo ramo do direito tem por preceito fundamental a preservação da liberdade de escolha, o livre-arbítrio em agir de acordo com interesses próprios – desde que não objetivem a afetação do interesse comum – com vistas à oferecer ao mercado bens, produtos e serviços que atendam as necessidades, constantes e diferenciadas, que os consumidores diuturnamente desenvolvem com vistas ao atingimento de um melhor nível de bem-estar e satisfação.
A livre concorrência emerge, assim, como preceito originário da livre iniciativa com arcabouço de atendimento à liberdade econômica em busca constante e perene de ordem social dentro de um estado democrático de direito, justificando-se os meios legalmente permitidos dos quais valem-se os agentes econômicos para atingimento de seus fins, sendo certo que qualquer evento que possua a intenção de corromper a função sistêmica editada pela livre-concorrência deva ser coibida por uma ação estatal, constituindo-se em verdadeiro processo regulatório das atividades sem incorrer-se em excessos ou abusos pelos quais o Estado revista-se de interesses fisiológicos decorrentes de uma ação política que encontre-se adstrita aos interesses de grupos econômicos reunidos em pequenos lobbys, cujos meios são mais que suficientes para justificar-lhes os fins.
Temos, então que a livre concorrência exige, de per si, que “os acordos devam ser cumpridos”, precavendo-se de atos ou ações que possibilitem a ineficácia dos princípios que regem o estatuto constitucional, ou ainda sua absoluta invalidação dentro de um cenário democrático do Estado de Direitos, impedindo assim que a estrutura social possa valer-se dos benefícios de uma concorrência eficaz, ampla, destituída de interesses particulares, e ainda, com um espectro de ação que não seja ofuscado pela ação de minorias de qualquer espécie compondo-se em agrupamentos econômicos que – verticalizando ou horizontalizando radicalmente as estruturas – impedem o consumidor ao livre acesso aos bens, produtos ou serviços que lhe sejam úteis e necessários para sua sobrevivência e, mais ainda, para sua sustentação autônoma.
É dentro do cenário aqui desenhado que se travam as relações entre consumidores e fornecedores, bem como entre os fornecedores, todos, sem exceção, observados de perto pela ação estatal regulatória e não intervencionista como antes se observava, pois, no atual estágio, é o Estado um agente que desenvolve suas atividades em dois sentidos: um, chamado de ativo, pelo qual busca o Estado o equilíbrio entre o interesse público de investidores (fornecedores) em relação a consumidores; e outra, chamada de reativa, que decorre do processo de desestatização objetivando uma maior transparência na exploração pelo particular de atividades que até então eram desenvolvidas pelo Estado, aferindo a eficácia e a eficiência do sistema, sem excessos oriundos de interesses econômicos privados em detrimento dos interesses gerais que se mostram, hoje, como os mais altruístas – perenes e necessários – ao bem estar da própria sociedade que integra-se ao mercado como um conjunto harmônico amenizando os efeitos. da dita selvageria da globalização – esse novo leviatã que se apresenta perante todos nós como um engolidor de expectativas e anseios cultivados ao longo de um processo histórico repleto de eventos que mostraram que soluções integrativas da sociedade surgem apenas quando há uma crise que se avulta em nossos horizontes.
Neste contexto, o integro cumprimento dos contratos mostra-se como preceito jurídico atualizado e plenamente válido para que todas as relações concorrenciais possam acontecer dentro de uma atmosfera de legalidade e de igualdade, mostrando que o direito concorrencial também têm como instituto que lhe compõe a estrutura filosófica a idéia de solidariedade – aquela solidariedade enunciada por Bobbio – declarando que as ações revestidas de juridicidade são ações que possuam a plena consciência solidária entre seus participantes, sem meneios de exclusividade ou de interesses menores. Todos estão, assim, sujeitos à um princípio comum de solidariedade que permeia os institutos jurídicos, sociais, econômicos e mesmo políticos, constituindo-se no germe do qual nascem as relações humanas, inclusive as de caráter competitivo, posto que, a competição pode ser saudável e humanizadora, desde que observado o necessário clima de altruísmo, ou melhor, de solidariedade entre os agentes, e destes em relação ao Estado.
Inegável e cristalino, então, que as relações de clima competitivo entre fornecedores-produtores, deverão, necessariamente, dar-se em um clima de absoluta liberdade de escolha, ou melhor, de livre iniciativa, porém limitadas (dir-se-ia reguladas), por um ordenamento jurídico cuja ênfase possua como eixo orientador a ação consciente e justa combinada com uma dose de solidariedade que trouxesse para si o encargo de auto-realizar-se, porém, respeitando o integral cumprimento de acordos, tratados, ou melhor, contratos e ajustes celebrados pelos seus participantes onde a ética possuísse certo grau de independência conduzindo todos rumo ao bem estar comum, o bem maior que se almeja atingir aqui.
Assim sendo, não restam dúvidas de que os pactos (acordos) devam ser cumpridos, sempre que permeados pelo princípio da solidariedade que o mundo jurídico jamais se olvida de considerar como elemento válido e eficaz para o atingimento das metes econômicas dentro do universo concorrencial – obviamente, consideradas também as relações decorrentes com os consumidores, elementos subjacentes e integrativos de um economia de mercado – aqui tomado como elemento participativo do chamado DIREITO DE ACESSO, pelo qual todos são iguais em oportunidades e expectativas, sem quaisquer exceções que possam ser tomadas como limitadas ou restritas por anseios particularizados de uns poucos.
06. UMA BREVE CONCEPÇÃO DE PREÇO JUSTO.
Antes de ousarmos uma efetiva concatenação do acima exposto com o tema inicial, cabe-nos a difícil tarefa de esposar o conceito de preço justo, tendo em vista que tal elemento constitui-se no centro das relações econômicas, sejam elas tratadas como concorrenciais ou de fornecedores versus consumidores, pois é o preço o elemento formador da relação contratual dentro do universo econômico, não se podendo, atualmente, vislumbrar tal universo sem considerar-se esse elemento que se integra de maneira despudorada em nossa vida diária.
O preceito jurídico romano, pressupõe como preço como composto de dois elementos básicos: avaliação e pecúnia; o primeiro consiste em uma apreciação subjetiva volitiva que será objeto de crítica pelo oponente – ou melhor pelo agente que interagirá com o outro – de tal forma que após uma análise crítica levada a efeito por ambos os agentes, ter-se-á, ao final, uma congruência lógica e satisfativa de interesses, de tal forma, que segue-se o segundo elemento – a pecúnia – que nada mais é que o montante financeiro que expressa em moeda a realização da subjetividade manifestada pelos agentes. Compõe-se, assim o preço de um bem, produto ou serviço, não nos esquecendo que a avaliação, porque imbuída de subjetividade, pressupõe que os agentes atuem no sentido de ver seus interesses satisfeitos, exigindo, então, que se opere dentro de uma atmosfera de regularidade e de juridicidade – inclusive a fim de evitar-se o ilícito e, até mesmo, o antijurídico.
Todavia, como sabemos o que é um preço justo? Na verdade não sabemos, apenas deflui-se como resultado de um amplo processo de negociação de interesses, as vezes diversos, as vezes difusos, e, muitas vezes, repletos de volitividade, fator este que normalmente encontra-se associado à situações de crise ou mesmo de confronto e que, pela sua própria natureza, exigem um solucionamento que se opere dentro de certos limites de bom-senso e de uma medida eqüitativa (a medida que nos referíamos no início deste trabalho), uma medida fundada e estruturada em consonância com o universo jurídico que permeia todas as relações humanas – sejam elas negócios simples, ou mesmo complexos e que envolvam, total ou parcialmente, um coletividade socialmente abrangida.
Desta forma, poderíamos ousar afirmar que preço justo nada mais é do que o preço resultante da ampla negociação, regulada por dispositivos eficientes, coesos, éticos e necessários à concretização dos interesses de todos os envolvidos, minimizando-se ao máximo os efeitos das crises ou confrontos advindos dessa negociação independente de sua amplitude e do grau de complexidade que ela pressuponha.
Originalmente, dentro de uma análise econômica, poder-se-ia considerar como preço o resultado da soma de custo mais lucro, fórmula esta inicialmente aceita pela escola fisiocrática da economia e que durante muito tempo vigorou como preceito formal válido para estabelecer as negociações no mercado concorrencial, visto que possibilitava uma concretitude de interesses cujos confrontos eram minimizados pela máxima interferência do Estado enquanto elemento que se integra de maneira forçada ao mercado, justificando suas táticas como absolutamente indispensáveis ao bom funcionamento do sistema econômico (tanto do ponto de vista macro-econômico como também sob a ótica micro-econômica).
Modernamente, o que se verifica é uma mudança radical na abordagem da fórmula acima enunciada, sendo certo que tal mudança irá operar alterações dramáticas na fundação e estrutura de tal sistema, visto que irá determinar uma nova forma de abordar-se as relações concorrenciais e de consumo. A ótica primordial dessa abordagem se constitui na inversão da fórmula originalmente enunciada adotando-se que não mais o preço seja a referência, mas sim o lucro.
O lucro, enquanto resultado do investimento levado a efeito pelo capitalista, antes era por ele determinado; ou seja, o detentor dos meios de produção era quem estipulava a margem de ganho que lhe seria auferida como resultado final do produto, bem ou serviço oferecido ao consumidor, sendo certo que a única interferência possível far-se-ia através da ação intervencionista do Estado, determinando, inicialmente pisos e tetos para a prática de ações econômicas, para, posteriormente, estabelecer margens ou mesmo a fixação prévia de preços a serem praticados por certos agentes em mercado cuja concorrência era incípita ou inexistente – tudo isso justificado pela proteção aos interesses tidos como gerais e universais, coibindo-se práticas abusivas como a formação de cartéis e trustes que açambarcavam o mercado impedindo a concretização de negócios que possibilitassem uma melhor qualidade de vida para todos.
Cabe salientar que não nos cabe aqui condenar ou absolver tal procedimento, até porque o próprio cenário econômico justificasse atitudes intervencionistas do Estado, esquecendo-se mesmo que dentro dele outras forças particularizantes operassem em interesse próprio, sob a aura de uma justificativa extremamente nobre que era a proteção do interesse geral, o qual deveria sobrepor-se ao interesse restrito de alguns. O que fica desta análise é a consideração de seus efetivos resultados, agigantando o poder do Estado de ditar regras e procedimentos dos agentes econômicos e impedindo que novas fronteiras pudessem ser estabelecidas para, posteriormente serem vencidas com a promoção de progresso com eficiência e bem-estar para todos.
A figura etérea da globalização, assim como se vislumbra nos dias de hoje, foi aperfeiçoando-se, pouco a pouco, e trouxe até nós a idéia de que preço deva ser uma resultante de custos acrescidos de margem de lucro – porém, quem agora dita o lucro não são mais apenas os investidores em concílios categoriais com pretensões ousadas, mas privatisticamente adotadas – que, deste momento em diante seria ditado pelo consenso entre fornecedores e consumidores, constituindo um verdadeiro e necessário equilíbrio de forças e viabilizando maior alcance de resultados benéficos (mais efetivos que os maléficos) à toda a coletividade que necessitasse daquele bem, produto ou serviço, operando como uma irresistível aproximação entre os diversos mercados, bem como exigindo mais integração entre os agentes econômicos, locais, nacionais e transnacionais, tudo isso sob um clima de liberdade consciente e margeada por ética e solidariedade.
Inobstante o acima descrito, temos agora não mais um Estado intervencionista, um leviatã sem medidas e sem rodeios, mas uma entidade reguladora, aprioristicamente assumida com tal, e revestida, agora, do verdadeiro espírito de solidariedade que emana como instituto jurídico suficiente e necessário para a composição de melhores e maiores condições de operacionalidade e funcionalidade dos meios e aos agentes econômicos, constituindo uma rede eficiente de fornecimento de bens, produtos e serviços, com maior distribuição de renda, tanto sob o aspecto interno (Produto Interno Bruto), como externo (Balança Comercial).
Essa coesão entre preço e lucro exige que o universo jurídico promova uma imediata adaptação de meios a fim de evitar-se erros ou enganos que promovam o enfraquecimento de uma estrutura que tal um recém-nascido, exige cuidados especiais a fim de crescer e desenvolver-se dentro de um cenário de economia capitalista sim, porém permeada por institutos políticos democráticos eficientes e em harmonia com o preceito da solidariedade. Decorre daí a necessidade de nunca olvidar-se, primeiramente, do enunciando de que os pactos deverão ser cumpridos sempre, porém ressalvando-se o interesse público (geral) em face de outros que procuram revestir-se do mesmo epíteto, desavergonhadamente encobrindo-se do manto da equidade e da justiça.
Ademais, não nos esqueçamos, nem nos distanciemos do que foi dito no início deste trabalho acerca de dar a cada um o que lhe é devido, segundo uma medida – a medida, in casu, fulcra-se especificamente de preceito de justeza dentro de um clima de absoluta solidariedade, proporcionando à empresas, empreendedores, capitalistas e consumidores oportunidades iguais para obtenção e realização de seus anseios, bem como o oferecimento de regras claras, pelas quais todos possam atuar de modo equilibrado e coeso, evitando-se mudanças bruscas e a adoção de medidas emergenciais que não se encontrem revestidas de pleno direito e de justeza para todos que integram o conjunto econômico e social – cenário onde ocorrem todas as ações e onde se operam todas as transações constituídas por interesses comuns – interagindo entre si e com o Estado que agora se apresenta não mais como algo acima de todos, mas sim como parte integrante do meio econômico e social e plenamente vinculado à regras jurídicas claras. e democraticamente desenvolvidas, assomando-se assim como medida plena da solidariedade que pode ser plenamente acessada por todos; o direito de acesso a que nos referimos não pode ser apenas um instituto principiológico visto de distância e apenas disponível àqueles que desejam vê-lo; deve muito mais do que ser, parecer atingível por todos, posto que por seu intermédio poder-se-á, efetivamente, atingir a solidariedade a qual o direito deva servir como fiel guardião dos indivíduos, de suas relações, de seus resultados e, acima de tudo dos anseios comuns que desde os primórdios conduziram o homem em direção à um futuro integrado por equilíbrio e finalidade justa para todos.
07. TENTANDO CONCLUIR.
Deveras ousado seria uma conclusão definitiva do que foi até aqui exposto, visto que, como dissemos, trata-se de uma ciência em construção, e, como tal, não poder-se-á ter uma visão conclusiva e definitiva sobre os caminhos e destinos que o direito concorrencial assumirá no futuro – próximo ou distante – sendo certo, porém que uma lição pode-se extrair do texto presentemente esposado.
Trata-se de uma concepção de que os acordos deverão ser cumpridos também pelos fornecedores – entre si – procedendo em consonância com interesses coletivos, tanto do próprio meio, como em decorrência das relações com consumidores; porém tal cumprimento deverá dar-se dentro de princípios claros e efetivos – como o preço justo – praticados por todos como forma de realização dos contratos, dando a cada um o que lhe é devido dentro da medida do que é justo e do que é bom. O bom que prevalecerá após as transações e que se sublimará para dentro da estrutura jurídica e social como decorrência de uma infra-estrutura econômica também alojada na mesma medida de justiça e bondade.
E, veja-se que ao enunciarmos o pressuposto da solidariedade como elemento suficiente e necessário para que as relações jurídicas aconteçam da forma mais ética possível, este não se mostra solitário, isolado de tudo e de todos, tal qual verdadeira utopia que não se concretiza exceto quando invocado em meios acadêmicos ou universitários. Trata-se de pressuposto válido e eficaz quando aliado ao deslocamento do princípio da boa-fé que, neste cenário extrai-se do indivíduo (um pressuposto internalizado) para dele projetar-se em direção ao vínculo estabelecido entre ele e outrem, constituindo-se, então, em parte integrante da relação, de tal modo que a mesma não poderá efetivar-se sem que se observe a boa-fé como elemento integrado à relação jurídico-econômica.
E é neste cenário descrito que o direito concorrencial emana como instituto necessário ao desenvolvimento da economia e da sociedade que nada mais são que faces da mesma moeda, indissolúveis e conjunturalmente assumidos para dar a cada um o que lhe é devido, segundo a medida da justiça, da equidade e da verdade, eximindo-se todos seus integrantes dos riscos de verem-se perdidos e sem rumo ao sabor de interesses particulares, pouco nobres, é verdade, mas ainda assim restritos e desvestidos de qualquer possibilidade mais efetiva e mais duradoura que a efemeridade do resultado fácil e ao alcance de poucos.
Enfim, têm-se no direito concorrencial mais uma possibilidade, apenas uma possibilidade de realizar-se o princípio da igualdade na sua forma mais pura e original: o acesso de todos ao conjunto de bens econômicos e também jurídicos necessários ao desenvolvimento equilibrado e sustentável de uma sociedade justa e solidária, tanto internamente (justiça social para todos) como externamente (equilíbrio social de interesses antes conflituosos).
08. BIBLIOGRAFIA
BOBBIO, Norberto – Teoria da Norma Jurídica – 2. ed. EDIPRO – São Paulo – 2.003.
________________ - A Era dos Direitos – 14.ed. CAMPUS – Rio de Janeiro – 2.002.
_______________ - O Positivismo Jurídico, lições de filosofia do Direito – ICONE – São Paulo – 2.002.
COELHO, Fábio Ulhôa – Curso de Direito Comercial – 3ª ed. SARAIVA. São Paulo – 2.000.