Língua brasileira: O português de todos
Um dos maiores desafios que um professor de português enfrenta hoje em dia é exatamente a resistência dos alunos em relação à disciplina. O que deveria ser fácil e prazeroso passa a ser uma rotina detestável e pouco prazerosa para os aprendizes da língua. Esta problemática não só atinge as quatro paredes da sala de aula, como também é assunto da maioria dos brasileiros.
A questão está diretamente ligada à adequação da norma culta da língua, contradizendo toda uma bagagem lingüística até então conquistada pelo falante. Este preceito evidencia uma abordagem que os lingüistas vêm cuidadosamente pesquisando desde o século XIX, trazendo aos profissionais que alfabetizam nossos filhos uma ferramenta de suma importância para o ensino-aprendizagem da língua. Mais do que auxiliar os professores, a ciência da linguagem humana tem proporcionado aos usuários da língua uma oportunidade de observá-la concretamente, assumindo as diversidades que a mesma possui e aceitando a necessidade de ter que aprender as normas determinadas pela gramática.
Sabemos que a língua portuguesa é herança de um latim vulgar, e esta característica já menciona certa popularidade ao nosso idioma. Ora, se a própria origem já nos coloca neste patamar, como poderemos ignorar as variantes de nosso país?
Sendo o Brasil uma nação que possui uma rica cultura por sua diversidade, não poderia ser a língua, principal instrumento de comunicação, algo que fugisse à regra deste multiculturalismo. Quem nunca se deparou em situações engraçadas no momento de diálogo quando o interlocutor pronuncia uma determinada palavra inusitada? Ou ainda, um falante que possui pouco conhecimento da língua culta, que sem perceber acaba proferindo o que muitos determinam “pérolas” e o vêem como um total ignorante lingüístico? Na escola, por exemplo, essa realidade não é diferente. Alunos boicotam fala de colegas, intimidando todo e qualquer tipo de manifestação no ato da fala. Além disso, os próprios professores, que ainda julgam a inquestionável ou questionadíssima gramática normativa, a dona da verdade, acabam por traumatizar o aprendiz com tantas regras e exceções. Esquecem-se da evidência cultural, dos dialetos e registros existentes no nosso país.
Não queremos afirmar que na escola não se deve aprender regras gramaticais, mesmo porque isso seria um equívoco. Mas se temos material de extremo valor para o ensino do português brasileiro, por que desperdiçá-lo? A norma lingüística mostra-nos os cuidados que devemos tomar ao escrever para ser melhor compreendido, e ainda, as situações em que devemos utilizar na fala esta mesma norma. A questão seria de adequação, e não de prestígio. Não se pode, por exemplo, numa palestra de doutores e mestres, utilizar palavras populares, que demonstram certa intimidade. Da mesma maneira que não se pode ir a um baile de gala vestido de bermuda e chinelo.
Outro fator interessante é uma mesma língua ser falada de riquíssimas maneiras. Às vezes temos a impressão de estarmos em outro país, quando apenas nos deslocamos de uma região para outra. Isso se evidencia devido à miscigenação de nosso povo. Os falares populares de nosso país estão além de uma única investigação lingüística. Quem duvidar disso encontrará dificuldades para descrever o próprio idioma. E que idioma! De norte ao sul, de leste a oeste nota-se que nos distanciamos de Portugal. O Rei certamente não mais reconheceria sua língua tão nobre.
Diante destes fatos, cabe a nós, usuários da língua portuguesa brasileira, respeitar em suma toda e qualquer manifestação lingüística existente. Devemos admitir uma postura flexível, de respeito ao diferente. Isso vale não só aos professores, que são os maiores responsáveis pela aprendizagem das normas, mas como também para todos que se inserem no contexto da comunicação. Dominar a língua portuguesa é um desafio sim, mas respeitar e aprender a língua brasileira é, sem dúvida, o maior deles.