Credores, heim, quem diria?

O Banco Central assinala que, pela primeira vez na história, o Brasil se tornou credor externo. Isto vai muito além da dimensão simbólica, e evidencia uma política macroeconômica responsável e consistente, superando a vulnerabilidade deixada pelos erros dos governos passados.

Não estamos deixando para trás apenas uma crise cíclica, de conjuntura, mas essencialmente estrutural cuja saída ainda exige um conjunto de medidas de profundidade, visando a mudança na práxis do nosso desenvolvimento.

O que estamos ultrapassando – afirma o sociólogo Gilson Caroni, na Carta Capital – vem do modelo desenvolvimentista de JK, atravessa os 20 anos de ditadura militar iniciada em 1964 e se agrava com o modelo neoliberal implantado nos anos noventa do século passado.

Tal superação se dá em meio a uma reestruturação mundial do capitalismo, marcada pela caducidade de padrões tecnológicos e de produção. No ocaso da divisão prevalecente dos mercados e, mais importante de tudo, do crepúsculo da ordenação comercial amparada na hegemonia do dólar, a economia brasileira mostra sua vitalidade. Estão desaparecendo as trevas da nossa emergência.

Crescer para resgatar a enorme dívida social, com as contas externas saneadas, cala de vez os que falavam em continuidade do receituário neoliberal do passado, tanto quanto sinaliza o perigo de um eventual retorno dos que ainda pregam um Estado enfraquecido, mínimo, onde o cidadão não é reconhecido pela sociedade, mas pela capacidade de consumo. A cartilha de FHC igualava o mercado a uma divindade.

Há menos de uma década, é bom lembrar, a dívida externa do setor público somava R$ 103 bi, descontadas as reservas em dólar. Na época, o ex-presidente do BC, Gustavo Franco, não cansava de repetir que o governo FHC não tinha uma política do produtor, mas do consumidor. Para quê incentivos à produção se ela era orientada pela demanda do consumo? O fundamentalismo do mercado falava grosso. A supervalorização cambial, em uma só tacada, levou os US$40 bilhões obtidos com a privatização do patrimônio público.

Às vésperas das eleições de 2002, Luis Carlos Mendonça, ex-ministro das Comunicações resumiu com franqueza incomum o que foi a gestão “competente” do tucanato: “a utilização do câmbio deixou de ser componente do plano de estabilização e passou a ser um instrumento ideológico”.

Quando era presidente, Fernando Henrique Cardoso se propôs a superar a Era Vargas". Ou seja, fazer do Estado um apêndice do mercado. O que aquele sociólogo de plantão não poderia supor é que oito anos depois, o desafio fosse outro: como suplantar a "Era Lula" e restabelecer a velha política de terra arrasada que marcou o seu mandato? Pelo andar da carruagem, até José Serra está sendo reavaliado pelos roteiristas das redações. É feia a crise na locomotiva do atraso.

Os radicais da esquerda queriam o calote ao FMI. Já imaginaram se Lula tivesse deixado de pagar as dívidas? Só se espera que a direita não peça uma CPI da extinção da divida externa.

Filósofo e escritor

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 27/02/2008
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