O TEXTO ABERTO NA POESIA DE MARIA PETRONILHO 

O verso inicial na poesia de Maria Petronilho parece que vem quase sempre das ânsias, das recordações, dos medos da vida quotidiana, dos momentos de «matar a dor/da alma» (1) ou de «escrever/para me libertar de mim.» (2). Do seu discurso, da sua visão do cosmos, das suas saudades, das suas angústias, partem as palavras como aves soltas na aventura de viver um outro modo de cantar. A voz está presa a um tom magoado, mas vai subir e libertar-se nas paisagens oníricas:

 «A minha vida
 é feita de
 desertos 

 Levo a boca seca 
 e os lábios gretados
 de tantos gritos 

 Oiço ao longe um rio
 Vejo ao longe a luz 
 irisada
 das gotas de água 
 que brincam nos seixos 
 Porque haverá tanto caminho 
 mas nunca lá chego? 
 Quem me impede de alcançar 
 o oásis que brilha? 

 No silêncio, 
 imensos, famintos, 
 meus olhos acesos! (3) 

De outras vezes, como no poema Para a minha mãe, vai em busca de novos alentos: 
 «mãe coragem, atravesso 
 as altas chamas do mundo
 e como tu vou cantando 
 o fado que, nos calhando, 
  na nossa voz reconheço, 
 e de coragem recobro 
 do pouco de ti que lembro».(4) 

O turbilhão emotivo que atravessa esta poesia é um jogo de claro-escuro, de luz sombreada, de «parar no escuro/discernir o silêncio/para abranger a fulgência da luz/ e o prodigioso canto das cigarras.» (5) 

Maria Petronilho deixa sempre o texto aberto, isto é, nunca o fecha em mágoas ou em desencantos para poder ser partilhado, reescrito com outro vocabulário, com outros sonhos, com outras esperanças:

  «Sozinha
 ...mas companheira 
 da inquietação cavaleira 
 cavalgo no tempo ainda 

 ligeira e longe me leva 
- aventura, desventura- 
gaivota sem rumo que deixa
 argênteas pegadas n’areia 
adormecida e fria 

 e na lua 
 o círculo d’uma asa ferida
 velejeira que almeja 
 ainda espera 
 outra vida.» (6)
 
Nestes poemas de contrastes, de pulsações interiores e exteriores, de desassossegos e sobressaltos, existem algumas excepções. Uma delas está aí - Na Madrugada Medito: 
 «sou livre como vento
 Como este mar que sinto
 Como o solo aonde piso
 Como o ar onde me movo

 como a música que oiço 

como a luz e quanto vejo
 no amor por quanto sinto 
na paz de ser-se infindo.(7)



NOTAS

 
(1) Maria Petronilho, Nos Ponteiros da Alvorada, Edição de Autor, pg.5 
(2) Maria Petronilho, Nos Ponteiros da Alvorada, Edição de Autor, pg.6 
(3) Maria Petronilho, Nos Ponteiros da Alvorada, Edição de Autor, pg.56 
(4) Maria Petronilho, Nos Ponteiros da Alvorada, Edição de Autor, pg.17
 (5) Maria Petronilho, Nos Ponteiros da Alvorada, Edição de Autor, pg.51
 (6) Maria Petronilho, Nos Ponteiros da Alvorada, Edição de Autor, pg.70
 (7) Maria Petronilho, Nos Ponteiros da Alvorada, Edição de Autor, pg.90 


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