Deus e Einsten
Pessoal, lí este artigo no site AMAIVOS, achei interessantíssimo e resolvi postá-lo. Independente da religião que professamos, vale mais como esclarecimentos ao nosso oceano de ignorância. Boa leitura...
Albert Einstein (1879-1955), o mais célebre cientista do século XX, nasceu numa família judaica não praticante. Na infância teve uma fase de fervor religioso, mas aos 12 anos a leitura de livros de divulgação científica convenceu-o de que muitas histórias da Bíblia não podiam ser verdadeiras. Einstein afastou-se, definitivamente, das práticas religiosas.
Alguns ateus militantes, como Richard Dawkins, citam Einstein entre os cientistas ateus. No seu livro The God delusion, Dawkins escreve: “Einstein às vezes invocava o nome de Deus (e ele não é o único cientista ateu a fazer isso), dando espaço para mal-entendidos” (p. 36 da edição brasileira: Deus, um delírio). E denuncia “os apologistas da religião” que “tentam reclamar Einstein para o seu time” (p. 39).
Pessoalmente, sinto-me implicado na denúncia de Dawkins. Com efeito, anos atrás, citei a conhecida frase de Einstein: “A ciência sem a religião é manca; a religião sem a ciência é cega”. E acrescentei: “Na sua maturidade, Einstein defendeu uma ‘religiosidade cósmica’, baseada na presença de um poder racional superior, revelado no universo incompreensível” (Experiência de Deus: presença e saudade. 2ª ed. revista. São Paulo: Loyola, 2002, p. 14).
Para sair da dúvida, o leitor pode consultar a mais recente e completa biografia de Albert Einstein: Walter Isaacson, Einstein: His life and universe (2007), traduzida ao português pela Companhia das Letras (Einstein: sua vida, seu universo. São Paulo, 2007). Isaacson dedica todo um capítulo ao tema “O Deus de Einstein”. Nesse capítulo, o autor recolhe afirmações do pai da teoria da relatividade que permitem considerá-lo um homem religioso (em sentido amplo) e outras que o afastam da fé judaico-cristã em um Deus pessoal. Mais adiante, o autor cita uma frase paradoxal do próprio Einstein: “Sou um não-crente profundamente religioso” (546).
O biógrafo concede a palavra ao próprio Einstein: “Tente penetrar, com nossos limitados meios, nos segredos da natureza, e descobrirá que por trás de todas as leis e conexões discerníveis, permanece algo sutil, intangível e inexplicável. A veneração por essa força além de qualquer coisa que podemos compreender é a minha religião. Nesse sentido eu sou, de fato, religioso” (p. 394).
“A mais elevada satisfação de um cientista” é chegar à compreensão “de que o próprio Deus não poderia ter organizado essas conexões de nenhuma outra maneira a não ser da maneira que realmente existe, assim como não estaria em Seu poder fazer com que 4 fosse um número primo” (p. 395).
“Não sou ateu. O problema aí envolvido é demasiado vasto para nossas mentes limitadas. Estamos na mesma situação de uma criancinha que entra numa biblioteca repleta de livros em muitas línguas. A criança sabe que alguém deve ter escrito esses livros. Ela não sabe de que maneira nem compreende os idiomas em que foram escritos. A criança tem uma forte suspeita de que há uma ordem misteriosa na organização dos livros, mas não sabe qual é essa ordem. É essa, parece-me, a atitude do ser humano, mesmo do mais inteligente, em relação a Deus. Vemos um universo maravilhosamente organizado e que obedece a certas leis; mas compreendemos essas leis apenas muito vagamente” (p. 396).
Na conclusão de um pequeno livro intitulado The world as I see it (Nova York, 1949), conhecido em português com o título No que eu acredito, Einstein escreveu: “A emoção mais bela que podemos experimentar é o sentimento do mistério. É a emoção fundamental que está no berço de toda a verdadeira arte e ciência. Aquele que desconhece essa emoção, aquele que não consegue mais se maravilhar, ficar arrebatado pela admiração, é como se estivesse morto; é uma vela que foi apagada. Sentir que por trás de qualquer coisa que possa ser experimentada há algo que nossa mente não consegue captar, algo cuja beleza e solenidade nos atinge apenas indiretamente: essa é a religiosidade. Nesse sentido, e apenas nesse sentido, sou devotamente religioso” (p. 397).
Mas, diante da pergunta “O senhor acredita em Deus?”, Einstein respondia: “Não consigo conceber um Deus pessoal que tenha influência direta nas ações dos indivíduos ou que julgue as criaturas da sua própria criação. Minha religiosidade consiste numa humilde admiração pelo espírito infinitamente superior que se revela no pouco que conseguimos compreender sobre o mundo passível de ser conhecido. Essa convicção profundamente emocional da presença de um poder superior racional, que se revela nesse universo incompreensível forma a minha idéia de Deus” (p. 398).
Outras vezes, o autor da teoria da relatividade formulava assim seu conceito de Deus: “Acredito no Deus de Espinosa, que se revela na harmonia bem-ordenada de tudo o que existe; mas não acredito num Deus que se ocupe com o destino e as ações da humanidade” (p. 399). Dawkins cita esta última frase e relativiza as afirmações mais religiosas de Einstein, dizendo que “Einstein usou ‘Deus’ num sentido puramente metafórico, poético” (Deus – um delírio, p. 433).
No entanto, há uma clara discordância entre Dawkins e o biógrafo Isaacson. Julgue o leitor: Dawkins afirma que “(Einstein) indignou-se muitas vezes com a sugestão de que era teísta” (ib., p. 42). O biógrafo, pelo contrário, diz; “A vida toda Einstein foi coerente ao rebater a acusação de ser ateu. ‘Há pessoas que dizem que não existe Deus’, disse ele a um amigo. ‘Mas o que me deixa mais zangado é que elas citam meu nome para apoiar essas idéias” (Isaacson, p. 399).
“De fato –continua o biógrafo–, Einstein costumava ser mais crítico em relação aos que ridicularizavam a religião, e que pareciam carecer de humildade e do senso de deslumbramento, do que em relação aos fiéis. ‘Os ateus fanáticos’, explicou ele numa carta, ‘são como escravos que continuam sentindo o peso das correntes que jogaram fora depois de muita luta. São criaturas que – em seu rancor contra a religião tradicional como sendo o ‘ópio das massas’ – não conseguem ouvir a música das esferas” (ib., p. 400).
Concluímos que os ateus militantes, como Dawkins, não têm o direito de apresentar Einstein como “cientista ateu”. O próprio Einstein fazia questão de não ser incluído no time: “O que me separa da maioria dos chamados ateus é um sentimento de total humildade com os segredos inatingíveis da harmonia do cosmos (...) Você pode me chamar de agnóstico, mas eu não compartilho daquele espírito de cruzada do ateu profissional, cujo fervor se deve mais a um doloroso ato de libertação dos grilhões da doutrinação religiosa recebida na juventude” (ib., p. 399-400).
Da nossa parte, reconhecemos que o ilustre cientista alemão não acreditava no Deus da revelação judaico-cristã. Nenhum crente poderá rezar ao Deus de Einstein. Nós continuaremos a rezar ao Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, ao Deus dos antigos profetas de Israel, ao Deus dos salmistas e, sobretudo, ao Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem Jesus de Nazaré nos ensinou a chamar de Abba (Pai).
Einstein não conheceu o Deus de Jesus, embora se declarasse “fascinado pela luminosa figura do Nazareno” (Isaacson, p. 396), mas cremos que o buscou, ao buscar o sentido da vida, nas leis que regem o Universo. Quanto a nós, não podemos gloriar-nos de conhecer Àquele a quem o teólogo Karl Rahner chamou de “abismo de incompreensibilidade”.
Demos graças ao “Deus do silêncio”, que nos concede a liberdade de acreditar Nele ou de negar sua existência.
Por Luis González-Quevedo, S.J.