A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR

ou

“A cultura de Pilatos”

Por

Assis Machado

Conta um cronista que um dia, por mera hipocrisia e presunção, os fariseus foram ao encontro de Jesus de Nazaré para lhe colocar uma questão que definiria, sem margens para dúvida, qual o tipo de mentalidade por Ele incarnada. Era intenção dos fariseus colocar o Nazareno numa situação ambígua e tendente a retirar dela as ilações que lhes conviessem sob o ponto de vista político-social.

A questão era esta:

“ Rabi, temos connosco uma moeda que anda por aí em circulação, pelo que não sabemos o que fazer com ela. Que te parece?”

Jesus – que sabia perfeitamente o que é que eles pretendiam com esta ratoeira – retorquiu-lhes : “mostrai-me uma das moedas”. E em seguida, perguntou-lhes: “de quem é esta efígie ?”. “É de César, o Senhor de Roma!”. O Nazareno, fixando-os olhos nos olhos, respondeu-lhes com toda a frontalidade: “Ai, é de César? Então, tendes a solução: dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus!” S. Lc. 20, 25

Vem este exórdio a talhe de foice do “fenómeno socio-religioso” que está na crista da onda em Portugal, a propósito da já apelidada “guerra do crucifixo” em algumas terras mais conservadoras do país.

Por um lado, o Estado – em nome do republicanismo laicista, derivado das leis constitucionais – tende diluir subrepticiamente a polémica dizendo que as directivas governamentais ( uma delas, a que recomenda a retirada dos símbolos religiosos residuais nas escolas públicas ) apenas se justificam perante a existência de queixas impeditivas de um ensino e/ou educação neutrais, por outro lado, e aqui é que nós chamamos a atenção para a ambiguidade inter-Institucional desta nossa Sociedade: a CEP ( Conferência Episcopal Portuguesa ) resolveu «minimizar a importância da retirada dos crucifixos das escolas públicas», considerando-os mais como “sinais culturais do que símbolos religiosos”.

Ao mesmo tempo reconheceu a presença de símbolos de outras religiões nas escolas, “no quadro de um Estado-Laico que deve permanecer neutro perante as crenças”. E concluiu : “A Igreja não pode exigir que os crucifixos se mantenham nas escolas. Achamos ser antes uma questão de bom senso e respeito pela tradição cultural portuguesa”!

Ora, aqui é que reside a incongruente posição da Cimeira Eclesiástica. Considerámo-la um genuíno modelo de «cultura de Pilatos». A Organização máxima desta autoridade religiosa em Portugal, tal como Pilatos, lavou as suas mãos da responsabilidade de arbitrar este litígio de mentalidades ( mais que Cultura Nacional ) o que demonstra o seu desinteresse nesta causa – o que poderia servir de mil e uma maneiras para reforçar as suas teses, ainda recentes, da “nova evangelização” ou, o que será ainda mais grave, o seu interesse em não querer fazer valer, perante o Estado, as suas razões de ordem ancestral para justificar com conta, peso e medida, os seus direitos de preferência doutrinal ou, a manutenção de privilégios adquiridos no País, ao longo da sua História. Remeteu essa polémica para as frágeis populações minoritárias relativamente pouco civilizadas, chamando a essas manifestações de “sinais culturais”.

Por outro lado, abdicou de lutar pelo direito à manutenção dos símbolos nacionais fundamentais – entre eles o do crucifixo – que se encontra, ele mesmo incrustado no destino histórico da Nação. Trata-se não só do símbolo identificador de uma acção patriótica que, desde Ourique até às Índias, sempre tem servido de indicador de um destino comum : Portugal nasceu da simbologia da Cruz ( o 1º Rei, assinava à volta de uma Cruz ), cresceu na epopeia da Cruzada universal, a bordo das caravelas e consolidou-se à força da Espada num Império. E não falando aqui, para não extrapolar o polo discursivo, de alguns aspectos simbólicos adstritos à bandeira nacional.

Portanto, vir dizer-se que se está apenas perante “sinais culturais” e que são “manifestações residuais” de minorias é, convenhamos, pactuar com os interesses do Estado ( para não dizer Ideologia ) praticando, isso sim, uma verdadeira “cultura de Pilatos”… ou, como diz o povo duma forma metafórica, “metendo a cabeça na areia”.

Para concluir, quero apenas sublinhar que a CEP não quis assumir a responsabilidade que lhe competia para, servida por uma certa diplomacia farisaica, tentar empurrar para terceiros soluções endémicas do seu foro proselitista.

E não se venha afirmar, hipocritamente, que “não foi a Igreja que pediu que os crucifixos estivessem nas escolas. Foi em determinado momento da sociedade portuguesa que lá foram postos” ! Ora, quem é que já esqueceu a trilogia ideológica instalada na aurora do Estado Salazarista – Deus, Pátria e Família? A partir da Constituição de 33, por acção do espírito da Concordata com o Estado do Vaticano – sancionada e assinada em 1940 pelo Pontífice Pio XII – passaram a coabitar dentro das salas de aula de todas as escolas do país – como que justificando a moderna moral do Estado Novo – o retrato do primeiro magistrado da Nação ( Carmona ), o retrato do primeiro cidadão português ( Salazar ) e, no meio ( quem ? ) : o Crucifixo.

Se esta constatação foi obra do Espírito Santo ou, em alternativa, “mão de Cerejeira”, então estamos para já conversados.

FRASSINO MACHADO
Enviado por FRASSINO MACHADO em 16/12/2005
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