Estrela cadente

Um amor ideal não se realiza, assim como não se projeta um verdadeiro amor. É contraditório o espírito romântico, e o tempo só faz piorar a situação, na esperança que desespera, no silêncio do que termina.

A esperança – na linda e singela definição contida no romance A mulher de costas, de Márcia Tiburi – é um medo verde, brotado no peito dos que têm paixão. Medo que finde o nem começado, medo colado ao desejo de completude a luzir nos olhos de quem ama.

Aliás, Márcia escreve como quem filosofa, e filosofa como quem conta estórias. Durante o programa Saia Justa, do canal GNT, exibido na semana passada, ela resumiu numa sentença a mudança nas relações amorosas – transição pós-moralista, quiçá pós-romântica – que nos afeta.

Uma mulher que mora sozinha perguntou que espaço deveria reservar para o namorado em sua casa, sem perder a privacidade e o prazer da relação. Tiburi foi clara e distinta: “O seu corpo, apenas, e nada mais”.

A resposta foi ilustrativa do novo mundo amoroso que germina, a partir de um novo e bem-vindo protagonismo das mulheres. Na tradição romântica, o corpo do outro é exatamente aquilo impossível de ocupar.

Para fugir do impossível, o romântico tradicional pensava noutra coisa, e arrumava impossibilidades maiores. Marcel Proust, ao tratar da insuperável ansiedade dos apaixonados, chega a dizer que a sua busca são todos os pontos do espaço e do tempo já ocupados e ocupáveis pelo corpo da figura amada.

Daí o ciúme como extrato obrigatório da cultura do amor romântico. O ciúme é o que aparece junto com a prisão da utopia (e a utopia da prisão).

Na época pós-moralista – longe da superação do moralismo, que resiste e se reinventa, como observa Gilles Lipovetsky – o corpo é tanto a conquista quanto o limite da nova ética amorosa.

Para o sofredor romântico, o corpo do outro é menos objeto e mais imagem, menos real do que fruto de uma idealização – já que o que sobra é a fantasia, ante a ausência da concretização. Inclusive a fantasia dos ciumentos, diante do desejo impossível de talhe proustiano.

O corpo do outro, no romantismo clássico, é feito estrela cadente riscando mais a imaginação que o céu. È romantismo da alma: da essência intocada e intocável, que faz do outro um deus, e o aprisiona em reverência e vigilância.

No romantismo que desponta, o romantismo do corpo, o amor é compartilhado por dois sujeitos autônomos, que repartem o mesmo “objeto” da paixão. A noite estrelada deixa de ser o mote para um pedido exasperado, e se torna o espelho de laços oscilantes numa miríade de possibilidades.

Fábio Lucas
Enviado por Fábio Lucas em 16/02/2008
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