EXISTE RACISMO NO BRASIL?

Para quem não conhece, Femi Ojo-Ade é um professor e escritor africano, conferencista internacional e autor do livro "Brasil, paraíso ou inferno para o negro?". Usando como mote a famosa frase do ex-presidente norte-americano Franklin Roosevelt, que teria dito que no Brasil não existe racismo, o autor parte desse princípio para concluir que o nosso país é racista sim, e conclama os negros brasileiros a se unirem aos negros africanos e afro-americanos e reagirem à esse racismo mascarado.

Li o livro porque precisava fazer um trabalho de História e Cultura Africana. Confesso que não gostei, mas fiz o trabalho segundo a ótica que meu professor havia pedido. Depois, fiquei tão incomodado com o texto que preparei o adendo a seguir e entreguei junto com o trabalho.

MEU CARO PROFESSOR RODRIGO:

Tendo terminado o meu trabalho, senti-me na obrigação de dizer-lhe que discordo da posição adotada pelo autor do texto, o professor Ojo-Ade. Na verdade, não vejo muita diferença entre suas opiniões e a de qualquer racista de cor branca que incentiva a separação entre as raças e a consequente guerra inter-racial que sempre irá advir dessa separação. Acho inconcebível que em pleno século XXI, quando a maioria dos seres humanos já entendeu que união é fator primordial para a paz no mundo, pessoas ainda pensem com a mentalidade de séculos atrás e utilizem palavras de ordem como "orgulho", "unificação", "luta definitiva", "nossa raça" e etc. Há poucos anos, um homem utilizou-se destas mesmas palavras para levar todo um país a uma catastrófica aventura militar. O nome dele era Adolf Hitler, lembra-se?

Sim, existe racismo no Brasil, como em qualquer parte do mundo. Até mesmo na África. Por que será que o professor Ojo-Ade procura enfatizar que o negro é vítima do branco opressor e esquece convenientemente que, como a História nos ensina, a diáspora foi iniciada quando os próprios negros venderam seus irmãos de cor considerados "inimigos" aos brancos? Até mesmo o senhor, um professor branco que leciona cultura negra, acaba vítima da metralhadora giratória de Ojo-Ade, quando ele afirma que "O congresso brasileiro de 1997 mostra outra vez que são pesquisadores brancos que estão falando sobre o negro".

Ele pede que o Brasil tenha um presidente negro, e bem negro de preferência. Ora, Idi Amin Dadá era negro, e bem negro por sinal, como pede o professor Ojo-Ade, e foi presidente de um país africano. Ditador. Corrupto. Assassino. Louco. A cor da pele tem algo a ver com competência? Não creio. A cidade de São Paulo foi administrada por um negro tempos atrás, Celso Pitta. Preciso dizer mais? O Brasil não precisa de um presidente negro, o Brasil precisa de um presidente competente, honesto e que respeite o povo que governa. Aliás, todos os países do mundo precisam de homens assim, e o que menos importa é que cor de pele eles têm.

Continuando, ele condena a multirracialidade, chega a chamar o professor Gilberto Freyre, um dos mais conceituados sociólogos do mundo, autor do clássico "Casa grande e senzala", de "racista mascarado". Mostra-se contra a miscigenação brasileira que, segundo ele, gera negros "morenos", com a desculpa de "embranquecimento da população". Isso não seria racismo explícito? Lembra-me uma passagem do livro "Negras raízes", do professor americano Alex Haley, onde as mulheres africanas mais claras tinham que pintar o rosto de tinta preta para parecerem negras "autênticas". Imagino que a filha de Mr. Ojo-Ade jamais poderá apaixonar-se por um homem branco, sob pena de que seu filho nunca tenha um avô materno.

Por fim, ele prega o orgulho racial do negro. Meu querido professor Rodrigo, o senhor sabe qual é a diferença entre um negro que ostenta uma camiseta com os dizeres "100% negro" e um branco com uma camiseta que diz "100% branco"? A única diferença é que o branco pode ir parar na cadeia por racismo. Onde está a tão propagada igualdade perante a lei de que fala a nossa constituição? Sim, eu sei que os negros foram massacrados num passado recente e que as feridas ainda estão abertas. Mas será que um erro justifica outro? Creio que não. O pastor Martin Luther King, que era negro, disse no seu mais famoso discurso, pouco antes de ser vitimado pelo ódio racial, que sonhava em ver um mundo onde todos vivessem como irmãos. Infelizmente, quando se fala tanto em orgulho, seja ele de que tipo for, esse sonho fica cada vez mais distante. Orgulho é uma palavra feia, arrogante. A grande maioria das guerras começaram por causa do orgulho racial. Pessoas matam e morrem todos os dias por orgulho. Sou negro, mas isso não me provoca nenhuma sensação extrema, nem de orgulho nem de vergonha. É apenas melanina, substância produzida pelo corpo humano para proteger a pele dos raios ultra-violetas. Isso não me faz melhor ou pior que ninguém. Honestidade, sim. Paciência. Competência naquilo que faço. Bom humor. Bom senso. Otimismo. Respeito pelas diferenças. Isso tudo me faz um ser humano melhor, não a cor da minha pele.

É louvável que no mundo tenhamos pensadores de todas as raças e que eles tenham liberdade de pensamento, mas quando leio textos panfletários como este tenho certeza que os grandes escritores nunca tiveram cor. Vide Machado de Assis, que era negro numa época de escravidão e racismo absolutos, e venceu pela sua capacidade, sem nunca ter sido panfletário. Fez da sua vida o exemplo de que um homem não pode ser julgado pela cor da sua pele e sim pelo seu talento, tornando-se um dos maiores escritores brasileiros, reconhecido internacionalmente.

Penso que enquanto houver pessoas que pensam como o professor Ojo-Ade, as guerras raciais continuarão a acontecer pelo mundo afora. Uma pena, temos um planeta tão bonito, que fico imaginando, como Lennon, que era branco, como seria se não existissem guerras nem raças.

PS: mesmo discordando do texto, entendo que o professor Femi Ojo-Ade tem todo o direito de expressar a sua opinião. Como já dizia Voltaire, que eu não sei de que cor era, "Discordo de cada palavra do que dissestes, mas defendo até à morte o teu direito de dizê-las."