Vygotsky e Bruner: interações entre aprendizagem e desenvolvimento e suas implicações no contexto da gestão escolar
Vygotsky e Bruner: interações entre aprendizagem e desenvolvimento e suas implicações no contexto da gestão escolar (1)
Oséias Santos de Oliveira (2)
Resumo
O desenvolvimento da aprendizagem e as vivências do meio sócio-histórico estão profundamente imbricados, portanto, cabe à escola e aos educadores considerar este pressuposto e fazer do meio educativo um espaço para o pleno desenvolvimento do cidadão. No presente artigo busca-se refletir sobre as idéias de Vygotsky e Bruner, fazendo-se uma relação entre o pensamento destes importantes pesquisadores com o atual contexto educacional. Posteriormente, busca-se tecer uma aproximação entre os postulados de Vygotsky e Bruner e a prática da gestão escolar democrática, onde o gestor escolar precisa compreender o meio em que atua para então propiciar uma prática de relações de poder que de fato respeite os outros em sua alteridade, sem absolutizar suas opiniões e decisões.
Palavras-chave: aprendizagem – desenvolvimento – educação – gestão escolar – política educacional
1. As significativas contribuições de Vygotsky e Bruner para o estudo do desenvolvimento e da aprendizagem
As inúmeras transformações ocorridas na sociedade atualmente têm sua origem num contexto neoliberal que aposta na globalização como política integradora e geradora de conhecimentos. Isto posto, cabe questionar sobre o papel social da escola e seus meios de organização.
É comum a professores, pesquisadores e intelectuais o questionamento sobre o papel da escola nestes tempos de profundas e significativas transformações no caráter social, político e econômico do mundo contemporâneo. O desenvolvimento pleno do cidadão constitui-se, pois no maior objetivo da escola. No entanto, não se pode ignorar que o aluno, ao ingressar na escola, já traz consigo inúmeras e significativas aprendizagens, já está inserido num meio social, onde ocorrem trocas de conhecimentos e impressões.
É responsabilidade da escola explicitar o tipo de cidadão que deseja construir e que tipos de interferências serão necessárias para que este cidadão de fato possa interagir no seu meio social.
Lev Vygotsky contribui decisivamente para a reflexão sobre o papel da escola e da educação, pois sua investigação centra-se na natureza social do homem que, inserido numa determinada cultura e num tempo histórico, terá o seu desenvolvimento dos conhecimentos e habilidades condicionados a este meio. As relações entre os sujeitos deste meio é que constituirão o homem enquanto sujeito histórico.
Vygotsky, em seus estudos, percebe que a psicologia, na tentativa de definir como ocorre o desenvolvimento das aprendizagens, limita-se a investigar questões que dizem respeito ao corpo e a mente. Contudo, tais estudos não dão conta da complexidade que envolve o ensino-aprendizagem. Assim, Vygotsky passa a conceber o homem como um ser biológico que se congrega aos demais seres da mesma espécie, interagindo com eles, vivenciando experiências, trocando informações a respeito do cotidiano e se desenvolvendo mentalmente como elemento integrante de um processo histórico.
Da interação entre as visões de ciência do corpo e da mente Vygotsky incorpora alguns postulados básicos, originários do materialismo histórico. Dentre estes, destacam-se o de que o homem é um ser histórico e como tal constitui-se através das relações com o mundo natural e social. O trabalho é, neste caso, um mecanismo que propicia estas relações entre o ser humano e o mundo.
A concepção interacionista de educação é definida como uma postura diferente de conceber o desenvolvimento e a aquisição do desenvolvimento humano. O determinismo e o esponteneísmo, como forças modeladoras do contexto social, onde a escola não pode promover nenhum tipo de transformação, são agora rejeitados, na nova visão sociointeracionista.
O homem se transforma e é transformado através de suas trocas de experiências, sendo possível, a partir deste pressuposto vygotskyano, considerar que o biológico e o social exercem influências no processo de apropriação e desenvolvimento das capacidades intelectuais do homem.
Por possuir uma grande capacidade, o homem é capaz de criar ferramentas auxiliares que servirão como mediação para a aquisição do conhecimento. O uso de signos, em especial a linguagem, são características exclusivas dos seres humanos e permitem a aproximação destes com sua cultura e com seu mundo.
A criança, para ingressar no mundo do adulto e sua cultura, vai aos poços assimilando conceitos, através de operações propiciadas pela linguagem. O adulto, por sua vez, vai atuar na chamada zona de desenvolvimento proximal da criança, fornecendo subsídios, através do ato de brincar, para que o pensamento e a linguagem infantil se amplie. Esta interferência do adulto no mundo infantil pode ser caracterizada como mediação.
Vygotsky afirma que:
“... a zona de desenvolvimento proximal permite-nos delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento, propiciando o acesso não somente ao que foi atingido através do desenvolvimento, como também aquilo que esta em processo de maturação”. (1999, p. 113)
Através da imitação, as crianças são capazes de demonstrar seu nível de desenvolvimento mental, pois, só conseguirão imitar aquilo que estiver de fato ao seu nível de desenvolvimento. Então, o papel do adulto, e no caso específico da educação formal, do professor, é o de oportunizar situações cotidianas em sala de aula para que os alunos possa construir seu conhecimento, espelhando-se em exemplos próximos de sua realidade. Um professor não alcançará seu objetivo educacional se não levar em consideração o nível de desenvolvimento real de seus alunos.
É interessante também ressaltar que Vygotsky faz uma distinção necessária entre aprendizagem e desenvolvimento. Neste sentido ele afirma que:
“... em crianças normais, o aprendizado orientado para os níveis de desenvolvimento que já foram atingidos é ineficaz do ponto de vista do desenvolvimento global da criança. Ele não se dirige para um novo estágio do processo de desenvolvimento, mas ao invés disto, vai a reboque deste processo. Assim, a noção de zona de desenvolvimento proximal capacita-nos a propor uma nova formula, a de que o ‘bom aprendizado’ é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento.” (1999, p.116-117)
Considerando que aprendizado não é desenvolvimento, Vygotsky leva-nos a outras reflexões: de que um aprendizado realmente organizado é capaz de gerar desenvolvimento mental e oportunizar o amadurecimento de vários outros processos de natureza psicológicos, mentais e sociais.
Jerome Bruner entende que para que a aprendizagem infantil seja amplamente desenvolvida é necessário a disponibilização de formatos. Tais formatos se constituem em pequenas regras, brincadeiras e rotinas que, via pais e educadores, possibilitam o ingresso da criança no mundo adulto. Para aquisição da linguagem, primeiramente deve ocorrer um tipo de interação social. Nestas relações, onde o adulto empresta sua consciência à criança será possível a ampliação da zona de desenvolvimento proximal da criança. Para Bruner ( 1989, p. 180), o adulto desempenha funções como modelo, organizador e monitor até que a criança tenha capacidade de assumir suas próprias responsabilidades.
Através dos formatos, Bruner entende que é possível a criação de um microcosmo do discurso. Assim, a criança poderá revelar suas intenções, atuar indicativamente e desenvolver-se lingüisticamente. Da mesma maneira como Vygotsky, Bruner também considera que o desenvolvimento cognitivo e físico, os aspectos como maturidade e relações sociais com o meio são definitivos para a aquisição e domínio da linguagem.
Bruner, confirmando o pensamento de Vygotsky, afirma que:
“Deve-se a genialidade de Vygotsky o reconhecimento da importância da aquisição da linguagem como um elemento análogo, e penso que ele foi levado a esse reconhecimento por sua profunda convicção de que a linguagem e suas formas de uso – da narrativa e conto à álgebra e ao cálculo proposicional – refletem a nossa história. Deve-se, também a sua genialidade, o reconhecimento da maneira na qual aqueles “modos possíveis” da ZDP tornam-se historicamente institucionalizados – seja em escolas, no trabalho, no coletivo mecanizado, através de filmes e histórias populares e ficção, ou através da ciência.” (2002, p. 83)
A escola, respeitando os níveis de maturação em que a criança se encontra, deve organizar seu currículo, horários e disciplinas de modo que o educando possa avançar sem traumas de um estágio para outro, crescendo e se constituindo como um cidadão apto a compreender e interpretar o mundo, utilizando seu conhecimento para transformar e agir sobre sua realidade sócio-histórica.
2. Um breve diálogo entre o pensamento de Vygotsky e Bruner e o contexto atual da gestão escolar
É importante que se constate junto à comunidade escolar as reais expectativas quanto ao papel do gestor escolar. É necessário também buscar, através da reflexão que acerca da temática: “O gestor escolar como mediador das relações de poder no espaço da escola pública” (3), o conhecimento de mim mesmo, enquanto educador, na tentativa de compreender melhor porque agimos de determinadas maneiras frente às situações que nos são apresentadas no cotidiano da escola pública. Detectar os paradigmas que inspiram as ações e decisões que tomamos é fundamental para a compreensão da prática do gestor escolar.
A partir da minha experiência pessoal é possível compreender que administrar conflitos implica também em ver o outro como um sujeito, admitindo-o como diferente e nesta singularidade específica faz-se o processo educativo. Quando reconheço o outro (pais, alunos, professores e funcionários) então é que começam a existir os conflitos e isto torna-se extremamente positivo quando há uma aceitação conscientemente das diferenças entre os sujeitos que fazem a historicidade através das suas relações e adquire um sentido negativo quando não há possibilidade de aceitação do outro na sua especificidade e individualidade. Diante desta questão me coloco como um pesquisador e procuro responder as seguintes questões: 1) Como fazer para respeitar o outro na sua alteridade sem absolutizar minhas próprias opiniões sendo capaz de admitir que o outro exista como sujeito? 2) Como gerir a escola pública para que o outro possa ser valorizado, mediando de modo competente as relações de poder? 3) Que meios e metodologias utilizar para buscar a parceria da comunidade educativa para que todos participem da administração da escola, propondo soluções aos impasses e dificuldades encontradas no decorrer do fazer pedagógico?
Na escola, encontramos um campo fértil, favorável as aprendizagens tanto de alunos como dos educadores. Vygotsky e Bruner nos apresentam subsídios teóricos para melhor compreendermos o meio onde se dão as aprendizagens. Neste espaço, considero que é necessário refletir sobre as situações de cooperação e de respeito que deve existir para que todos os sujeitos participantes do meio educativo existam como sujeito.
Na perspectiva de buscar a intencionalidade do fazer educativo, MARQUES, afirma que:
“Os tempos-espaços da educação não são os da duração e da espacialização físicas, mas de seres humanos em sociedade, num sistema de relações vividas em intensidade, ritmos e abrangências variáveis. Como processos de mudanças o ensino-aprendizagem não se dá em movimentos uniformes no espaço e no tempo, mas por saltos qualitativos e rupturas, por avanços e recuos, acertos e erros, entusiasmos e desfalecimentos, por momentos decisivos ou iluminados, cada qual com significado próprio e intensidades variáveis” (1996, p.77)
Tanto Vygotsky quanto Bruner concebem a escola como um espaço para a troca de experiências e de conhecimentos que favorece o desenvolvimento funções psicológicas dos educandos através da humanização pelas interações sociais que ocorrem no seu interior. Os professores, alunos e pais buscam encontrar na pessoa do gestor escolar um mediador e articulador competente e responsável, capaz de encontrar soluções para as dificuldades pedagógicas e estruturais que são detectadas no espaço da escola pública.
Diante dos muitos apelos, inovações, exigências e modismos o gestor escolar pode ficar desorientado quanto à sua tarefa. As mudanças de postura tanto pessoais quanto na comunidade escolar vão exigir uma opção consciente e firme, para poder enfrentar a inércia do que está evidenciado no cotidiano escolar. O gestor escolar não pode ficar se justificando em cima das questões estruturais e deixar de mudar aquilo que pode ser mudado, articulando a prática e as transformações com a luta em comunidade, sabendo que a escola pública é um espaço conquistado pelas classes populares e é para elas e por elas que a instituição escolar existe.
Considerando que a comunidade educativa espera muito do gestor e este deve procurar corresponder a essa expectativa para um bom relacionamento mantendo um equilíbrio com sua postura pessoal, ética e pedagógica e com as imposições do sistema educacional vigente, estimulou-me a buscar o aprofundamento das questões oriundas desta expectativa. Parece-me importante partir da minha concepção e vivência enquanto professor-líder, pois mesmo sem uma formação específica na área de administração escolar fui eleito pela comunidade educativa e no cotidiano as relações de poder são mediadas e enriquecidas.
A mediação das relações, estabelecida através dos processos onde se é possível chegar a conclusões, dados os elementos fornecidos pelos sentidos, pelas observações e pelos modos de interpretação da realidade torna-se fundamental para a investigação. O gestor escolar, em específico na escola pública, em sua atuação, não pode ficar alheio as interferências do meio, as imposições do sistema de ensino, as transformações oriundas da nova ordem e organização social e as dificuldades/ facilidades manifestas pelos sujeitos que vivem e se constituem através das experiências estabelecidas na esfera da escola e da sociedade.
MARQUES, referindo-se a administração do espaço escolar escreve:
“Administrar a escola é articular a unidade dela na pluralidade dos elementos que a compõem, dos processos que se desenvolvem, evitando-se o fechamento de cada componente nos próprios automatismos pela dinâmica da ação comunicativa fundada na linguagem da ação e na ação da linguagem, com vistas ao entendimento amplo.” (1996, p. 78)
O espaço da sala de aula e do ensino deve se constituir num espaço revolucionário, propício às múltiplas aprendizagens e construção de saberes diversificados. Com isto, a escola será o lugar da aprendizagem e do desenvolvimento voltado à humanização e à inserção dos cidadãos no mundo que os integra e desafia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRUNER, Jerome. Acción, pensamiento y lenguaje. Madri: Alianza, 1989.
_______________, Realidade mental, mundos possíveis. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002.
MARQUES, Mario Osório. Educação / interlocução, aprendizagens / reconstrução de saberes. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 1996.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
NOTAS
(1) Artigo apresentado em 20/07/2006, no Seminário Avançado: Vygotsky e Bruner: uma aproximação possível, ministrada pelas professoras Dra. Tatiana Bolívar Lebedeff e Dra. Neiva Inês Grando. A temática abordada neste trabalho constitui-se em avaliação, no Programa de Mestrado em Educação da Universidade de Passo Fundo – UPF.
(2) Mestrando em Educação – Bolsista CAPES – Universidade de Passo Fundo – Passo Fundo – RS
(3) Tema do projeto de Mestrado em investigação por este mestrando, sob a orientação da profª. Dra. Solange Maria Longhi.