Quando Se Ama Uma Criaturinha de Deus
CADÊ O ZÉZIM GATO?
Bem, o nome dele é (ou era) realmente Kiko, mas às vezes eu criativamente o chamava de Zézim Gato, ou Zézim Kiko. Ele sabia a quem eu me referia, apesar das mudanças de nome. Era uma forma carinhosa de me referir ao nosso gatinho minx, ou bobcat, como chamam aqui. São caçadores natos, sem longos rabos, portando só um comecinho do apêndice que parece não lhes fazer falta.
Eu mesmo o escolhi dentre seus irmãozinhos quando o dono de uma oficina de serralheria, onde fomos encomendar um serviço para casa, nos indicou que uma gata de lá havia dado à luz uma ninhada recentemente. Ele nos ofereceu escolhermos um. Eu vi o Kiko destacando-se entre seus irmãozinhos, todo rajadinho de amarelo e branco. Não tive dúvidas, aquele seria o nosso gatinho doméstico.
Quando ele era ainda pequenino, muitas vezes pulava sobre a mesa do computador onde eu estava trabalhando e ficava sentado entre o teclado e o monitor. Às vezes ficava “caçando” com a patinha as letras ou outras figuras em movimento na tela, e eu me divertia muito. Depois ele se acomodava e ficava cochilando ali, ao som cadenciado das teclas que eu acionava. Mais tarde, ao crescer, já não havia tanto espaço para ele ali, mas mesmo assim tentava. . . Até buscava acomodar as coisas, tirava o “pad” e ficava com o teclado bem na beiradinha da mesa, mas cometia muitos erros. . . Mesmo assim, eu apreciava a iniciativa dele de querer ficar pertinho de mim.
Quase toda vez que tínhamos refeições na copa-cozinha ele gostava de ficar ali sentadinho, nos observando. Sentia falta de nossa companhia pois ficava mais tempo fora da casa, brincando pelo quintal. Eu até comentei com a esposa Clélia que ele usava a casa como um hotel, pois só aparecia para comer, dormir e beber água na sua tijelinha própria. Quando tínhamos sorvete, a Clélia lhe dava um pouquinho e ele adorava lamber tudo. Era a única das nossas comidas que aceitava. Eu me preocupava que o sorvete, gelado, poderia deixá-lo resfriado. Qual nada, nunca deu um espirro. Kiko era um gatinho muito saudável.
Apesar de viver mais fora do que dentro de casa, quando na nossa companhia era um gatinho muito brincalhão. Eu me divertia com ele quando de manhã, sobre a cama (onde às vezes dormia aos nossos pés) jogava uma ponta do lençol ou cobertor sobre ele, num mergulho de pano que ele parecia adorar. Ficava escondidinho debaixo dos panos por um tempo, daí emergia com a cabecinha. “Achou!!!” eu dizia, e começávamos tudo de novo. . .
Eu gostava de conversar com ele à base de uma linguagem própria, cheia de aliterações, e garanto que ele entendia quando eu perguntava, “o quê que o Kiko qué? O Kiko qué o quê?!” Ele corria para junto da porta miando e esperando que a abríssemos. Tentamos criá-lo inicialmente como um gato caseiro, e até pedimos para o veterinário, onde de vez em quando o levávamos para vacinas e outras providências, cortar-lhe as unhas. Mas o chamado do caçador dentro dele falava mais alto. Ele adorava ficar pelo nosso quintal e de um vizinho perseguindo esquilos ou observando os pássaros e borboletas. Nunca o vi atravessando a rua, o que nos dava certa tranqüilidade. Ele parecia restringir-se mesmo à vizinhança mais próxima.
Uns meses atrás fui hospitalizado para uma cirurgia e instalaram-me aos pés um tipo de pequena coberta com fios que a faziam apertar-se e alargar-se para atuar na circulação das pernas. Não conseguia livrar-me da impressão de que era o Kiko mexendo-se sobre minhas pernas, como às vezes se dava no meio da noite, até que me lembrava que não podia ser. Eu estava é num hospital.
Quando tive alta e voltei para casa, a Clélia o manteve trancado no escritório para não ir perturbar-me e para evitar contaminação no quarto que ela havia tratado de desinfetar com Lysol cuidadosamente. Afinal, há não muito tempo tínhamos perdido a Crisolda, irmã da Clélia que morava conosco, por infecção hospitalar. E foi num hospital famoso, ao qual vêm pessoas de todo o mundo para cirurgias nessa instituição ligada à Universidade do Alabama.
Nunca vi hospital com tanta sofisticação de equipamentos--computadores e medidores de tudo quanto é coisa. Mas a pobre velhinha, que teve uma cirurgia de coração que foi considerada um sucesso pelos médicos, morreu por inação dos vários antibióticos que lhe aplicaram para combater infecções, adquiridas no próprio ambiente hospitalar. O custo total do seu tratamento foi de quase 440.000 dólares! Uma loucura, mas, felizmente, tudo coberto pelo governo americano, já que ela era cidadã do país e tinha cobertura do Medicare.
Bem, mas voltando à minha casa, minha cirurgia e meu gatinho, quando no dia seguinte ao do retorno do hospital fui ao banheiro, Kiko estava fora do escritório e ao me ver veio correndo até a porta do banheiro dando um miado alto. Espremeu-se por um espaço debaixo da porta, deixado de propósito para receber aquecimento no inverno, e ele conseguia passar com certo esforço. Daí veio para perto de mim, enquanto eu lutava para superar uma constipação intestinal como nunca havia enfrentado, efeito dos antibióticos que também me couberam, felizmente de melhor eficácia. Ele levantou a patinha para eu apanhá-lo no colo, e não resisti. Fiquei com ele sobre os joelhos (eu estava sentado sobre o toalete) e o acariciava sobre a cabecinha. Ele ronroronava de satisfação e levantava a cabecinha para eu acariciar-lhe também o pescoço e peito. Daí a pouco até fez menção de dar uma lambidinha no meu rosto, que era a forma em que nos dizia, “eu te amo”.
Ele parecia entender quando eu lhe disse que “o papai está dodói”. Ele me via com o andador de quatro pernas e vinha cheirá-lo. Percebia que algo estava errado com aquelas estranhas pernas extras, e quando eu evoluí de hexípede para trípede, usando só uma bengalinha para andar pela casa, o querido pequeno quadrúpede também vinha cheirar a bengala. Não tenho dúvidas de que estava se solidarizando comigo. Até quando teve chances de entrar no quarto, nunca o fez enquanto eu convalescia. Kiko era um gatinho muito inteligente. Eu estava ansioso para ficar bom de novo e podermos voltar a nossa brincadeira dos “mergulhos” debaixo dos panos. . . Ele saberia esperar.
Os gatos são diferentes dos cachorros em muitos aspectos. Temos também a Tabby, uma cadela pitbull muito carinhosa que faz muita festa quando estamos por perto. Os gatos também gostam de carinho, mas tudo dentro da “agenda” deles. Quando querem cafuné, deixam isso claro. Quando não estão interessados, não adianta apanhá-los no colo, pois se na “agenda” deles o momento é para outra coisa, fazem força para escapulir de quem os segura, por carinhoso que possa parecer.
Não sabemos o que ocorreu com o Kiko. Ele simplesmente sumiu. Só uma vez tinha ficado uma noite toda fora de casa, mas na manhã seguinte já estava junto à porta, esperando entrar na casa. Ele tinha um “esconderijo” preferido, que era uma abertura debaixo da casa onde passava horas. Deve ter dormido lá naquela ocasião.
Mas certa noite, quando eu ainda estava me recuperando da fase mais aguda do pós-operatório o Kiko não mais apareceu no seu horário de voltar para casa—que era quando nos preparávamos para dormir. Pensamos que poderia ter dormido na garagem da outra nossa casa, que estava vazia, em reforma, mas não estava. Um vizinho diz tê-lo visto durante o dia nas vizinhanças, e essa foi a última notícia que tivemos dele. Imaginamos que, sendo um gato de certo valor por ser de raça especial, pode ter sido roubado. Eu não sei como alguém conseguiria fazer isso, pois ele era muito esperto e ágil, e não aceitava intimidades com ninguém que não fosse um de nós da família. Imagino que possa ter sido mais de uma pessoa, para conseguirem a façanha, cercando-o de modo que não pôde escapulir.
Ele poderia ser vendido por uns 300 dólares, a Clélia calcula. Temos muitos viciados em drogas em nossa área que agarram o que puderem de algum valor para vender e comprar drogas. Certa vez eu estava trabalhando no quintal, fazendo limpeza do terreno e cortando ervas daninhas, e a Clélia me chamou para o almoço. Quando voltei para continuar a tarefa, as ferramentas com as quais estava trabalhando haviam sumido. . .
O cenário que espero ter-se confirmado, e até tenho orado a respeito, é que se foi isso que ocorreu com o Kiko, que possa ter sido vendido para uma família com alguma criança que lhe venha a dar também carinho e amor como nós lhe dedicamos por pouco mais de um ano. Foi um período curto de convivência e o seu sumiço nos deixou muito tristes. É como se fosse mesmo um membro da família que se foi. Quando vemos os pacotes de sua comidinha preferida num canto, seu comedor e tijela dágua noutro é duro suportar a lembrança.
Eu gosto de pensar que Deus poderá ter uma surpresinha para os Seus filhos. Ele nos fará voltar à vida esses animais que nos fizeram felizes e a quem amamos e dos quais cuidamos com carinho nesta vida, para serem nossos 'pets' na Nova Terra. Isto serve como incentivo adicional para qualificar-me, pela divina graça, a estar ali nesse mundo renovado, onde os animais serão nossos companheiros por tempos de duração eterna.
Amém e amém. . .