A família e os menores infratores
 
Mais dois crimes, esta semana, envolvendo menores, voltaram a abalar o País, elevando o nível da comoção nacional a um patamar poucas vezes registrado. Nos dois casos, a presença de menores, como autores ou co-autores, e também como vítimas, está agitando o debate nacional sobre a diminuição da maior idade penal para 16 anos, como forma de punir, com penas mais longas e duras, os crimes cometidos por menores.

O primeiro crime, o mais brutal e dramático, teve como vítima uma criança de apenas seis anos de idade, o menino João Hélio, que foi arrastado por sete quilômetros, preso ao cinto de segurança do automóvel em que viajava, com membros de sua família, que fora tomado em assalto, numa esquina da zona norte, no Rio de Janeiro. Seus pais e demais familiares, em desespero, estão inconformados.

O segundo crime teve como autor um jovem de apenas 12 anos de idade, e como vítima, sua avó. O criminoso foi preso quando arrastava o cadáver da avó, para deixá-lo no trilho do trem, simulando um acidente. Ao ser preso, sob visível efeito de drogas, confessou friamente o assassinato, assegurando que a matou sem qualquer motivo, apenas por que sentiu desejo de matá-la.

Esses dramas têm como protagonistas, de um lado, adolescentes usuários de drogas e, do outro lado, familiares desses mesmos adolescentes. Os dramas têm tido como desfecho a morte de familiares, quase sempre pais ou mães, mas, também, avós, irmãos, e todos os que possam representar obstáculos à sanha incontrolável de obtenção de dinheiro para a compra de drogas, por parte dos viciados agressores. A família, em todos os casos, está como vítima.

Não faz seis meses, a mídia noticiou o caso do jovem que assassinou a mãe, por estrangulamento, no auge de uma discussão em que pretendia mais dinheiro para compra de drogas. Pretensão essa que não tem fim.

Na matéria em que noticiou o fato, uma rede de televisão fez divulgar, também, matérias alusivas a crimes pretéritos, recentes, com o mesmo drama familiar e as mesmas motivações de viciados.

Um jovem que assassinou a avó e uma servente da casa, que foi preso dopado, em estado de letargia, após os crimes e o uso das drogas que tanto buscara. Um outro jovem que assassinou o pai, por motivações semelhantes: desejo incontrolável de mais dinheiro para a compra de drogas, para alimentar um vício que pede para ser satisfeito a cada momento em que passam os efeitos da última ingestão, segundo os viciados e as pesquisas científicas.

Os criminosos, nesses casos, são criminosos ocasionais, que agem pelo impulso, por estarem tomados pela necessidade de viciados, que submete o corpo e a mente às ações mais cruéis e condenáveis como o assassinato de genitores ou outros familiares, pelo fato de representarem obstáculo e, ao mesmo tempo, meio para a obtenção das drogas que tanto precisam para alimentar seus vícios e suas próprias vidas.

Primeiro, provam gratuitamente. Depois, começam a comprar, em pequenas quantidades, drogas de custo mais barato. 

Depois, ainda, são induzidos a comprarem drogas mais pesadas e caras. E quando estão nos limites de suas dependências, de suas possibilidades financeiras, roubam dinheiro em casa; vendem aparelhos domésticos e bens móveis de seus familiares; pressionam os pais, cada vez mais, para que lhes dêm dinheiro e, quando não conseguem mais, até mesmo por os pais não disporem de mais, acabam por cometer os homicídios, num gesto inconseqüente e desesperado, ante a negativa dos pais.

O arrependimento acontece depois, quando, presos e em crise forçada de abstinência, caem em depressão e conseguem compreender a extensão dos danos, e o caráter criminoso de seus atos.

A família está contra a parede, sob os olhos do estado. Contra a parede pela dificuldade de criar e educar, dentro de padrões éticos e morais que sejam socialmente comprometidos com o passado, o presente e o futuro, num mundo que troca de valores como troca de moda: a cada estação. Contra a parede pela ausência de instituições públicas que apossam ampará-la, nos casos de graves conflitos, por usuários de drogas, adolescentes ou adultos. Contra a parede porque os pais têm sido as maiores e mais graves vítimas desse processo dramático, no cumprimento de seus deveres legais, afetivos, biológicos. Contra a parede porque, na medida em que cresce o número de usuários de drogas, entre adolescentes, e esses adolescentes, quase sempre, vivem com seus pais, aumenta potencialmente o número de pais que poderão ser vitimados por esse processo cruel.

É dever do Estado, portanto, adotar urgentes medidas de proteção à família, instrumentando-a para melhor cumprir suas responsabilidades, com o aval direto e determinado do poder público, em nome do interesse social.

Os jovens precisam de esperanças, de utopias que possam construir, e que constituam motivações positivas para as perspectivas do futuro. Essas motivações podem ser dadas pela família, com o exemplo dos pais, num primeiro momento. 

Em maior escala, devem ser dadas pelo poder público. A família está contra a parede, sob os olhos do estado, e o tecido social apodrecendo, em função da criminalidade visceral dos jovens viciados. cidade.

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Ivan Sarney
Enviado por Ivan Sarney em 03/02/2008
Reeditado em 03/02/2008
Código do texto: T844369
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