A educação mudou. E você, mudou?
Existem coisas na vida que parecem monumentos históricos, ficam estagnadas, sem nenhuma mudança significativa. É assim que os patrimônios ganham respeito e garantem um lugar na memória das pessoas. Intocáveis, sinônimo de inesquecíveis. Pensando nisso, podemos afirmar que a Educação é de longe algo que venha a se tornar um monumento patrimonial. Para concluir isso, não precisamos ir tão longe. Basta conversar com uma avó sobre a época em que ela estudava, ou mesmo com a própria mãe, em algumas histórias mais recentes, para descobrir que o colégio que elas freqüentavam parece se localizar em outro planeta.
Minha mãe, por exemplo, conta que na época em que ela freqüentava a escola, existia uma política –fique quieto e preste atenção- não faça perguntas – decore a tabuada – e outros imperativos que aqui não caberiam citá-los. Ela diz que não se lembra do nome de nenhuma professora, mas não esqueceu as várias palmatórias que recebia quando errava um número múltiplo. Diante desta narrativa, fico lembrando das minhas professoras, que me chamavam pelo nome, e escreviam extensivamente no quadro. Ainda guardo a herança na minha mão de um período em que minha caligrafia melhorou bastante, mas deixou um calo desagradável entre meus dedos. Lembro-me de algumas professoras com carinho. Nunca recebi nenhuma palmatória, não se falava nisso. As mães, por incrível que pareça, participavam bastante das atividades escolares, principalmente das reuniões. Talvez por isso o número de reprovações fosse menor: medo da bronca dos pais ao receberem o boletim. Nunca presenciei um desacato ao professor. Por menos que eles se interessassem por nossa vida pessoal, não os desrespeitávamos. Sabíamos que o professor era o detector do conhecimento. Não ousávamos duvidar disso.
Com o passar dos anos, as coisas foram mudando. Alunos se levantam mais da carteira, pais comparecem menos às reuniões, professores não escrevem tanto no quadro, alunos desacatam professores, professores se estressam com mais agilidade...
Cosete Ramos disse que a mudança existe no próprio ser humano, e que o cérebro também acompanhou essas transformações. O que antes era visto como intolerância, preguiça, hoje é analisado pela ciência como capacidade de aprendizagem do córtex. Trocando em miúdos, quer dizer que um aluno não armazena informações de uma aula expositiva por muito tempo, e que está em primeiro plano o emocional de cada ser. Ela afirma que hoje em dia, terá melhor resultado o professor simpático, extrovertido, criativo, inovador, organizado, afetivo e outros predicativos a mais que fecham esse pacote de “Super Professor”.
Vigotisky já afirmava que a aprendizagem ocorria com o professor mediador. O papel do educador já era enfatizado em suas teorias sócio-interacionistas. O que ocorre é que antes o professor agia apenas como tradutor das idéias contidas nos livros, não se envolvendo dinamicamente com os alunos, apenas cumprindo seu dever de transmitir conhecimento. Hoje, a idéias de ser mediador, continua existindo. Mas se o profissional da área tentar reconstituir o velho papel em sala de aula, o resultado será um fracasso. Fracasso profissional, fracasso escolar na vida do aluno.
Fernanda Montenegro contou em um Encontro de Lideranças em Belo Horizonte, a história de uma professora de Literatura, a qual a inspirou a seguir carreira artística. Ressaltou na ocasião que não imagina como teria sido sua vida se não tivesse tido aquela professora tão autoritária que a obrigava a saber todos os poemas de Olavo Bilac. Por outro lado, comentou sobre a personagem Dora, sucesso no cinema em “Central do Brasil”: uma professora que frustrada com as novas exigências curriculares, tornou-se uma pessoa amarga e só conseguiu melhorar quando conheceu um menino que queria rever a família. Duas histórias que provavelmente se diferenciam pela época em que ocorrem. Tempos diferentes, parâmetros distintos.
O fato de termos aqui, comprovadamente, perfis de professores totalmente diferentes, não quer dizer que a educação esteve certa ou errada, e que hoje está melhor ou pior. Não se trata de superlativos e sim de comparativos “relativos”. Se dissermos que a professora autoritária da Fernanda Montenegro era intolerável, e que não se podia aprender nada com tamanha exigência, estaríamos colocando em dúvida o brilhantismo da atriz mais consagrada de nosso país. Por outro lado, se Dora mantivesse a postura inflexível e amarga do início do filme, é certo que não veríamos uma narrativa tão comovente.
É indubitável que as mudanças ocorreram e que elas transformaram sim o nosso meio. Os parâmetros, por sua vez, tentam acompanhar tal mudança. O que não se pode mais admitir, é que alguns “dinossauros” insistam em querer de volta o que não se pode manter. Entendemos a inquietação de todos mediante o desafio de mudar para ensinar, de aprender a cada dia com a nova geração e aceitar os limites de cada um em sala de aula. É exatamente aí que está a resposta. Mudar. O professor do século XXI pode ser o professor de qualquer época, basta ser sincero em sua conduta e amar aquilo que faz.
RAMOS, Cosete. Excelência na Educação. Qualitymark, 1992.
VIGOTISKY, L. S. (1993). Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes.