MICROMORTE

Viver para morrer, então renascer. Quando renascer viver novamente, e depois desta esperar a morte, para quando morrer... Ressuscitar... Que previsível! Quanta monotonia! Ainda bem que Deus nem pensou em deixar as coisas assim. Mesmo porque não somos só nós quem morremos todos os dias. Dependemos de centenas de pequenas coisas pra viver, e é uma pena que sem querer matemos muitas delas.

Só por bobeira, por descuido, e até mesmo por prazer nos matamos aos pouquinhos: numa tragada de cigarro, no excesso de uma bebida, numa comida um tanto proibida, num vício, numa questão de estética, de requinte social, morremos e matamos pobres seres que nada tem a ver com nossas vontades e ignorância. Seres que bem como nós, não voltam a viver, e renascer, e voltar a morrer, pra reviver, e...

Uma leve queimadura, superficial, mata incalculáveis células que constituem sua pele. Um alcoólatra, mata seu fígado, futuramente para se matar, e isso tudo bem depois de ter já matado o sentimento de uma família. Até numa ejaculação, você acaba matando o que seriam milhões de crianças.

Numa pequena planta que dá o ar da sua graça em folhas e flores, um descuido em falta d’água, também a mata. A falta de uma substância no corpo, mata os microorganismos, para eles nos matarem. Uma árvore na floresta é derrubada, está morta, para futuramente matar a toda natureza. Um papel de bala nas límpidas águas está matando o rio.

É assim, são exemplos de como somos assassinos, não frios e insensíveis, mas burros e irreconhecíveis. A raça humana é um exército profissional... Da morte!

Como acontece neste lado ecológico do ‘belo’ planeta terra, dos nossos atos impensados e massacrados com intuito de massacrar, seguimos fiéis com os sentimentos, com as pessoas, e com coisas bem maiores, no máximo do macro!

Matamos palavras com outras palavras. Matamos desejos reais, com desejos dos outros, matamos tradições com cifras, matamos seres humanos por seres desumanos. Animais por máquinas... Não tenha como troca justa, não pense que é para o bem de todos... Não, é apenas morte, falecer, esmaecer da vida, deixar morrer.

Nossas armas invisíveis nos olhos atiram um poderoso ‘flash’ destruidor. Nos braços que não podem fazer muita coisa porque somos fracos, levamos em cada uma bazuca recheada de munição. Nossas pernas, quando precisamos desaparecem e dão lugar á outro mecanismo robótico, para chegar mais rápido, para tentar recuperar o atraso já irrecuperável! Em cada dedo funciona um revólver de poderoso calibre. Não usamos cintos de super-herói portando um arsenal de utensílios, só porque já fazemos pesar nos bolsos, malas, pastas e bolsas tantos aparatos que nem se sabe o que se precisa ou significa. As madeixas constituem, pelas horas de tratamento, cuidados, e produtos aplicados, um resistente capacete. De cremes, possibilidades cirúrgicas de retardar a velhice, e disfarces superficiais, a face muitas vezes forma interessante máscara... Num todo, o corpo pelos seus detalhes á parte do que não é realmente nosso, forma uma armadura, forma qualquer outra forma, menos a de ser humano.

A falta de um sorriso mata! A permanência da repreensão ao invés do consolo mata! Não sentir a respiração do amado dormindo mata! Não dar as mãos e não olhar no fundo dos olhos mata! Por isso que chega um dia em que morremos, porque foi aos pouquinhos que isto aconteceu. Deixamos passar as oportunidades, com um não ali, outro aqui e assim vai... Deixamos morrer as oportunidades. Matamos tanta coisa, mesmo que pequenas, estes micro-homicídios se completam num gigantesco arranjo, formando nós, a nossa morte, e o fim aos poucos deste mundo inteiro.

Douglas Tedesco – 01/2008

Douglas Tedesco
Enviado por Douglas Tedesco em 22/01/2008
Reeditado em 30/07/2009
Código do texto: T828261
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