VIRTUDE E FORTUNA X ASTÚCIA AFORTUNADA

“...qualquer que seja o tempo e o espaço o homem tem traços humanos imutáveis, quais sejam: ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ávidos de lucro...”

Nicolau Maquiavel

Lendo “O Príncipe” de Maquiavel, me pus a pensar mais profundamente sobre a faculdade humana, principalmente no que tange à verdadeira essência política. Procurei, todavia, menosprezar o conceito nefasto, àquilo que piamente representa o ato de se fazer política com insanidade. Apenas, me reservo no direito de salientar que a personalidade é fato imutável. Não podemos aludir ao fato de que Nicolau Maquiavel transcende o próprio contexto ideal de política, quando revolve a condição notória do fundamento político, no qual “o ponto de partida e de chegada é a realidade corrente, ou seja: a realidade como ela é e não como se gostaria que fosse”. A covardia é motivada pela insensatez, pelo medo e pela prepotência, num desejo incontrolado de tornar pública uma imagem, vulnerável pela ganância e/ou mediocridade.

Segundo Maquiavel, existem duas maneiras de um simples cidadão chegar ao poder que não por meio da fortuna ou da virtude – através da prática de ações celeradas e nefastas ou pelo favorecimento de outros concidadãos. Noutra situação, um cidadão chega ao poder por meio da ajuda dos seus concidadãos, e esse mesmo não precisa ter exclusivamente VIRTUDE ou FORTUNA, mas, ASTÚCIA AFORTUNADA. Em poucas palavras, quem chega ao poder com o auxilio dos grandes, tem maiores dificuldades do que aquele que chega com o apoio do povo.

Singularmente, dentro do estado democrático e de direito, o povo abomina a opressão, a denominada “monarquia absoluta”. Vivemos em outros tempos, num país republicano em que a liberdade deixa de ser um objeto de desejo, mas, um traço real da personalidade. A cultura dos ímpios resume-se ignorantemente pelo silêncio dos fracos, fustigados pelo poder e pela barbárie. Não precisamos de ditadores, mas de estadistas. Políticos capazes de agir com temperança, solicitude e flexibilidade.

Devemos distinguir o poder da supremacia, até porque, o poder representa a força ou autoridade, e não o abuso desta última. Ter vigor, robustez, saúde ou capacidade para agüentar, para suportar, também é um sinônimo de poder. A supremacia, por sua vez, é um fundamento hegemônico, o poder supremo. Vale salientar, entretanto, que o pessimismo maquiaveliano surge dos aspectos fundamentais da conduta humana, como o seu intrínseco egoísmo, manifestado pelo desejo de vingança, uma profunda agressividade e ambição, não havendo nenhum limite natural ao poder ou às possessões que possam satisfazer seus anseios, o que leva os homens à luta permanente entre si.

Maquiavel infere que o poder, é o solo da ação dos governantes. O egoísmo sem nenhum pudor, nesta condição, se converte em motivação comum, moderada apenas pelo único escrúpulo restante: a falta de êxito. O jogo diplomático baseia-se no uso da habilidade no jogo e no uso da força propriamente dita, sem maiores dissimulações. Nesse cenário político, deduz-se que a violação do direito, é a ausência real do aspecto democrático, em que a atitude subliminar é justamente a ausência do caráter. Não obstante, esse é apenas um aspecto do pensamento maquiaveliano.

Por outro lado, a igualdade surge como uma condição fundamental da liberdade, e Maquiavel é explícito, considera a multidão mais sábia e constante que um “príncipe”, sendo mais merecedora de confiança do que este último, porque constrói uma imagem radical de um povo capaz de produzir igualdade, e, pela sua ação como sujeito coletivo, é também, capaz de construir novas verdades, organizando e se armando, lutando e vencendo. A juventude e a virtude são responsáveis: “...de levar a plebe à aventura da liberdade, de ser força da multidão na construção da glória”.

Evidente se faz admitir, conforme o pensamento maquiaveliano, que a agitação e o confronto das demandas, ambições e “paixões”, é meramente impossível na instauração de uma “república perpétua”, o que, de certa forma, é de grande valia, tendo-se em vista que a consolidação e instauração do Estado democrático se deram realisticamente pela legitimidade e poder de um povo e não pelo casuísmo de uma minoria.