Leis, cobras e chavecos

Há um curioso aforismo, fruto das utopias libertárias da América-Latina que, devidamente traduzido, diz mais ou menos assim: “A lei é como as cobras: só morde quem anda descalço”. No Brasil, o indivíduo bem calçado com as botas do dinheiro, do poder, do prestígio ou de tantas im(p)unidades que há por aí, esse passa frouxo por quaisquer sobressaltos.

No Brasil, as leis, em geral, desde meros regulamentos até a Lei Máxima, até hoje não totalmente regulamentada, foram sempre voltadas para oprimir os descalçados e favorecer os proprietários de encorpadas botas. O grande revolucionário Sir William Wallace (†1305), “the brave heart”, libertador da Escócia, cunhou uma frase que até hoje ecoa em nossos ouvidos: “os nobres e as elites cobram impostos para ter poder. Deveriam cobrá-lo para dar mais liberdade e bem-estar ao povo”. Lei e justiça são idéias que nem sempre andam juntas.

Notícias recentes dão conta que até o ano de 2007, a fiscalização trabalhista fez 95.000 autuações por sonegação ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, um instituto de largo espectro social, hoje, lamentavelmente, quase falido em função da sonegação. A nota diz que foram tantas mil autuações. Só não revela, desses “autuados” quantos pagaram, foram presos (sonegação não é crime?) ou tiveram seus bens particulares arrestados ou indisponíveis.

Na demissão de um empregado, sem justa causa, a coisa funciona mais menos assim: A empresa demite, libera o fundo do empregado e fica obrigada a – concomitantemente – pagar uma multa de 50% sobre o montante da conta vinculada. Como muitas firmas alegam insolvência ou problemas financeiros, o Governo está aceitando liberar o fundo sem que o empresário purgue a multa devida. Depois, sabem quando que o empregado vai se juntar com esses 40%? Nunca! 10% é para o Governo.

A outra lei para morder nossos pés, cada vez mais descalços vem – mais uma – do Trânsito. Para renovar a Carteira de Motorista, além de desembolsar uma grana esperta, o cidadão terá que participar de um curso ridículo de 18 horas, nos CHC, onde irá aprender regras de trânsito. No resto do mundo, uma carteira custa, no máximo US$ 40. Imaginem motoristas com vinte ou mais anos de habilitação, tendo que faltar ao serviço, para escutar as teorias moralizantes de burocratas neófitos. Isto só acontece no Brasil.

Agora há um projeto de tornar obrigatório nos carros o uso de um chip contra roubo. A tal lei, por si só, já é um roubo. Eu ainda teria que falar em outra lei espoliativa, que é a de obtenção do registro e “porte” de armas. É outra falcatrua legal. Agora inventaram – no Brasil sempre criam leis para morder os pés do povo – igual ao estojo de “primeiros socorros”, a padronização dos capacetes para os motoqueiros. Essas “padronizações” sempre apontam para um grupo de fornecedores que pode ganhar sozinho, o que desperta suspeitas gerais.

Os abastados, calçados com as botas do poder e do dinheiro estão imunes a essas mordidas.

Filósofo e escritor

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 21/01/2008
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