Uma visita peculiar

O ambiente úmido, escuro e lodoso, distribuía-se pelo que se pode chamar de verdadeiras cavernas subterrâneas. Há mais de 20 anos ele se encontrava ali, isolado, dominado e escravizado por seus infelizes algozes. Fome e frio, desamparo, sede e sujeira se acumulavam no corpo e o próprio local, fétido e abandonado, embora vigiado por guardas truculentos, assustariam quem se aproximasse.

Os ferimentos no ventre deixavam os órgãos quase a caírem, fruto do precipitado gesto de auto-extermínio, que somados ao remorso, aos gestos ilícitos do passado, à consciência culpada, faziam dele um réprobo inconsolável e desfalecido pelo sofrimento. Ao mesmo tempo em que tentava segurar os órgãos à mostra, a caírem do ferimento aberto, a consciência culpada o fustigava sem tréguas. Já perdera a noção de tempo e lugar e ainda sofria o assédio de seus próprios verdugos, a recordarem suas desditas, clamando por vingança, e a torturá-lo sem piedade.

Mas não estava esquecido. O velho amigo, que antes tudo fizera para ampará-lo, voltava agora a visitá-lo com um grupo de socorro. Com estratégia bem elaborada, conseguira driblar os guardas e adentraram no deplorável lugar. Chamou-o pelo nome, recordou os velhos laços de amizade, procurou consolá-lo e somente após um bom tempo conseguiu trazê-lo à realidade em que se encontrava.

Usando de compaixão e carinho, afagou-lhe os cabelos, falou-lhe com doçura e conseguiu arrancar-lhe daquele estado de verdadeira demência. Sugeriu-lhe recordar-se do Amigo Maior que o esperava, ao mesmo tempo em que o buscava para recuperá-lo e integrá-lo às equipes que trabalham pelo equilíbrio e felicidade da condição humana. Todavia, advertiu que embora como amigo presente lhe transmitisse toda a força que lhe seria possível, ele mesmo teria que fazer brotar de si mesmo a vontade de recuperar-se e levantar-se da própria desdita para libertar-se de sofrimento tão longo...

A sinceridade e carinho do visitante conseguiram que ele se levantasse e pedisse, com intensa veracidade, perdão aos céus por tantos equívocos, manifestando o desejo de recuperar-se. A resposta foi imediata: a caverna iluminou-se e às lágrimas do próprio pedinte misturaram-se pequeninas gotas que verteram do alto e que ao contato com o corpo dilacerado, limpavam-no e fechavam a ferida antes aberta.

Assim ocorreu o resgate daquele sofrido cidadão que, antes, com o poder nas mãos, extrapolara os limites da decência e da dignidade, corrompendo, roubando, matando, explorando, até cair na precipitação da autodestruição. Agora era recuperado pelo amigo Zacarias, a quem Jesus pessoalmente incumbiu de acompanhar, amparar e recuperar das trevas da ignorância a que se precipitara por opção pessoal.

Esta é a saga de Pilatos, o governador que lavou as mãos, quando poderia decidir em amparo daquele que é considerado o guia e modelo da humanidade. Não é castigo o que viveu Pilatos, mas apenas a conseqüência de sua própria insanidade. Sua própria consciência o condenou, seja pelas atrocidades cometidas em vida, seja pelo equívoco da omissão quando poderia agir...

Mas como ninguém está esquecido pelo Amor, lá estava o amigo Zacarias, encarregado pelo próprio Cristo para recuperá-lo.

As páginas comoventes dessa descrição que não conseguiremos reproduzir com fidelidade no pequeno espaço de um artigo está no belíssimo livro A Força da Bondade, que recomendo com muita ênfase ao leitor. Com autoria de André Luiz Ruiz e Lucius, é obra que muita ensina e comove. Principalmente por demonstrar a grandeza de pequenos gestos na força que a bondade possui. Não deixe de ler. A editora é o IDE.

Orson
Enviado por Orson em 17/01/2008
Código do texto: T820978