A CONSCIÊNCIA NEGRA NO SEU PRIMEIRO FERIADO

O dia 20 de Novembro data a morte de um ícone da luta do povo preto, Zumbi, doravante será feriado em todo o território nacional. Tal evento nos arrebata às reflexões que a sociedade brasileira ainda não teve a intenção de fazer, de forma mais acurada; quando muito, lamenta os malefícios do período escravista, ignorando, porém, seus reflexos perniciosos atualmente.

Em 2011 a questão da consciência negra passou a ser constante do calendário oficial de feriados a serem observados pela coletividade, sendo celebrado não em todas as unidades da federação. Poucas localidades incluíram os festejos relativos à causa dos negros como evento de grande relevância às gerações vindouras e reafirmação do legado das que outrora encetaram a luta contra o escravismo, exemplos de Ganga Zumba e Dandara dos Palmares.

Recentemente o Congresso Nacional aprovou – em 2023 – a Lei 14.759/23 onde “declara feriado nacional o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra”, transformando a data alusiva ao dia 20 de Novembro enquanto feriado em âmbito nacional, a partir da relatoria do senador gaúcho Paulo Paim, ele mesmo um negro militante no Parlamento do Brasil e que tem dado excelente contributo às questões relativas às minorias.

O Brasil tem abissal dívida com o povo preto. Muitos deste vieram trazidos da África a ferro e fogo nos porões dos infectos tumbeiros, como nos atesta o poeta Castro Alves em sua profética poesia O Navio Negreiro. Tudo teve origem a partir do tráfico transatlântico, além de crudelíssimo, era o responsável pela separação entre mães e filhos que, aportados nas novas terras eram impiedosamente separados sob intenso açoite, sob o látego cortante dos mercadores e de uma sociedade marcadamente perversa e que se locupletava de tão vil condição, a escravidão, retumbante ainda em nossos dias quando nos postamos contrários aos eventos que recobram consciência, mas, outras datas até incentivadas pelos grupos econômicos hoje, que como ontem, eram mercadores de negros escravizados.

A historiografia relata que as reações de setores da sociedade aconteciam de forma orgânica, tanto no meio de algumas esferas do Parlamento quanto de agrupamentos sociais que nos revelaram figuras ínclitas do porte de Luiz Gama, José do Patrocínio, André Rebouças, juiz Antônio Bento, Castro Alves, Joaquim Nabuco, alguns poucos membros do baixo clero e tantos outros anônimos simpatizantes da causa dos pretos.

A partir dos anos 1830 muita pressão estrangeira se deu no intuito de dirimir os efeitos da escravidão em solo nacional. Determinadas leis foram elaboradas para coibir o cativeiro existente. Porém, o Senado do Império era – predominantemente – formado por senhores latifundiários, donos de imensa escravaria. Esses senhores se portavam adversos a quaisquer tentativas de mudança na ordem econômica que abonasse nova feição às práticas de produção nos latifúndios, principalmente a partir da famigerada Lei de Terras, de 1850, quando negros eram proibidos de usufruírem da propriedade rural.

E após as pressões geradas pela sociedade, aos 13 de Maio é declarada extinta a escravidão no Brasil. No entanto, o povo preto seria jogado aos arrabaldes das grandes cidades gerando uma favelização ainda crescente nos dias atuais. Os negros persistiram sem direitos e muitos deveres relegados a um ostracismo imposto por uma sociedade apática e que aprofundaria seu preconceito, renovado a cada geração sem maiores pudores.

Hodiernamente o País vive um racismo estrutural presente em todos os setores da vida social. A supremacia branca se impõe até mesmo nos espaços de confissão religiosa quando se percebe que os brancos hierarcas dominam as esferas de decisão e poder sem quaisquer questionamentos e tentativa de mudança de um sistema vil, ainda excludente e fundamentalmente pervertido.

A negação da negação pode ser averiguada pari passu quando setores da vida econômica se insurgem contra o novo feriado dizendo que tal data causa “prejuízos” ao comércio e outros grupos econômicos que, como ontem, hoje se locupletam até mesmo na exploração e negação dos direitos dos seus trabalhadores, forçados ao labor nos dias santos de guarda e também nos feriados de qualquer matiz.

O novo Feriado constitui-se em grande oportunidade no intuito de que se possa sopesar não somente os efeitos danosos do racismo estrutural que ainda nos afeta enquanto gente (in)consciente que se mistura no silêncio dos bons, no dizer de Luther King, ante tanta selvageria dita, pareceira nas reações dos grupos econômicos que teimam no desrespeito à data que deveria ser um sinal de reflexão para a remissão das inconsciências dos bons que, deitados em berço esplêndido, dormitam de forma indiferente aos reclamos de quem ainda sente o mesmo látego no lombo amarrado ao tronco social das injustiças perenes.

José Luciano
Enviado por José Luciano em 22/11/2024
Código do texto: T8203209
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