Ser Negro no Brasil

Ser negro no Brasil é carregar nas costas o peso de séculos de opressão e resistência. É nascer em uma sociedade onde o racismo estrutural define, ainda hoje, quem ocupa os espaços de poder e quem luta para sobreviver. É entender que, como canta os Racionais MC’s, "Por ser negro, você tem que ser duas vezes melhor" – porque a cor da sua pele não é vista como digna por si só, e a excelência se torna uma exigência de sobrevivência.

A história negra no Brasil é marcada pelo apagamento e pela violência. O sistema escravocrata, que sustentou a economia nacional por mais de 300 anos, não foi substituído por políticas de inclusão, mas por uma abolição incompleta. A liberdade nunca veio acompanhada de terra, trabalho ou dignidade. O racismo estrutural, herança dessa história, coloca o povo negro em desvantagem desde o ponto de partida, numa corrida desigual onde já começamos atrasados.

Esse racismo se revela de muitas formas. No mercado de trabalho, onde os negros ocupam majoritariamente cargos subalternos. Na educação, onde o acesso ao ensino superior só se tornou mais democrático com as políticas de cotas. As cotas não são um privilégio, mas uma reparação: um passo necessário para corrigir disparidades históricas e romper o ciclo de exclusão. Esses programas têm permitido que jovens negros cheguem às universidades e se tornem protagonistas em áreas que antes lhes eram negadas, mas ainda enfrentam resistência e ataques de quem prefere perpetuar privilégios.

Ser negro no Brasil também significa viver sob o olhar vigilante e opressor do Estado. A polícia, frequentemente o único braço estatal a alcançar as periferias, vê no negro um alvo. Os dados são incontestáveis: o jovem negro é a principal vítima de homicídios no país. Essa violência é reflexo de uma lógica que criminaliza a negritude, alimentada por séculos de exclusão social.

Apesar de tudo, a história negra no Brasil é também a história de resistir e de lutar. No esporte, um exemplo emblemático é o Clube de Regatas Vasco da Gama, que na década de 1920 se tornou um símbolo de inclusão racial no futebol brasileiro. Em uma época em que a elite carioca segregava o esporte, o Vasco não apenas aceitou atletas negros, operários e pobres, mas defendeu sua inclusão com coragem. A famosa Resposta Histórica de 1924 foi um marco na luta contra o racismo no esporte e mostrou que o futebol poderia ser uma ferramenta de transformação social. O Vasco provou que o talento não tem cor e que a igualdade é um valor que precisa ser defendido na prática.

Ser negro no Brasil é honrar o legado de líderes que abriram caminhos. É lembrar Zumbi dos Palmares, que liderou o maior quilombo da história, um símbolo de resistência e liberdade. É reconhecer a contribuição de Maria Firmina dos Reis, a primeira romancista negra do Brasil, que ousou escrever sobre a escravidão no século XIX. É exaltar o impacto de Lélia Gonzalez, uma das maiores intelectuais negras, que ampliou a discussão sobre racismo e feminismo. É aprender com Milton Santos, que levou o pensamento geográfico brasileiro ao mundo, e inspirar-se na força de Marielle Franco, cuja luta por igualdade social ecoa como um grito de resistência.

É também reverenciar a coragem de Esperança Garcia, considerada a primeira mulher negra advogada do Brasil. Escravizada no Piauí do século XVIII, Esperança Garcia escreveu uma carta ao governador da província denunciando os maus-tratos sofridos por ela e por outros negros. Sua ousadia em um contexto de extrema opressão foi um ato de resistência e justiça. Hoje, ela é símbolo da luta pelos direitos humanos e da força da mulher negra que, mesmo em condições adversas, nunca deixa de reivindicar dignidade e respeito.

Na música, a genialidade de Elza Soares mostrou que o samba podia ser denúncia e poesia, enquanto Gilberto Gil e Milton Nascimento elevaram a cultura brasileira ao status de patrimônio universal. No esporte, Pelé, Formiga e Rebeca Andrade provaram que a excelência negra supera preconceitos e se eterniza em histórias de glória.

Hoje, as políticas públicas, como as cotas, ainda são uma trincheira de luta, mas precisamos ir além. É necessário investir na educação básica, valorizar as culturas negras e combater a desigualdade racial em todas as esferas. É preciso reconhecer que o racismo não é um problema apenas dos negros: ele desumaniza toda a sociedade.

Neste Dia da Consciência Negra, que não seja apenas uma data simbólica. Que seja um chamado à reflexão, ao reconhecimento da dívida histórica, e à ação. Porque a luta por um Brasil antirracista é urgente, e ela só será vencida com a coragem de encarar nossas sombras e construir um futuro de verdadeira igualdade. Ser negro no Brasil é resistir. É transformar. É existir com dignidade, mesmo quando a sociedade insiste em negar isso.

Jeremias Santos
Enviado por Jeremias Santos em 20/11/2024
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