O medo e o silêncio

Em todas as sociedades do mundo, no correr dos tempos, o medo sempre esteve embutido entre as relações das pessoas com o poder público. Com o advento da mídia formal, e considerando-se esta como uma atividade sócio-mercantil, que visa lucro e prestígio, a coisa ficou mais complicada. Como uma atividade que deveria ser pautada pelo seguimento da verdade, as atividades jornalísticas na América Latina têm se revelado, via-de-regra, silentes, genuflexas e em muitos casos conivente com os desmandos dos poderes oficiais.

Quando a gente pensou que esses temores se haviam dissipado com a queda das ditaduras, observa-se que certa pressão de talhe fascista continua impondo censuras e restrições à divulgação da verdade. As grandes redes de comunicação sempre têm optado pelo silêncio obsequioso, pela notícia enxuta e pouco reveladora, atuando no terreno do “politicamente correto”.

A verdade é um bem irretorquível, de valor cristalino que não pode ser obscurecido. As verdades têm que ser ditas e alguém deve dizê-las. Fazer jornalismo é postular a causa da verdade, sem temer ameaças ou pressões. No século V a.C. época áurea da Grécia, alguém disse que “o tirano teme mais a língua do valente do que a lança do covarde”. A frase é atribuída ao legislador Sólon.

Em geral tem-se notado, especialmente no Rio Grande do Sul onde há como que um monopólio da informação, certa parcimônia de informações, talvez com medo de uma indisposição com o poder, seja ela nos âmbitos municipais, estaduais ou federais. As denúncias são pífias, o jornalismo investigativo é limitado à ideologia das redações, e a verdade aparece cercada de sofismas, de expressões condicionais, onde algo teria acontecido, ou que a autoria de um fato danoso seria de responsabilidade de “a” ou “b”. Tudo com panos quentes; tudo à “meia-boca”.

Recentemente houve, no Rio Grande do Sul, o fato lamentável de um abuso de poder, quando elementos da Brigada Militar invadiram uma casa, em busca de possíveis suspeitos do assassinato de um membro da corporação, suspeita esta que terminou não se concretizando. É direito e dever das polícias buscar criminosos ou prender suspeitos para averiguação. No entanto, invasão de domicílio e tortura física é algo que não consta do livro das regras sociais. O comando da Polícia Militar ficou tão indignado com o fato que tomou medidas enérgicas e imediatas.

Dentre esses “suspeitos” a truculência policial visou um menor que sofreu violências e constrangimentos indignos de um ser humano. É aí que entra o medo e a omissão da mídia. A notícia da maioria dos jornais falou em “tortura”. Ora, o verbete “tortura” tem uma abrangência muito grande, e pode ir desde simples bofetões até a introdução de lâminas sob as unhas e choques elétricos, como fazia a repressão, no tempo da ditadura.

Outros jornais, elencaram, na tortura, um breve empalamento. Talvez setenta por cento da massa leitora não saiba o que é um empalamento. Trata-se de uma tortura medieval, que consiste em enfiar uma haste de madeira no rabo da vítima. E ficou nisto. Na semana seguinte, uma rede de televisão de São Paulo mostrou as imagens chocantes da tortura: enfiaram um cabo de vassoura no derriére do menor suspeito, ocasionando-lhe uma ruptura de intestino, atestada por uma cicatriz de uns trinta centímetros, do baixo-ventre até acima do umbigo. As redes locais não deram destaque a esse dado. Medo? Silêncio? omissão?

Filósofo, Escritor e Doutor em Teologia Moral

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 16/01/2008
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