A carroça
“A CARROÇA”
Certa manhã, meu pai, muito sábio, convidou-me para dar um passeio no bosque e eu aceitei com prazer.
Após algum tempo, ele se deteve numa clareira e, depois de um pequeno silêncio, me perguntou:
– Além do canto dos pássaros, você está ouvindo mais alguma coisa?
Apurei os ouvidos alguns segundos e respondi:
– Estou ouvindo um barulho de carroça.
– Isso mesmo – disse meu pai – e é uma carroça vazia!
Perguntei a ele:
– Como pode saber que a carroça está vazia, se ainda não a vimos?
– Ora – respondeu meu pai – é muito fácil saber que uma carroça está vazia por causa do barulho.
Quanto mais vazia a carroça, maior é o barulho que faz.
Tornei-me adulto e até hoje, quando vejo uma pessoa falando demais, gritando (no sentido de intimidar), tratando o próximo com grosseria inoportuna, prepotente, interrompendo a conversa de todo mundo e querendo demonstrar ser o dono da razão e da verdade absoluta, tenho a impressão de ouvir a voz do meu pai dizendo:
– Quanto mais vazia a carroça, mais barulho ela faz! (Autor desconhecido)
O BARULHO DAS CARROÇAS
Jailton Silva
Reflexões sobre o texto - “A CARROÇA”
Existem muitos ditados que se relacionam com o texto “A carroça”, o qual também personifica a maneira de filosofar de Sócrates, filósofo grego que viveu no século V a.C. Esse pensador usava o método chamado maiêutica que tem por significado “o ato de parir”, dar à luz ao conhecimento.
O grego mantinha um diálogo baseado na ironia para se aprofundar em suas reflexões, e junto a plateia promovia conhecimentos, mas não aceitava a ideia de que sabia muito, aliás seu lema era, “Só sei que nada sei”.
O sábio carrega consigo três noções comuns: coerência, constância e conveniência. (https://razaoinadequada.com/2018/02/28/o-sabio-coerencia/). Essas virtudes são apresentadas pelo pensador Espinosa, como características de um humano sábio, o que denota que, para se aproximar de tal condição, deve manter-se uma certa coerência entre a prática e a teoria, e ser conveniente, ou seja, saber o momento de demonstrar suas capacidades acadêmicas. Até então, tanto Sócrates, quanto Espinosa, corroboram na leitura do significado da carroça.
Os mais velhos costumam dizer que “muito vento é sinal de pouca chuva”, mais uma vez a sabedoria popular demonstra mais saber do que as palavras daqueles que, embora senhores de títulos, não compartilham do pensamento grego, origem do que temos hoje como filosofia, tampouco, com a forma de pensar de Baruch de Espinosa, um racionalista e influenciador da filosofia moderna, o qual, nos apresenta a importância, não exclusiva da fala, mas o poder produzido no ouvir, falar só o necessário. Essa situação nos coloca em locais antagônicos à educação atual, na qual prevalecem os falantes, em detrimento dos ouvintes. E nem sempre o falante aqui é o responsável pela formação, mas el@ fala e busca determinar, pregar verdades, mesmo que, às vezes, o próprio não acredite em seus fundamentos.
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foto3- https://br.freepik.com/psd-gratuitas/adolescente-rebelde-usando-um-megafone_938031.htm#query=pessoa%20falando&posi acesso 21/01/2024
Essa congruência entre as formas de lidar com a sabedoria dos pensadores Sócrates (lembrando que Sócrates não deixou nada escrito) e Baruch, já estaria de bom tamanho para entendermos o significado desse senso comum, “A carroça”, que por conta do autor desta reflexão, acrescentaremos o adjetivo, “vazia” (doravante: A carroça vazia), que nomeia e serve para questionar os faladores, aqueles que usam seus muitos diplomas para manter uma posição, onde possivelmente estará dando a entender que sabe mais que alguém, entretanto, são grandes nomes que dizem, que grandes poderes carregam consigo grandes responsabilidades.
Lembrando que o autor usa essa expressão devido ao muito barulho que faz uma carroça vazia em movimento.
Pensando na categoria docente, podemos tirar algumas lições, às quais, significam avanço ou entraves, tanto entre os próprios educadores como na relação educador/educando, e principalmente, na relação com o último, pois não há nada tão irritante quanto observar alguém tripudiar sobre outro. Além disso, para lecionar, apenas é necessário a licenciatura, ou seja, o título que o qualifica a tal função.
O professor, traz com seu título a responsabilidade de orientar seus alunos de forma humilde e incentivadora, sem perder de vista que, não há aprendiz que não tenha o que ensinar, e não há orientador que não tenha o que aprender. Respeitados esses limites teremos produção de conhecimentos e a promoção de fazeres que podem orientar os envolvidos na caminhada em direção à humanidade.
O pensador Paulo Freire, no livro “Pedagogia da autonomia”, nos passa a ideia de que ensinamos, e aprendemos ao mesmo tempo, quando diz: “(...) Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende, ensina ao aprender…” e endossando a esse pensamento podemos citar o enunciado comum no meio acadêmico que traz a ideia de que o professor termina sua formação na sala de aula. Continuando a discussão, podemos imaginar também que um docente que não causa orgulho em seus discentes, pode também não ter sucesso em suas tarefas, nisso lembramos da conveniência de Baruch Espinosa, que nos leva para o pensar que: tudo tem hora e lugar. Conveniência e coerência mantendo o fluxo do dialogismo educacional.
O cantor Fernando Mendes em uma de suas músicas declara: “Não adianta ir à igreja rezar e fazer tudo errado…”, enquanto Paulo Freire em sua experiência afirma: “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática.”
O sábio precisa brilhar, sem humilhar;
O educador, brilhar ensinando;
O educando, brilhar aprendendo;
O néscio, brilha humilhando.
A Humanidade, enquanto sociedade, é essencialmente polifônica, por isso, todos sabemos de tudo um pouco. Aqueles que agregaram mais saberes por oportunidades diferentes, devem trazer consigo, em porção dobrada, a coerência, a conveniência e, acima de tudo, respeito ao outro, senão, seu muito falar será semelhante ao barulho de uma carroça vazia.
Retrato-me aqui com a categoria docente, e justifico tê-la usada como exemplo, pois ser ela a única capaz de influenciar na transformação desse mundo, diverso e permeado de sábios que não ensinam, e néscios que querem dar aula. O professor é o fio dessa balança, pois as escolas, por estarem nas mãos de governantes inescrupulosos, sedentos por poder, ainda reproduzem desigualdades, mas os professores, embora vítimas do sistema, são as principais ferramentas na preparação do mundo das próximas gerações, pois a sociedade vive uma luta entre o conhecimento e a informação.
A informação tem o lugar, o tempo e o meio certo para adquiri-la, isso se quisermos ter o mínimo de proficuidade, enquanto o conhecimento é produzido por toda a vida, porque ele informa, formando. Como dizem “só quem sentou para aprender, pode levantar-se para ensinar”.
O detentor da informação nem sempre possui o conhecimento, por vezes a (in) formação é antagônica a formação, visto que, formação preza por autonomia e ninguém melhor para contar a história do que aquele que a vivenciou, isso é formar-se, é ter sua própria análise, é saber onde, quando e porque aplicar o conhecimento adquirido, enquanto a dita informação não tem fronteiras e atualmente, legalizada, assemelha-se ao cavalo-de-troia. Hoje, todos falam de tudo, e poucos se responsabilizam pelo que diz.
Nada vale o muito falar se o todo dito não ganhar corpo em uma ação instrutiva e exemplar! “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine… 1 Coríntios 13:1"
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REFERÊNCIAS
https://www.refletirpararefletir.com.br/6-textos-de-reflexao
https://razaoinadequada.com/2018/02/28/o-sabio-coerencia/.
foto2-https://mensagens.culturamix.com/blog/wp-content/gallery/frases-sobre-saber-ouvir-6/frases-sobre-saber-ouvir-15.jpg
foto3 https://br.freepik.com/psd-gratuitas/adolescente-rebelde-usando-um-megafone_938031.htm#query=pessoa%20falando&position=29&from_view=keyword&track=ais&uuid=cb968ff2-b7e9-4465-8434-95acdd5ff36a acesso 21/01/2024
https://www.efdeportes.com/efd73/freire.htm
https://www.bibliaonline.com.br/acf/1co/13/1++
Freire, Paulo - Pedagogia da Autonomia 25ª edição PAZ E TERRA,1996.