Bicentenário da imigração alemã no RS

 

Hoje é, oficialmente, a data em que se comemora o início da imigração alemã no Rio Grande do Sul. No meu texto anterior sobre o assunto (200 anos dos alemães no RS), esclareci que os imigrantes desembarcaram em Porto Alegre no dia 18 de julho (SIMPÓSIO, 1974, p.13).

 

Mas buenas, o fato histórico é que os 39 colonos germânicos (HASTENTEUFEL, 2024), homens, mulheres e crianças de nove famílias, da capital foram levados em lanchões pelos rios e em carretas e lombo de animais até o seu destino: as instalações da extinta Imperial Feitoria do Linho-Cânhamo, onde hoje fica a cidade de São Leopoldo, no dia 25 de julho de 1824 (SIMPÓSIO, 1974, p. 13), conforme retrata o quadro do pintor alemão radicado no Brasil Ernst Zeuner (1895 - 1967). O nome da cidade é uma homenagem a primeira imperatriz brasileira, Dona Leopoldina, princesa austríaca esposa de Dom Pedro I.

 

Os contatos da imperatriz foram fundamentais para o início da migração, um interesse do Império Brasileiro que visava colonizar o país com trabalhadores europeus, branquear a população e contratar mercenários a fim de montar um exército eficiente (os militares alemães, solteiros, ficaram no Rio de Janeiro), logo após a Independência e a decorrente separação de Portugal. Não podemos esquecer, a fim de entender tais intenções dentro do contexto histórico e político do período, que os monarcas eram favoráveis a uma economia liberal assalariada e defensores do fim da escravidão, inclusive tentaram incluir a abolição na primeira Constituição do Brasil, sem sucesso (Os 200 anos da primeira constituição brasileira).

 

Dom Pedro I e Dona Leopoldina possuíam tanto interesse nesta colonização que pessoalmente a apoiaram financeiramente, pra além dos incentivos imperiais. Por exemplo, em dezembro de 1826, quando o imperador passou pelo Rio Grande do Sul com o objetivo de liderar pessoalmente as tropas brasileiras na Guerra Cisplatina, contra a Argentina, esteve na cidade de Torres, onde deu quatro mil reis (cerca de 220 reais) para cada família alemã ali instalada naquele mesmo ano (ADAMS FILHO, 2017, p.130).

 

CHARQUEADAS - E os alemães continuaram a chegar, atingindo às centenas de milhares, pelas décadas seguintes, ajudando a construir o Rio Grande do Sul que hoje temos, como nos informa a História. Vamos agora nos ater a uns poucos detalhes curiosos sobre sua participação na história de Charqueadas. No início de onde hoje fica a cidade, temos a indústria saladeril, ou seja, do charque bovino, na qual era utilizada a mão de obra escrava oriunda da África nas charqueadas, sob comando de charqueadores de origem portuguesa que residiam em Triunfo.

 

Em 1935, nove anos após a chegada dos primeiros imigrantes germânicos, eclodiu a Revolução Farroupilha e um desses charqueadores, o coronel José Manuel de Leão, se aliou ao movimento armado liderado pelo também triunfense Bento Gonçalves contra o Império. Pois foi justamente uma tropa imperial formada por colonos alemães voluntários (PIRES, 1986, p.14) que, no dia 18 de setembro de 1839, comandados pelo major Francisco Pedro de Abreu (famoso por seus apelidos, Chico Pedro e Moringue), atacaram a charqueada de Leão, que foi morto.

 

Um outro episódio curioso, que paira no esquecimento, ocorrido durante a IIª Guerra Mundial, foi o campo de concentração instalado pelo governo brasileiro em Charqueadas, na Colônia Penal General Daltro Filho (ADAMS FILHO, 2019), então localizada onde hoje fica a Penitenciária Estadual do Jacuí. Os presos, em 1942, eram 41 alemães, três italianos e cinco japoneses, mas chegou a ter um total de 90 presos alemães no período, 64 deles pastores luteranos, acusados de serem ligados ao partido nazista alemão como colaboradores e difusores. Os padres católicos presos não vinham para Charqueadas.

 

Por essa época, atraídos pela oferta de empregos decorrente do ciclo de carvão, já havia trabalhadores descendentes de alemães na região Carbonífera e na cidade, aqui principalmente após a ativação do Poço Otávio Reis, em 1956. Com a abertura da Usina Termelétrica de Charqueadas (1962) e da Siderúrgica Aços Finos Piratini (1973), essa lógica se aprofundou e consolidou. No final dos anos 1970 e início dos 1980, durante o processo de emancipação de Charqueadas, sobrenomes de algumas lideranças locais ligadas a causa emancipacionista o confirmam: Rech, Grings, Jung, Schonhofer, Classen, Haude, Hoff e Schneider (Pires, 1986, p. 132 - 135).

 

Por fim, cabe ressaltar que esse breve artigo, somado ao oceano de menções em toda a mídia que aludem ao Bicentenário, é uma pequena homenagem a todos esses imigrantes e seus descendentes nessa importante efeméride gauchesca e brasileira.

 

Referências:

 

ADAMS FILHO, Nelson. A IIª Guerra entre nós. Vol 1. Porto Alegre: Editora Edigal, 2019, 189 p.

 

ADAMS FILHO, Nelson. A maluca viagem de Dom Pedro I pelo Sul do Brasil. 2ª ed. Porto Alegre: Editora Edigal, 2017, 227 p.

 

HASTENTEUFEL, Dom Zeno. Imigração alemã: bicentenário, 1824 - 2024. Novo Hamburgo: Diocese de Novo Hamburgo, 2024, 34 p.

 

PIRES, Saldino. Charqueadas: sua origem, sua história, sua gente. Charqueadas: Folha Mineira, 1986, 156 p. (Disponível na Biblioteca Municipal Vera Gauss, Charqueadas, RS)

 

SIMPÓSIO DE HISTÓRIA DA IMIGRAÇÃO E COLONIZAÇÃO ALEMÃ NO RIO GRANDE DO SUL. 1., 1974, São Leopoldo. Anais [...] São Leopoldo: Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Comissão Executiva dos Festejos do Sesquicentenário da Imigração Alemã, Subcomissão de Assuntos Históricos e Culturais, 1974, 373 p. (Disponível na Biblioteca Municipal Vera Gauss, Charqueadas, RS)