O Dioníso Brasileiro

Fui assistir no sábado o documentário “Vinícius”, de Miguel Faria Jr., sobre a vida e a obra de Vinícius de Moraes. Ninguém deve perder, muito menos os amigos escritores que publicam neste Recanto. Há ali imagens belas e preciosas; depoimentos e análises fundamentais para a compreensão do “poetinha”; e dramatizações de seus versos.

É claro que diante de um bom trabalho como esse, bate aquela coceira de imaginar como poderia ficar “ainda melhor”. E nos transformamos de repente em engenheiros de obra feita, sem saber os percalços da equipe para chegar ao resultado mostrado na tela. O filme é ótimo...Bom, podia ter um pouco mais de Vinícius falando, ele mesmo, mas...

...Falam por ele os parceiros vivos Carlos Lyra, Francis Hime, Edu Lobo, Chico Buarque e Toquinho. Há também um pequeno depoimento de Baden Powell e uma fala curta de Tom Jobim. Miguel Faria recolheu ainda depoimentos do poeta Ferreira Gullar e do crítico Antônio Cândido (que analisaram a poética); da atriz Tônia Carrero (que abordou o homem apaixonado); das filhas de Vinícius (que o descreveram na condição de pai e marido); e de intérpretes como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia. Enfim, não é pouca coisa.

O filme expõe ao público um homem sensível, culto, inquieto e participativo, singularmente movido pela paixão, que se desdobra em paixão pelas mulheres, pela poesia, pelos amigos, pela musica, pela cultura e pelo país. Vinícius faz da paixão a sua forma de se ligar à vida, que vê escapar dos dedos segundo a segundo, como uma criança ansiosa para não perder um minuto sequer das férias. Vinícius via as regras de conduta, as obrigações rotineiras e o respeito às necessidades do próprio corpo (horários, por exemplo)como formas de afastá-lo da verdadeira vida e do que amava fazer. Rigor, só com a métrica, sobre a qual construiu primeiramente sua elaborada poesia e, mais tarde, as letras de canções imortais. Casou-se nove vezes; apaixonou-se por um sem número de mulheres; deixou-nos uma obra fundamental na consolidação da cultura brasileira; cantou; celebrou...enfim embriagou-se em todos os sentidos.

A instabilidade e efervescência de sua vida tiveram repercussões pessoais, mas acima de tudo geraram um dinamismo inédito para a cena cultural brasileira, até porque partiu de um indivíduo. Se abandonava suas mulheres atrás da "chama imortal" de novas paixões, as novas parcerias musicais acabavam produzindo, direta e indiretamente, obras grandiosas. Foi em razão das "infidelidades" de Vinícius com Baden, que Tom Jobim aproximou-se de Chico Buarque. Os resultados, nós conhecemos.

Particularmente, prefiro o Vinícius letrista. A poesia da primeira fase – mística - não me atrai, apesar de profunda e erudita. Nas fases seguintes, ele se conecta à realidade à sua volta, tratando do amor com mais naturalidade e dos temas sociais. Mas neste momento já está em contato com o mundo da canção popular, no qual deu o seu melhor. Muito embora seja unânime dizer-se que a poesia formal não pode ser comparada à das letras de música, curto mais o letrista por coisas como “O amor é a coisa mais triste quando se desfaz” e “Vai meu coração / Pede perdão / Porque quem não pede perdão / Não é nunca perdoado”.

Aproveito este último verso para observar que, tendo sido um homem de excessos, Vinícius não se cansou de pedir perdão aos que machucou na ânsia de viver “o que tinha de ser vivido”. E pelo que mostram os depoimentos obteve esse perdão. Agora já é um deus.

Para ler a ficha técnica, acesse:

http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/vinicius/vinicius.htm

Nelson Oliveira
Enviado por Nelson Oliveira em 04/12/2005
Reeditado em 03/01/2007
Código do texto: T80986