Sexualidade/Afetividade:caminho para a completude
by Clevane Pessoa de Araújo Lopes
Psicóloga e escritora
Algumas pessoas encontram bastante dificuldade em conciliar suas necessidades de afeto genuíno com as sexuais.Amadurecido sexualmente é quem consegue associar essa premência, na verdade, um assunto polêmico,porque bate de frente com conceitos morais se dominantes em sua cultura ou grupo social:as pessoas são instadas,em especial as casadas, a se relacionarem apenas com os cônjuges,com quem amam.Dissocia-se o sexual do social, do afetivo...
Nenhuma das mudanças acontecidas a partir dos anos sessenta preconizando a liberdade e o direito de escolha sexual,na grande maioria,consegue passar impunemente pelas “sentinelas do “status quo”, como salienta Ângelo Gaiarsa em “Tratado Geral da Fofoca”(*), sendo esta,um assunto tão sério que nos meus tempos de faculdade, no Centro de Ensino Superior,em Juiz de Fora MG,passamos seis meses a devorar/estudar esse livro.Na verdade, não é exatamente a fofoca , que pressupõe julgamentos sobre nossos atos,que nos travaria.O que nos algema e amordaça,é a fofoca íntima:a que fazemos com nós mesmos(o que diria meu vizinho,minha mulher,meu sogro...eu perderia meu emprego se viesse à tona este “caso”...o padre,o pastor,Deus,meu guru, irão condenar-me por essa transgressão?...E por aí vai).Não suportamos nossas pressões internas.Elas se enraízam desde a infância, através dos vetos e das censuras dos mais velhos-avós, pais, educadores.O livre arbítrio,sendo o mais testado de nossos direitos de pessoa adulta, maior, vacinada, responsável, vive nos encostando contra a parede, num beco sem saída....
Quando fui assistir ao filme “O Feitiço de Áquila”,tempos atrás,encontrei a perfeita representação dessa dicotomia sexualidade/afetividade.Conhecem a história:o Bispo de Áquila, apaixonado pela heroína, para afastá-la do amado,lança ao jovem casal uma terrível maldição os enamorados apenas poderão se encontrar no rapidíssimo perpassar da noite para a aurora, um transformando-se em águia e o outro, acabando de ser um lobo.Mas nessa transiçaão de segundos,quanto amor emitindo sua energia aos dois!Trata-se da perfeita alegoria à espiritualidade e os desejos carnais.Um sobrevoa os ares.O outro, é uma fera aqui na Terra.
A pessoa,por exemplo, que acusa o outro de não conseguir fazê-la gozar, na verdade sofre da impossibilidade imposta pelo seu próprio interno.Amadurecidos sexualmente, sabem usar o corpo do outro e o seu próprio,para o prazer,princípio este perseguido por todos desde o nascimento.Independe, inclusive, da genitalidade.Um bebê com a boquinha voraz no seio materno,está obtendo um máximo de prazer.Um nadador após seu salto de trampolim,um religioso a orar em êxtase...Na verdade, o ápice do pique orgásmico, reúne um “mix” de modelos pessoais do que é realmente saboroso para o espírito e a mente, além da carne, daquele que se entrega...
Entrega, outra palavra chave.Para o orgasmo, é preciso entregar-se.Ao limite.Por isso, os franceses chamam esse patamar de “Petit Mort”.Quem tem medo de morrer=viver,não se entrega,não goza.
Para a plenitude do momento amoroso,é pois necessário ir fundo.Digo sempre que a relação sexual não deve ter início à noite,no quarto.E nem precisa ser à noite, ou no quarto, embora casais mais novos tenham de pensar nos filhos que podem aparecer pela casa, temendo serem flagrados.Interessante pensarmos o quanto as pessoas se envergonham de estarem demonstrando seu desejo, como se tê-lo e demonstrá-lo seja um tabu:esconda seu desejo, senão...Pais procuram-me apavorados:nossa filhinha levantou-se e nos viu...”pecando”,por certo a palavra inominável.Acredito que os pais não devem ser exibicionistas sexuais.Mas entre ser visto, se por acaso esqueceram a porta do quarto aberta, a fazer amor(o que pode ser aproveitado para se falar de como as criancinhas são feitas,posteriormente) ou a brigar, por certo, a primeira das possibilidades é extremamente mais salutar.
Em educação sexual para adolescentes, como um meio de prevenção à DST(Doenças Sexualmente Transmissíveis, incluindo a AIDS ou SIDA, em Portugal),à gravidez indesejada(pela tenra idade), a partir dos anos 80, nós, hebeólogos(estudiosos de jovens),começamos a enfatizar que essa educação deveria ser integral:não só passar por várias questões inter e transdisciplinares, como também pela questão da afetividade.Em Minas Gerais, por exemplo, a Secretaria de Educação, à época do Secretário Murilio Hingel, com quem estudei na segunda série “ginasial”, assumiu o que o pessoal da Saúde já vinha trabalhando, e criou o PEAS:Programa de Educação Afetivo-Sexual.Considerando-se que a sexualidade não é apenas uma genitalidade que levará à reprodução e sim um leque de energias, atitudes e posturas fundamentais para a auto-realização do ser humano, em EAS(Educação Afetivo Sexual), até mesmo os educadores precisam passar por um treinamento que dilua seus fantasmas pessois e/ou culturais,mitos e tabus em relação ao sexo global.
Quando faço oficinas ou dou treinamentos, busco desde a ampliação das relações entre corpo docente e discente, na escolas, como também entre pais e filhos.No Hospital Julia Kubitscheck, onde criei e coordenei, com um hebeatra(médico de adolescente) o SAISCA(Serviço de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente), chamado pela população de “Casa da Criança e do ADOLESCENTE”,todas as terças feiras reunia ,para palestrar,esses jovens e quem mais viesse:avós, pais, tios,professores.Os temas eram os mais variados(do “resgate à prudência “ à drogadicção, das DST ao desenvolvimento sadio da sexualidade, entre muitos).
Quando, no ano passado, fui homenageada,no dia da Mulher(08/03), na ASSEMBLÉIA Legislativa,quatro anos depois de aposentada,por esse trabalho, tive o prazer de ouvir,do João Martins,um rapaz que estivera conosco, todo o tempo em que existiu o programa, em todas as atividades”Clevane, nenhum de nós que passou por você, deu para nada ruim”.Isso, decodificado, foi minha maior homenagem, além da placa de aço recebida, da ALMG e o “diploma” que ele desenhou para mim, a lápis.Mostrou-me que meu desejo estava ali realizado:toda uma geração de mais de vinte bairros periféricos ao HJK, não contraíra DST/AIDS, não se viciara em drogas, ninguém engravidara ninguém ,garotas não gestaram fora de hora...E tudo foi trabalhado a partir da afetividade.Tinham horticultura,com um professor de Técnicas agrícolas,o Prof.Lafaiete Anastácio de Paula, que já aposentado,chegou a ir à Faculdade de Viçosa,para especializar-se, quando o chamei para o projeto e comecei simultaneamente,o “Farmácia Verde”, onde resgatavam os remédios caseiros e plantavam ervas medicinais...Tinham aulas de “jazz”, ministradas por uma das próprias adolescentes, acompanhados pelo psicólogo José Rubens, que também realizava teatro gestual, expressão corporal-com eles realizei fantásticos laboratórios que eu chamava “Ateliê de Corpo” e “Oficina de Sensibilidade”...Tinham reforço escolar, biblioteca, recursos áudio-visuais, teatro, com o Wellington, um jovem que trabalhava na lavanderia do hospital...Participaram inclusive do encerramento do Congresso Internacional do “Esperança sem Fronteiras”,sendo aplaudidos de pé...
Adolescentes tinham ali figuras masculinas e femininas substitutas ou coomplementares às familiares:o Prof. Lafayete e os psicólogos,atuavam com papéis de avô, tio e mesmo pai, associando-os ao papel profissional.As secretárias,psicólogas , nutricionistas, assistentes sociais, aos papéis femininos carenciais em suas vidas.Aprenderam a respeitar-se:a si mesmos e aos outros.Quebraram velhas errôneas crenças:homem não chora,mulher não pode fazer isso ou aquilo-discutidos à exaustão, os papéis de gênero, chegaram à conclusão de que todos podem realizar e fazer tudo, desde que seja bom.Concluíram, em suas listas de “sim” e “não”que apenas isso, é exclusivo ao gênero masculino/feminino:urinar em pé;gestar;parir, pois até amamentar, cientificamente, o homem pode, se estimular as mamas pela sucção do bebê e usar hormônios como a Prolactina.Ficaram bem “sabidos” e quando o Ministério da Saúde mandou representantes ao hospital para um seminário de Sexualidade e Saúde Reprodutiva na Adolescência, , ficaram impressionados:”mas como estes adolescentes ficam assim à vontade,par aconversar sobre “tudo”?
Nós os empoderáramos.Déramos afeto.Falávamos com carinho, confiávamos neles.Promovíamos um suave e saudável desenvolvimento da sexualidade .Reporto-me a isso, por lembrar-me que, infelizmente, muitos adultos e idosos, hoje, enfrentaram repressãoes e temoras quanto à sexualidade, ou então o escancarar-se da permissividade.Limites são necessários,sim, mas devem ser respeitados por amor às suas próprias fases, evoluções,personalidade e felicidade.Essas pessoas que cristalizaram os desejos, limitaram as possibilidades,sufocaram a esponteidade ou deram valor excessivo ao sexo pelo sexo(em especial os que viveram nos anos 60/70), o oposto, ou ficaram amordaçados quanto à própria sexualidade, ou priorizaram um non sense defensivo ou ainda, tornaram-se frios, até à náusea sartreana, insensíveis e desiludidos.
Amor, sexo e afetividade é uma poderosa combinação de energia,alegria de viver,otimismo.Quem não conhece aqueles que vão bem sexual e afetivamente?Sorriso fácil, poder criativo, brilho no olhar...Esses, desobriram a fórmula mágica.Uma das chaves, a da porta principal, estou lhes entregando:chama-se diálogo.Livre, espontâneo,genuíno.Assim,o outro será apreendido, comsua realidade plena, por você e vice-versa.Experimente com as crianças, os púberes e os adolescentes.É um rico exercício...