Rio Grande do Sul – a punição da incúria
A tragédia que acontece no Rio Grande do Sul é o resultado de uma equação com muitas variáveis: aquecimento global, El Niño, chuvas intensas, ocupação indevida de planícies de inundação dos rios, ineficazes sistemas de prevenção e combate de enchentes, impermeabilização dos solos agrícolas da bacia de captação... Todas estas variáveis – e esta lista não está completa – têm uma única origem: a incúria humana com o planeta Terra que nos acolhe.
A civilização atual é singular: a população nunca foi tão numerosa, o consumo desenfreado é hiperestimulado, a queima de combustíveis fósseis é recorde, proliferam conflitos armados, arsenais armazenam armas que podem destruir o mundo, acumulamos riqueza e distribuímos pobreza, acirramos insegurança e conflitos sociais, extinguimos espécies, desequilibramos ecossistemas, engendramos a disseminação de pandemias, utilizamos avançada tecnologia de desinformação e manipulação, desencadeamos as guerras híbridas e cognitivas nas quais os inimigos são invisíveis e insinuam-se dentro das mentes, alimentamos a desesperança, a segregação, o ódio, a soberba, a supremacia e a cupidez como leniências a que nos agarramos perante o caos.
A tragédia no Rio Grande do Sul é só um sinal, como o têm sido o buraco na camada de ozônio, a covid-19, o aquecimento global, os incêndios florestais no Canadá, EUA, Amazônia e Pantanal, as inundações, os furacões... Alguém já escreveu que Deus perdoa sempre, as pessoas às vezes, a natureza nunca. Ela está nos alertando de nossa incúria e suas consequências.
O planeta Terra é um milagre, que propiciou outro milagre: a vida. Que foi contemplada com o milagre da inteligência. Só nos faltam os milagres do discernimento, da sensatez. Estes, que já se manifestam mas ainda não aprendemos a vê-los e valorizá-los, nos trarão a compreensão, a solidariedade, a parcimônia e a paz. Então reconheceremos que temos o privilégio de estarmos vivendo no paraíso dos sonhos humanos. Não um paraíso inerte e sem propósito, mas um paraíso de generosidade infinita, que tudo nos concede. Entretanto, severo com nossos erros, que pune rigidamente, pacientemente nos mostrando qual o caminho a seguir: a Mãe Terra dos povos originários.
A tragédia no Rio Grande do Sul é o fruto amargo de séculos em que a humanidade vem endeusando o mercado e aperfeiçoando formas de exploração predatória da natureza e do homem pelo homem. O incentivo à competição, ao consumo desenfreado, ao ter mais importante que o ser, tudo deságua numa insana luta de classes e na revolta do ambiente. Estamos transformando o paraíso que é o planeta Terra num inferno. Ainda não compreendemos o significado da parábola de Adão e Eva, da serpente e da maçã, do pecado e da expulsão do paraíso. A serpente é a cupidez, a maçã é a jactância, o pecado é nossa incúria.
Mas, felizmente, não somos só pecadores, seduzidos pela cupidez. Já temos ideia de quais os erros que temos cometido, e como corrigi-los. Urge passar das ideias às ações.