DIANTE DA FOLHA
Diante da folha
A angústia da folha em branco atinge até os mais experientes escritores. Quem está de fora do processo acredita que escrever é muito fácil para quem está em constante exercício. No entanto, mesmo nesse espaço que ora escrevo, por vezes fico tateando as palavras, às cegas, como se desejasse senti-las em suas diversas possibilidades do dizer. Há anos lecionando Língua Portuguesa, nas aulas de produção textual vejo com frequência o sofrimento daqueles que demoram a colocar a primeira letra no papel. O não saber dizer e o anseio pela enunciação inibem o redator.
Na contrapartida dessa angústia, tenho aconselhado aos estudantes que comecem sem tanta autocobrança, lembrando-lhes de que estão sob o rascunho, no qual não há a necessidade de as ideias virem desde já alinhadas, coesas e coerentes. É melhor iniciar o alicerce textual e, aos poucos, acrescentar-lhe o reboco. Ainda assim, peço que também tenham zelo na primeira versão do texto, afinal o primeiro revisor deve ser o autor. Então, quando forem passar a limpo suas ideias, essas deverão ganhar corpo, tal qual um sedentário que, paulatinamente, constrói músculos e torna-se mais forte.
Escrever exige coragem, porque o primeiro a quem se deve encarar é o vazio e, depois (ou concomitantemente), a si. E independe de qual gênero textual – de conto a crônicas, de uma dissertação de mestrado a um poema – há de se ter força para suportar o silêncio e o eco. A vasão e a invasão dos vocábulos que ora pululam sobre o papel e nadam bravamente, ora naufragam.
E deve-se reconhecer que, mesmo aquele/a escritor/a que você tanto admira, também encontrará dificuldade para escrever, sobretudo se o gênero textual em questão for aquele ao qual não está habituado a redigir. Entregue a tarefa de elaborar um relatório técnico a um poeta e lhe custará muita energia. E é isso: como escrever exige esforço, – como dizem – pensar dói, muitas pessoas não estão dispostas.
Escrever é desafiante, e suspeito que a quase totalidade de escritores – sejam estes acadêmicos ou literatos – realize o ofício porque gostam do desafio, apreciam o tratamento do e no texto. Alguém pode afirmar que só o faz pela sobrevivência financeira, mas não haveria uma alternativa para não lidar com as palavras? Essa sintaxe-emboscada, como diria o professor e poeta Affonso Romano de Sant’Anna, mereceria ser reduzida ao capital? O fato é que todos recorremos às palavras para sobreviver, para suportar o mundo, reinventando-o, tanto como escritores como leitores.
Sendo assim, desenvolver habilidades com as palavras tem a ver com compreender os contextos de uso, o propósito comunicativo do texto – seja este oral ou escrito. Para tanto, seguem-se as perguntas: o que pretendo com esse texto? Qual efeito de sentido essa palavra tem nessa situação? Como esse texto será recebido pelo interlocutor? Qual é o público-alvo? O nível de linguagem está adequado? Etc...
Escritas são eventos, para alguns precisamos de uma vestimenta mais quente, para outros mais fria. Para alguns, necessitamos estender o tapete vermelho; outros basta um cafezinho com bolacha. “Escrever é fácil. Você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca ideias”, disse o poeta Pablo Neruda. Complemento que devemos pensar em caixa-alta para que as ideias não sejam baixas, senão melhor mesmo deixar a folha em branco.
Leo Barbosa é professor, escritor, poeta e revisor de textos.
(Texto publicado no jornal A União em 08/03/2024)