"É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus". Mateus 19.24

 

Pobreza é sinônimo de dor. A carência é inimiga da Luz. Para pensar é preciso comer, disse Teilhard de Chardin, um dos maiores filósofos do século vinte. E é verdade.

A carência atrai para as nossas almas as cascas que a tornam impura. Essas cascas, na Cabalá são chamadas Kelipots, ou seja, aderências espirituais que a contaminam e a tornam pesada. Nós conhecemos essas “cascas” pelos nomes de inveja, despeito, ira, maledicência, preguiça, mentira, descrença, luxúria, ambição egoísta e mesquinha, autopiedade e falta de autoestima, e todos os pensamentos e sentimentos que nos assaltam quando a dor da falta do necessário para que o nosso organismo, ou o nosso Ego, sinta prazer, se instala em nós.

A massa que constitui o organismo humano também é feita da Luz do Criador. Por isso ela não está preparada para sentir dor, para sofrer. Ela é feita sim, para realizar a felicidade. Por que a felicidade também é um atributo de Deus e ele está presente na sua Luz Infinita. Ela é um dos arquétipos, ou formas ideais, que saem da mente dos deuses, no dizer de Platão, para inspirar os homens em suas vidas na terra. E tudo que fazemos na vida é para conquistar esse estado de plenitude sensitiva e espiritual.

Por isso tudo que fazemos visa esse resultado: viver sem dor e sentir prazer em viver.

Para isso trabalhamos, estudamos, lutamos. O Desejo de Receber também hospeda coisas ruins. A guerra, a disputa por poder, a arrogância e a violência, tudo isso também faz parte desse Desejo. E também ocorre de procuramos os prazeres fáceis das drogas, do sexo, do álcool, do jogo. E quando essas fontes começam a provocar dores maiores do que o prazer que trazem, procuramos nos livrar deles, às vezes com maior sofrimento ainda.

Não há felicidade na pobreza, na dor e na promiscuidade que geralmente acompanha a indigência. Tudo isso é apenas ausência de Luz. É escuridão. A Luz Infinita contém bondade, paz, amor, felicidade, prosperidade. O seu oposto é a escuridão, sinônimo de sofrimento, carência, estresse, angústia e dor.

Mas para que a Luz possa brilhar é necessária a presença das trevas. Por isso o sofrimento e a pobreza existem. É o mecanismo do positivo/negativo, o yin e yang em ação e não há como fugir dessa dicotomia. Como disse Jesus, “aos pobres sempre os tereis convosco, mas a mim nem sempre o tereis”. [1] Isso quer dizer: sempre haverá necessidade da carência para incentivar a nossa disposição em superá-la.

Assim, não é a riqueza material que impede a nossa alma de alçar-se ao território onde reina a Luz Infinita do Criador. É o seu apego a ela. Quando deixamos que a nossa alma se apegue à massa que a envolve ela se torna tão pesada que não consegue alçar o voo necessário para voltar ao centro irradiador de onde veio. E quanto maior é esse apego, mais aderente e mais pesada se tornam essas “cascas” (kelipots). Por isso a maioria das religiões dizem que no céu só se entra em forma de Luz. Por que a luz não tem peso nem massa. E para entrar no céu não se admite que a alma leve qualquer carga.

Essa é razão de a Cabalá ensinar o desapego. Podemos muito bem ser ricos em bens materiais. A riqueza e o prazer não são inimigos da virtude. Não prejudicam a salvação da nossa alma. Só não podemos viver por eles. Não é o rico que terá dificuldade para entrar no céu, mas sim o avarento. Nem o pródigo, mas sim, o mesquinho. Ou o ambicioso, e sim o ganancioso. Ou seja: aquele que recebe e não compartilha. O que tem muito Desejo de Receber, mas mitiga o de Compartilhar, retendo só para si a Luz do Criador.

Não é para o rico que o buraco da agulha é estreito, mas sim para o egoísta.

 

 


[1] Mateus 26:11, João 12:8.