Do corpo carne ao corpo templo ( Parte II )
De acordo com o escritor Carrara (2000), há duas vertentes no pensamento cristão que constroem formulações acerca do desejo sexual a partir de distintas concepções da pessoa.
A primeira é caracterizada pela
ênfase na abstinência sexual e no ideal do celibato,
buscando a santificação pela conversão, pelo batismo
e pelo fervor da fé.
Trata-se de um ideal “autonomista”, que valoriza o autocontrole e o domínio de si
em relação aos impulsos da carne.
Esta concepção
caracterizou o cristianismo em seus primórdios tendo sido apropriada e reinventada em sua
versão puritana com a emergência do protestantismo e seu ideal ascético.
Uma outra
formulação encontra-se em Santo Agostinho, quando retoma o tema do pecado original.
O pensamento agostiniano apresenta uma teologia que tematiza negativamente a sexualidade, realçando a
carnalidade humana, fruto da queda e da prática
do pecado original.
Assim, cada fiel carrega a marca
indelével do pecado, posto que os desejos da carne
possuem uma base incontrolável e demoníaca.
No universo evangélico, pentecostalizado,
ambas as concepções coexistem: a idéia da passagem do corpo carne (anterior à conversão, à
cura e à libertação) ao corpo templo (cultivado
pelo exercício da ética doutrinária) indica a existência de um ideal de transmutação da essência
da pessoa.
É por meio desse pendor ao pecado
que são exercidas práticas antinaturais, abrindo
brechas ao maligno (Rebecca Brown, 2000;
Itioka, 1993).
Trata-se de um corpo transpassado
pelos poderes malignos, infestado por legiões de
demônios, contaminado, um corpo habitat, receptáculo dos diabos, portador de desejos equivocados em relação à verdade e à natureza divina