A Amazônia, as chuvas e o Aterro Botuquara
As notícias são paradoxais: verão com temperaturas recordes e incêndios no Hemisfério Norte, inverno sem frio no Hemisfério Sul, seca na Amazônia, chuvas recordes com grandes inundações no sul do Brasil. E há ainda quem teime refutar que estejamos já vivendo as consequências do aquecimento global, provocado pela atividade humana.
Hoje presenciamos o contrassenso da seca na Amazônia e chuvas recordes no Sul. Mas este quadro é só um sintoma passageiro de um desarranjo climático cujas manifestações futuras são imprevisíveis. Amanhã é bem possível que tenhamos seca também no Sul, sobretudo se se agravar a seca na Amazônia. Graças a um arranjo singular na América do Sul, que combina a ação das correntes atmosféricas com a localização da Bacia Amazônica e da Cordilheira dos Andes, temos os “rios voadores”, que trazem a umidade para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. Se não fosse esse singular arranjo, seríamos aqui uma área desértica, como são todas as outras regiões do planeta nas mesmas latitudes, seja no Hemisfério Norte ou no Sul.
Muitos pesquisadores têm alertado que os eventos climáticos extremos que temos presenciado, incluindo entre eles os antes desconhecidos e agora comuns ciclones extratropicais que têm afetado o sul do Brasil, são já consequências do aquecimento global. E têm alertado também que a distribuição das chuvas e da água no planeta está sendo drasticamente afetada. E já não é possível evitar estes eventos climáticos extremos. É obrigatório que saibamos nos adaptar a eles. Já passamos da hora da prevenção, chegou a hora da adaptação.
Diante desse quadro, é necessário repensar, ainda com mais prudência que antes, o papel dos reservatórios subterrâneos de água potável, os chamados “aquíferos”. É neles que se situa a maior parte da água doce: no planeta, só 3% da água é doce, 69% da água doce está congelada nos polos, 97% da água doce não congelada está contida nos aquíferos, só 3% é água superficial, de rios e lagos, o que corresponde a 0,009% da água existente na Terra. A conclusão é que, com o desvario do clima induzido pelo aquecimento global, vamos depender cada vez mais da água dos aquíferos.
O que o Aterro Botuquara tem a ver com isso? O Botuquara funcionou como lixão a céu aberto de Ponta Grossa desde a década de 1970 até o início dos anos 2000. O local foi escolhido por ser um terreno da prefeitura, o lixão não cumpria nenhuma norma técnica, nem mesmo a impermeabilização do substrato. E o Botuquara está sobre o Aquífero Furnas, que já abastece, através dos chamados poços artesianos, muitas indústrias, postos de combustíveis, hospitais, escolas, granjas, supermercados, abastecimento público e privado em Ponta Grossa. Estudos realizados com dados de 2010 revelaram que, naquela época, os poços artesianos já podiam atender a mais de 50% da demanda de água da cidade.
Os aquíferos são um enorme reservatório de água de boa qualidade, mas têm um problema: não podem sofrer poluição. Se forem poluídos, a recuperação é inviável. Ou seja, há que zelar pela preservação dos aquíferos, se queremos preservar estratégicas reservas de água potável para o incerto futuro hídrico que se nos apresenta.
Em conclusão, é necessário retirar a montanha de lixo do Aterro Botuquara do local onde se situa hoje, sobre o Aquífero Furnas. Lá, o lixo representa risco enorme de contaminação do aquífero, pela infiltração do chorume. Ameaça agravada com as fortes chuvas que têm caído atualmente.
Há outros locais no município, com rochas e solos impermeáveis, que poderiam servir de depósito mais adequado para o lixo do Botuquara, sem ameaças para o aquífero. Se os administradores não providenciarem esta mudança com urgência, estarão comprometendo a principal reserva de água potável para o futuro da região.