A invenção do nome Etnociência vem à publicidade em 1964 por William C. Sturtvant - curador do Instituto Norte-Americano Smithsonian de Etnologia; obviamente, os etnoconhecimentos, etnossaberes e as etnopráticas (re)conhecidos no campo (ou etnocampo) das etnociências pertence a todas as civilizações, sociedades e comunidades ancestrais e tradicionais dos multipovos da humanidade.


Com o termo etnociência se designa a área de conhecimento multi,  inter e transdisciplinar de documentação, estudo e valorização dos conhecimentos e das práticas produzidos por um grupo cultural e transmitidos por multimeios não convencionais.

 

Conceituações outras de Etnociência são encontradas, tais como: etnografia de conhecimentos culturais, ciência dos conhecimentos culturais, movimento pedagógico multicultural e pluriétnico.

Com a Etnociência nasce uma nova história e uma nova historiografia dos saberes e das práticas científicas: é o advento da Etno-história. De um modo genérico, Etno-história significa a história cultural de todos os povos não europeus da humanidade: isso considerando cultura como a rede e os sistemas de crenças, valores, idéias, saberes e práticas sociais dos diferentes povos e comunidades humanas do mundo.

 

Com a Etnociência está inevitavelmente a questão etimológica inicial.
O prefixo ETNO procede do grego ÉTHNOS e em sua forma antiga de ÉTHOS.
Éthnos para identidade de origem e de condição, incluindo-se identidade de crenças, de valores, de símbolos, de mitos, de ritos, de morais, de língua, de códigos e de práticas. Dessa identidade se formaram as vivências e os conceitos de raça, povo, nação, classe social, corporação.

Éthos (vogal aberta) para costume, hábito. Desse prefixo nasceria, por exemplo, a palavra ETNIA.

A palavra ETNIA foi inventada por Vacher de Lapouge no final do século XIX, introduzindo a noção de etnia nas chamadas ciências sociais.

Há, também, o prefixo latino Êthos (vogal fechada) significando jeito de ser, morada habitual, talvez o moderno uso de habitus, segundo a concepção de Pierre Bourdieu: lugar do ser, território da pessoa, não geográfico mas íntimo. Desse prefixo nasceria, por exemplo, a palavra ÉTICA.

 

A Etnociência faz uma revisão lógica, epistemológica e metodológica de todas as ciências conhecidas.
Assim tem-se etnobiologia (etnobotânica, etnozoologia, etnoecologia, etnofarmacologia, etnopedologia...), etnohistória, etnolingüística, etnoenfermagem, etnomedicina, etnoestética, etnoantropologia, etnopedagogia, etnomusicologia, entre tantas outras possíveis subáreas.

Em todas elas, o fundamento geral tem sido o de documentar, estudar e valorizar o repertório de conhecimentos, saberes e práticas dos povos não europeus, particularmente os denominados povos tradicionais (indígenas, caboclos, ribeirinhos, seringueiros, quilombos...).

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A Etnociência tem sido um paradigma de pensamento e de práticas científicas contrapostos àquele denominado de Ciência Moderna ou Ocidental: pensadores e pesquisadores costumam falar em paradigma clássico para se referirem aos saberes e às práticas da Ciência Ocidental e em paradigma antropológico para se referirem aos saberes e às práticas da Ciência Total – total no sentido de integral. Ou ainda, para diferenciar os dois universos contrapostos de pensamento, se fala em Paradigma da Ciência e Paradigma da Etnociência.

 

O Paradigma da Ciência é distinguido por várias características, entre as quais: produtor de discursos sobre isto ou aquilo; reducionista; dualista; fundado na negação da pessoa humana; criador de não autonomia; centrista; ideo-lógico, no sentido platônico-aristotélico; produtor de aculturação (e seus processos de sincretismo e de transculturação), ou seja, fusão de culturas diferentes e aonde, pelo contato intercultural permanente, se dão mudanças nos padrões culturais de cada uma e, geralmente, a perda de traços culturais; voltado para a competência discursiva e para a negação de racionalidades diferentes da chamada razão lógico-instrumental.

 

O Paradigma da Etnociência é distinguido por várias características, entre as quais: formador de vivências com isto ou aquilo; holístico ou holonômico; não dualista; fundado na inclusão e na afirmação da pessoa humana; criador de autonomia; não etnocentrista; dia-lógico, ou seja, hermenêutico no sentido da Hermenêutica Filosófica cujo fundamento é a experiência da linguagem e a linguagem da experiência; produtor de enculturação, ou seja, desenvolvimento e solidariedade intercultural sem perda de traços culturais; voltado para a competência da ação e para a afirmação de racionalidades diferentes da chamada razão lógico-instrumental.

 

 
(Fotografia: Índio Pataxó)

Carlos Fernandes
Enviado por Carlos Fernandes em 25/12/2007
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