ARMARIO
Estava pensando que não escreveria hoje, pois palavra alguma me vinha à mente, como sempre me vem, que me entusiasmasse e merecesse que eu me dispusesse a parar de ver os filmes na sessão de domingo, como sempre acontece, mas, de repente me veio, do nada a palavra armário e eis-me aqui dedicando meu pensamento em falar não sei o que sobre essa palavra, deixando de prestar atenção direta no filme, que até já sei o que vai acontecer pois estou vendo pela terceira vez.
Armário, na nossa concepção geral, é o lugar, o móvel, onde guardamos todo e qualquer tipo de coisas, objetos, utensílios, ferramentas, medicamentos, alimentos e tudo que se possa imaginar. A função do armário é proteger, guardar, preservar o que for colocado dentro dele para evitar exposição à luz forte ou fraca; à temperatura, quente ou frio; bem como esconder qualquer coisa dos olhares invejosos se for algo de valor e de olhares desejosos se for objeto de consumo e de uso.
Os armários tem diversas e muitas utilidades, são feitos de diversos materiais e diversos tamanhos, conforme a necessidade de cada pessoa que os tem. Cada pessoa tem seu armário onde guardam seus segredos, suas verdades, suas mentiras, seus desejos, seus desgostos, suas proezas, suas necessidades. Esses armários são especiais, feito de um material muito diferente dos demais que guardam utensílios, pois eles precisam ser à prova de qualquer tipo de bisbilhoteiro, quaisquer pessoas que queiram invadir o que é só nosso e não queremos compartilhar com mais ninguém, a não ser com a gente mesmo.
Esses armários pessoais e intocáveis, que existem dentro de nós, e cada um de nós tem, por mais que diga ser a vida um livro aberto, alguma coisa, algo tem para esconder lá no fundo do seu íntimo, do seu pensamento, algo que tem medo que seja exposto, algo que não quer que ninguém saiba, ninguém conheça, que pertence somente a nos mesmos.
Esses armários são feitos, criados lá dentro de nós, forjados durante a vida que levamos e preenchidos com coisas que gostaríamos de ser e não conseguimos, com coisas que gostaríamos de ter e não temos, de coisas que gostaríamos de fazer e não podemos fazer. Tudo isso foi atirado, jogado lá pra dentro, sem organização alguma, sem lugar determinado, sem prateleiras, sem codificação, sem prazo de validade, sem identificação alguma. Simplesmente foram sendo colocados, trancafiados. Cada uma das coisas que estão nesse armário aguarda sua vez de ser lembrado e poder sair de lá e exercer alguma função, algum objetivo na vida dessa pessoa que o jogou lá dentro e o esqueceu, sem se manifestar, sem dizer nada se algum dia poderá vir a ser importante, poderá vir a ser algo que a pessoa possa mostrar para todos como fazendo parte de suas vidas.
Esse tempo pode ser muito longo, ao ponto de o armário quase se deteriorar e tudo que está lá dentro ser totalmente perdido, jogado fora. Esperanças perdidas, sonhos não sonhados, iniciativas não tomadas, desejos contidos, palavras não ditas, propósitos coibidos, capacidade não reconhecida, inteligência mal aproveitada tudo e tanta coisa mais está lá dentro dos armários. Tantas coisas que lá dentro estão esperando para serem chamadas, aguardando sua vez de agirem, na expectativa de ver a luz do armário se abrindo e liberando para que pelo menos alguma delas possa ser reconhecida, possa ser chamada e finalmente utilizada, esquecendo medos, temores, inseguranças; enfrentando desafios, superando dificuldades e acima de tudo se mostrando com certeza absoluta o seu armário escancarado para o mundo, para a vida, para a felicidade.
Enquanto o armário não se abre, as coisas ficam borbulhando, lá dentro sem regras, sem normas, sem informação alguma se algum dia poderão sair de lá. Algumas coisas chegam até esquecerem que um dia tiveram lugar nos pensamentos da pessoas que os atirou lá pra dentro, por mais que tenham lutado na tentativa de sobreviver mas foram vencidos pela ética, pelo medo do preconceito de uma sociedade hipócrita, pela falta de personalidade dessa pessoa e a esperança de um dia voltarem a fazer parte da vida dela está se esvaindo, perdendo definitivamente o prazo de validade.
Mas os armários podem se abrir a qualquer momento, sem aviso, sem explicação, do nada, ou algum evento faz com que as pessoas encontrem as chaves para abri-los e assim o fazem, deixando que todas as coisas voltem a fazer parte de suas vidas e começarem a agir como sempre pretenderam, como sempre foram dignos de viverem. Os armários que existem no interior das pessoas, e todas as pessoas os tem, nos impedem de vivermos uma vida plena, nos impedem de sermos nós mesmos e vivemos uma vida falsa, onde não nos reconhecemos nem a nós mesmos, porque o armário está lá lotado, repleto de nós, de tudo que poderíamos ser e não conseguimos, não temos coragem, não temos ousadia para assumir que tudo aquilo que está lá dentro, somos nós e para sermos plenos, sermos nós como nós nos concebemos, como nós nos vemos, temos que tomar posse da chave que abre nosso armário e abri-lo, escancara-lo e deixar que tudo seja visto, seja reconhecido. Só assim conseguiremos ser felizes.
Vamos abrir as chaves dos nossos armários? Pegue as suas chaves e abra esse diversos armários que tem dentro de ti. Não pense nas consequências, pense apenas em ser feliz.