O Mestre Yin
A prática do Tai Chi Chuan tem mudado minha sensação sobre o Tao ( O Caminho), mas também sobre o pensamento de Lao Tse. As idéias do mestre chinês (604 a.C - ?) estão basicamente condensadas no famoso livro Tao Te King. Na edição que tenho, talvez a mais recente em Português, a transliteração foi mudada para Dao De Jing (pronuncia-se Tau Tê Din, assim como Lao Tse passou a Laozi). Problemas de aproximação entre línguas com alfabetos diferentes, apenas?
Creio que não. A distância da obra de Lao no tempo e as diferenças culturais entre a China e o Ocidente deixaram no ar a falsa impressão de que o Caminho proposto por Lao era um modelo de estagnação. Propunha ele um sistema baseado na cultura de subsistência, no recolhimento, na pouca instrução e nenhum esforço especial no sentido da criação ou interferência na vida, na natureza e na cultura. A idéia seria seguir com “O Caminho”, uma espécie de fluxo natural da vida.
Admirador da cultura chinesa e certo dos benefícios de artes como o Tai Chi, sempre coloquei algumas reservas à atitude extremamente conservadora que sugerem esses registros precários e sujeitos a deturpações ao longo de milênios. Bom, se de fato Lao era assim tão conservador, nunca se saberá, mas isso poderia se justificar pela época e circunstâncias em que viveu.
De todo modo, acho que o essencial do Caminho não é a estagnação aparente, mas um tipo de expansão para dentro, se isso não parece estranho demais. É que por força do nosso modelo expansionista ocidental, estamos sempre nos remetendo para fora, e a toda velocidade. Daí os grandes impérios e os processos de colonização, inclusive espacial. Acho que Lao propunha que mergulhássemos lentamente na infinitude de um universo minimal. Infinito porque o universo parecer ser infinito tanto para dentro quanto para fora; e minimal porque nesse mergulho cuidaríamos de captar energia e não de dispersá-la. Os mestres taoístas são contra, por exemplo, o excesso de ejaculação, e ensinam técnicas para se reter o gozo, em benefício do aumento de energia – concepção que nos parece absurda à primeira vista.
A expansão para dentro seria uma maneira de fazer-se contato direto e altamente energético com o universo interior, mas também com aquele no qual estamos imersos, e que muitos vezes desprezamos em prol de nossas preocupações diárias, nossa diversão, nossa luta pela sobrevivência e nosso mundo tecnológico. Estou falando de Laozi, e não da China-superpotência, cujas mudanças de orientação ao longo do tempo não vou abordar aqui por falta de aprofundamento no tema. Nessa China de hoje, talvez seja mais difícil perceber o quanto podemos aprender ficando no mesmo lugar, na observação do que não cessa de surgir do que parece pequeno, limitado ou parado.
Ora, se Lao propusesse mesmo a estagnação, acabaríamos um dia por rejeitar suas proposições, por levarem à doença e à morte. Talvez os exegetas do mestre devessem ponderar um pouco mais sobre esse aspecto e pensar na possibilidade de que o mestre fosse, no fim das contas, simplesmente muito “yin”.